Partido Comunista Internacional Corpo unitário e invariante das teses do partido


Terceira Internacional (Comunista)
5º Congresso – 23ª Sessão, 2 de julho de 1924


Relatório sobre o fascismo
pelo delegado do Partido Comunista da Itália

No Quarto Congresso, como se sabe, apresentei um relatório sobre o fascismo em um momento decisivo da história do fascismo na Itália. Nossa delegação deixou a Itália para vir aqui no dia anterior à tomada do poder por Mussolini.

Hoje preciso falar sobre o assunto uma segunda vez, e novamente em um momento decisivo no desenvolvimento do fascismo, motivado, como sabem, pelo caso Matteotti. O destino também decretou, da mesma forma que antes, que esse evento ocorresse imediatamente após a partida da delegação italiana para o 5º Congresso. Em ambos os casos, portanto, o momento dos relatórios foi oportuno para ilustrar o fenômeno social e político extremamente importante que é o fascismo.

Naturalmente, não vou repetir aqui tudo o que disse em meu primeiro relatório sobre o desenvolvimento histórico do fascismo, porque há muitos outros pontos que preciso abordar. Portanto, vou apenas relembrar brevemente as principais ideias da crítica ao fascismo que fiz naquela época. Farei isso de forma esquemática, de modo a manter a integridade do que eu disse no 4º Congresso.

Primeiro de tudo: as origens do fascismo.

Em termos de suas origens históricas, o movimento fascista está ligado a vários grupos que defendiam a intervenção italiana na guerra mundial. Havia muitos grupos que apoiavam essa política, incluindo uma extrema esquerda composta por renegados do sindicalismo, anarquismo e, em alguns casos – especialmente no grupo de Mussolini – renegados da extrema esquerda do socialismo. Esse último grupo se identificou completamente com a política de harmonia nacional e intervenção militar contra as Potências Centrais. E é muito característico que esse tenha sido o grupo que forneceu ao fascismo do pós‑guerra seu “corpo de generais”. As relações entre esse grupo político anterior e o grande movimento fascista com o qual nos deparamos hoje podem ser seguidas em uma sucessão ininterrupta.

A data de nascimento da ação fascista clássica é 2 de novembro de 1920, o dia em que ocorreram os eventos em Bolonha (Palazzo D’Accursio). No entanto, omitirei esse ponto de caráter puramente histórico e passarei a outros assuntos.

Alguém tipificou a crise governamental na Itália da seguinte forma: o fascismo representa a negação política do período em que a política liberal burguesa e a política democrática de esquerda dominavam; é a forma mais dura de reação contra a política de concessões que foi colocada em prática por Giolitti e companhia no período pós‑guerra. Nós, por outro lado, somos da opinião de que os dois períodos estão dialeticamente ligados: que a atitude anterior da burguesia italiana durante a crise do Estado provocada pelo período pós‑guerra não foi nada além de uma preparação natural para o fascismo.

Nesse período, houve a ameaça de uma ofensiva proletária. As forças da burguesia não eram suficientes para resistir a um ataque direto. Portanto, tiveram de recorrer a manobras engenhosas para evitar o confronto e, enquanto essas manobras estavam sendo colocadas em prática pelos políticos de esquerda, o fascismo pôde preparar seus instrumentos maciços de coerção subsequentes e estabelecer as bases para a segunda fase, quando tomaria a ofensiva propriamente dita para dar um golpe mortal nas forças revolucionárias. Não é possível analisar aqui todos os argumentos que apoiam essa interpretação. Novamente, o que eu disse no 4º Congresso continua valendo. Outro fato. O fascismo começa nos distritos agrícolas. Isso é extremamente típico. O ataque às posições ocupadas pelo proletariado revolucionário começa nas zonas camponesas. Bolonha é um centro rural. É a cidade capital de uma grande área agrícola no vale do rio Pó, e foi aqui que o fascismo iniciou sua viagem triunfal por toda a Itália, espalhando‑se em várias direções. Em nosso primeiro relatório, fizemos uma descrição geográfica dessa turnê triunfal. Basta lembrar aqui que o fascismo só ataca os centros industriais e as grandes cidades em uma segunda fase.

Mas, embora seja verdade que a ação fascista tenha começado nas áreas não industriais, não devemos concluir que o movimento fascista foi criado para atender aos interesses da burguesia agrária, os grandes proprietários de terras. Muito pelo contrário. Por trás desse movimento estão também os interesses da grande indústria, do comércio e do setor financeiro. É uma tentativa de uma ofensiva contrarrevolucionária unitária de todas as forças burguesas. Essa é outra tese que irei defender e retornarei a ela muitas vezes no decorrer deste relatório. Deve‑se acrescentar – terceiro ponto – o fato da mobilização das classes médias. À primeira vista, pelas aparências externas, o fascismo não dá a impressão de ser um movimento dos estratos sociais superiores mencionados acima, ou seja, dos grandes proprietários de terras e da grande burguesia capitalista, mas sim um movimento da pequena e média burguesia, dos ex‑militares, dos intelectuais e de todas as classes que o proletariado ainda não conseguiu atrair para sua órbita e reunir em torno da palavra de ordem da ditadura revolucionária. Nessas classes, foi desenvolvida uma poderosa mobilização ideológica, política e organizacional; seu descontentamento e sua inquietação foram organizados. Foi‑lhes dito: vocês são a terceira classe a entrar no campo de batalha, ou seja, uma nova força que não apenas se rebela contra o proletariado, mas também contra a velha burguesia e seus políticos tradicionais.

Durante a crise do pós‑guerra, o proletariado não conseguiu impor sua política revolucionária e tomar o poder que estava escapando das mãos da antiga classe dominante. Agora, uma terceira classe aparece em cena. Essa é a aparência externa que o fascismo gosta de dar a si mesmo. Mas, na realidade, é uma mobilização das classes médias, conduzida e sob a liderança das forças conservadoras da grande burguesia, com a cooperação e a ajuda do aparato estatal. Daí a dupla face do fascismo: em primeiro lugar, ele defende os interesses da grande burguesia, ou seja, os interesses da classe alta; em segundo lugar, ele mobiliza as classes médias, ou seja, as forças sociais importantes da pequena e média burguesia, em defesa desses interesses. Em meu primeiro relatório, fiz uma crítica à ideologia fascista. Eu perguntei: qual é a ideologia na qual esse movimento se baseia? Atualmente, tornou‑se comum afirmar que o fascismo não tem teoria, não fez nada para delinear uma nova teoria política. Esse movimento alega ter realizado uma revolução, ter dado uma nova face à luta social e política. Na verdade, do ponto de vista teórico, ele não criou absolutamente nada que pudesse servir como base construtiva para o programa de tal revolução; dessa autodenominada renovação da sociedade italiana da cabeça aos pés que, segundo Mussolini, pode amanhã ser estendida às sociedades de outros países.

É fato que, a princípio, o fascismo possui um programa que pega emprestado vários pontos dos programas da extrema esquerda. Mas esse programa serve exclusivamente às necessidades da mobilização a que nos referimos anteriormente. Ele é rapidamente esquecido e, na verdade, transformado em seu exato oposto, assim que o fascismo chega ao poder; e, a partir desse momento, este programa de renovação some.

Isso mostra que, no atual período de grave crise capitalista, o aparato estatal não é mais suficiente para defender a burguesia. Ele precisa ser apoiado por um partido bem‑organizado que seja capaz de operar em nível nacional e que lute para obter apoio das classes médias e, talvez, até mesmo para se aproximar de certos setores da classe trabalhadora. Durante essa crise, a burguesia só pode enfrentar a revolução iminente graças à mobilização das classes não‑burguesas. Que relações existem entre o fascismo e o proletariado? O fascismo é, por sua natureza, um movimento antissocialista e, portanto, antiproletário. Desde sua origem, o fascismo tem se apresentado como o destruidor até mesmo das menores conquistas da classe trabalhadora. No entanto, é incorreto identificar o fascismo com a reação tradicional da extrema direita: com seus estados de sítio, seu terror, suas leis de emergência e sua proibição das organizações revolucionárias. O fascismo vai mais longe. É um movimento mais moderno. E, sendo mais sofisticado, ele também se esforça para ganhar influência entre as massas proletárias e, para isso, aceita sem hesitação os princípios da organização sindical. Ele tenta criar organizações econômicas de trabalhadores.

É evidente que esses sindicatos não se comparam aos sindicatos livres. No entanto, em minha opinião, devemos estabelecer que a própria existência de sindicatos fascistas representa um argumento muito significativo contra o sindicalismo revolucionário, que vê a organização econômica como a arma decisiva da luta de classes. Os fatos mostram que essa arma também pode ser explorada para fins contrarrevolucionários.

É claro que o movimento sindical fascista deve ser diferenciado do movimento sindical verdadeiro por uma característica muito marcante, ou seja, ele recruta entre as fileiras de todas as classes e não apenas entre a classe trabalhadora, porque na verdade é uma forma de organização baseada nos setores de produção. A intenção é criar organizações paralelas de trabalhadores e empresários com base na colaboração de classe.

Assim, chegamos a um ponto em que o fascismo e a democracia se cruzam. Em suma, o fascismo está fazendo o velho jogo dos partidos burgueses de esquerda e da social-democracia, ou seja, conclamando o proletariado a declarar uma trégua civil. Para atingir esse objetivo, ele tenta formar sindicatos de trabalhadores industriais e agrícolas, que são então manobrados para uma colaboração de fato com as organizações dos patrões. A única intenção dessa ação, é claro, é aniquilar as organizações revolucionárias e permitir que as massas proletárias sejam totalmente exploradas pelos capitalistas. E, no entanto, os estratos superiores das classes proprietárias não retratam o fascismo como um método brutal de oprimir os trabalhadores; pelo contrário, ele é apresentado como uma forma de organizar todas as forças produtivas do país, com o reconhecimento dessa exigência assumindo a forma da colaboração de todos os grupos econômicos em prol do “interesse nacional”.

Obviamente, o que está por trás de tudo isso é a exploração da ideologia nacionalista e patriótica. Isso não é algo novo. Durante a guerra, a fórmula da submissão de todos os interesses particulares ao interesse geral de todo o país já havia sido amplamente utilizada no interesse nacional. O fascismo está, portanto, voltando a um antigo programa de política burguesa. Entretanto, esse programa aparece em uma forma que, de certa forma, ecoa o programa da social-democracia, mas, por outro lado, realmente contém algo novo, ou seja, uma poderosa organização política e militar a serviço das forças conservadoras.

A conclusão a que cheguei no relatório que apresentei ao 4º Congresso foi que o programa fascista se baseia, na verdade, em uma fundamental contradição histórica e social. O fascismo gostaria de harmonizar e silenciar todos os conflitos econômicos e sociais da sociedade. Mas essa é apenas a aparência externa. Na realidade, ele se esforça para alcançar a unidade dentro da burguesia, uma coalizão entre as camadas superiores das classes proprietárias, na qual os contrastes individuais entre os interesses dos diferentes grupos da burguesia e das diferentes empresas capitalistas são suavizados.

No terreno econômico, o fascismo está totalmente preso à rotina do velho liberalismo burguês: rejeita qualquer intervenção do Estado na economia; prega a liberdade ilimitada de ação para as empresas; e defende a livre interação das forças que se originam do capitalismo. No entanto, isso faz com que ele se envolva em uma contradição insolúvel: é extremamente difícil colocar em prática uma política unitária da classe burguesa enquanto houver total liberdade entre as organizações econômicas para se desenvolverem da maneira que desejarem e enquanto os grupos individuais de capitalistas tiverem total liberdade para competir entre si. A conclusão que tiramos disso é que o fascismo está destinado a fracassar devido à anarquia econômica do capitalismo, apesar de ter as rédeas do governo firmemente em suas mãos, apesar de comandar a poderosa arma do aparato estatal e apesar do fato de ter uma organização que se estende por toda a península e que mobiliza as classes médias e, até certo ponto, também o proletariado, no interesse da burguesia unida. O poderoso aparato fascista pode dar a impressão de que o poder fascista durará, mas em suas próprias raízes esse poder sofre de uma contradição fundamental, porque o fascismo não demonstrou possuir nenhuma nova maneira de superar a crise capitalista.

Hoje, assim como antes, acreditamos que a crise capitalista não será superada por meios “heroicos”. Repeti aqui os conceitos fundamentais para a análise do fascismo que expus em meu primeiro relatório. As conclusões a que chegamos são as mesmas de antes e estão totalmente confirmadas por quase dois anos de ditadura fascista.

* * *

Voltemos à fase histórica em que nos encontrávamos na época do 4º Congresso, quando os fascistas tomaram o poder: a conclusão da ofensiva geral contra as forças revolucionárias e contra os antigos detentores do poder na Itália, a Marcha sobre Roma. Naquele relatório, eu ainda não havia abordado a questão controversa que surgiu em nossas fileiras durante o 4º Congresso, embora o camarada Zinoviev a tenha mencionado em seu discurso. O que aconteceu durante nossa ausência da Itália? Um golpe ou uma comédia? Abordarei brevemente essa questão, embora, em minha opinião, houvesse três opções: golpe, comédia ou revolução?

Vamos nos lembrar dos traços característicos da tomada do poder pelo fascismo. Não houve luta armada. Houve apenas uma mobilização do fascismo que ameaçava uma conquista revolucionária do poder e uma espécie de mobilização defensiva do Estado, que em um determinado momento chegou a declarar estado de emergência. Mas o Estado não apresentou nenhuma resistência real. Não houve guerra civil. Em vez de lutar, chegou‑se a um acordo e, em um determinado momento, a luta foi, por assim dizer, suspensa, adiada. Isso não aconteceu porque o rei, no momento certo, se recusou a assinar o decreto da lei marcial, mas porque o acordo já havia sido preparado há muito tempo. O governo fascista, portanto, estabeleceu‑se da maneira normal: após a renúncia do governo de Facta, o rei convocou Mussolini para formar um novo gabinete. O líder dessa autodenominada revolução chegou a Roma vindo de Milão em um vagão-dormitório e, em todas as paradas do caminho, foi aplaudido por representantes oficiais do Estado.

O motivo pelo qual não se pode falar em revolução não é apenas porque o poder foi tomado sem um ataque insurrecional, mas por todas as outras razões que mencionamos anteriormente ao considerar o significado histórico do fascismo. Do ponto de vista social, o fascismo não representa uma grande mudança; não representa a negação histórica dos antigos métodos burgueses de governo, mas apenas a continuação completamente lógica e dialética do estágio anterior do chamado governo burguês democrático e liberal.

Nós nos opomos resolutamente à afirmação, repetida inúmeras vezes pelos fascistas, de que sua tomada de poder pode ser equiparada à revolução. Em seus discursos, Mussolini diz: “Fizemos uma revolução”. Mas quando retrucamos: “não houve revolução, não houve luta, não houve terror revolucionário, porque nunca houve uma ’tomada de poder’ total e nem uma aniquilação real do inimigo”, Mussolini responde com um argumento que, do ponto de vista histórico, é bastante risível: “Ainda temos tempo para isso”, diz ele, “completaremos nossa revolução no devido tempo”. Mas uma revolução não pode ser “congelada”; nem mesmo o mais ousado e poderoso dos líderes tem esse tipo de poder. Esses argumentos não são suficientes para refutar a crítica que aponta que a revolução nunca ocorreu. Não se pode dizer: “é verdade, esses eventos ainda não aconteceram, mas isso pode ser remediado quando quisermos”. É claro que sempre é possível que ocorram novas batalhas. Mas a Marcha sobre Roma certamente não foi uma batalha, não foi uma revolução. Também se diz que “houve, no entanto, um tipo incomum de mudança de poder governamental, um golpe”, mas não vou me alongar nesse ponto porque, no final das contas, isso se resume a um jogo de palavras.

Além disso, quando usamos o termo “golpe de Estado”, entendemos que ele não significa apenas uma mudança de pessoal do governo, uma mera mudança na equipe geral do partido no poder, mas sim uma ação que elimina, de forma violenta, a orientação estrutural de todos os governos que haviam governado até aquele momento. O fascismo não fez isso. O fascismo fala muito sobre como é contra o parlamentarismo e sobre como é antidemocrático e antiparlamentarista. Mas, em sua totalidade, seu programa social é o mesmo programa de mentiras democráticas, apenas uma arma ideológica para a conservação do domínio burguês. Mesmo antes de o fascismo tomar o poder, ele rapidamente se tornou “parlamentarista”; de fato, governou por um ano e meio sem dispersar a antiga câmara baixa, que era composta por uma maioria de não fascistas e até mesmo de antifascistas.

Mostrando a flexibilidade tão característica dos políticos burgueses, essa casa se apressou em se colocar à disposição de Mussolini para legalizar sua posição e conceder‑lhe tantos votos de confiança quanto ele pedisse. Mesmo o primeiro gabinete de Mussolini – como ele frequentemente lembra em seus “discursos de esquerda” – não foi construído sobre bases puramente fascistas. Ele incluía representantes dos mais significativos partidos burgueses remanescentes, desde o partido de Giolitti e os Popolari até a esquerda democrática. Era, portanto, um governo de coalizão. Eis então o que o suposto golpe gerou! Um partido com apenas 35 deputados na Câmara do parlamento nacional assumiu o poder e ocupou a esmagadora maioria dos cargos ministeriais e vice‑ministeriais.

Há outro evento histórico importante ocorrido na Itália que não tem nada a ver com a Marcha sobre Roma e que também precisa ser destacado. Refiro‑me à ocupação da Itália como um todo pelos fascistas; uma ocupação iniciada por eventos anteriores e cuja expansão geográfica pode ser claramente traçada. A tomada do poder por Mussolini foi apenas o reconhecimento de uma relação de forças previamente existente. Todos os governos que chegaram ao poder – sobretudo o da Facta – haviam dado passe livre ao fascismo. Foi este último que realmente governou o país; recebeu um controle totalmente livre e teve o aparato estatal à sua disposição. O gabinete de Facta ficou no poder por apenas dois meses, aguardando o momento em que o fascismo consideraria adequado assumir o poder.

Esses são os motivos pelos quais usamos o termo “Comédia”. De qualquer forma, mantemos totalmente nossa afirmação de que não se trata de uma revolução. O que aconteceu foi uma mudança na liderança burguesa; uma mudança, além disso, que foi preparada com antecedência e realizada gradualmente. No campo econômico e social, isso não representa, nem mesmo no âmbito da política interna, qualquer tipo de transformação do programa da burguesia italiana. De fato, a grande onda de choque da chamada revolução fascista, tanto antes quanto depois da Marcha sobre Roma, não se baseia na utilização oficial do aparato estatal, mas sim na reação ilegal, acompanhada pelo apoio discreto da polícia, da administração local, da burocracia e do exército; apoio discreto – e precisamos ser enfáticos quanto a isso – que já existia, em abundância, mesmo antes de os fascistas tomarem o poder.

Nos primeiros discursos de Mussolini na Câmara, ele disse: “Eu poderia expulsá‑los desta sala com o apoio de minhas tropas. Eu poderia fazer isso, mas não vou fazer. A Câmara pode continuar a desempenhar suas funções, desde que esteja pronta para colaborar comigo”. A maioria esmagadora da antiga Câmara estava disposta a se curvar às ordens do novo chefe.

De fato, nenhuma nova legislação foi introduzida depois que os fascistas assumiram o poder. No âmbito da política interna, nenhuma lei de emergência foi promulgada. Certamente houve perseguições políticas (que discutiremos mais adiante), mas oficialmente as leis não foram modificadas. Não houve decretos excepcionais como os aprovados pelos governos burgueses durante as fases revolucionárias, como, por exemplo, os decretados por Crispi e Pelloux, que periodicamente buscavam proteção contra os partidos revolucionários e seus líderes adotando uma política que consistia em estados de emergência, jurisdição militar e medidas repressivas.

O fascismo, por outro lado, continua a usar a mesma técnica original e moderna contra as forças proletárias que usava antes de tomar o poder. Eles até declararam que dissolverão suas tropas de assalto ilegais assim que os outros partidos fizerem o mesmo. Na realidade, os corpos de combate fascistas desapareceram como organizações externas ao Estado, para depois serem inseridos no aparato estatal por meio da formação da “Milícia Nacional”. E agora, como antes, essa força armada permanece à disposição do partido fascista e de Mussolini em pessoa. Ela representa uma nova organização, oficialmente absorvida pelo aparato estatal. É o pilar sobre o qual o fascismo se apoia.

Na agenda, permanece a pergunta: devemos permitir que essa organização desapareça ou não? Pode‑se exigir que o fascismo se baseie em meios constitucionais na política interna, em vez de recorrer a esses novos órgãos? É claro que o fascismo até agora não reconheceu as antigas normas do direito constitucional e, no momento, a Milícia é o inimigo mais cruel de todos aqueles que desejam derrubar o governo fascista.

Legalmente falando, não há leis de emergência em nosso país. Quando, em fevereiro de 1923, milhares de comunistas italianos foram presos, esperávamos que o fascismo iniciasse uma campanha legal contra nós, tomasse medidas drásticas e obtivesse as sentenças mais severas. Mas a situação se desenvolveu de maneira muito favorável e fomos julgados de acordo com as antigas leis democráticas. O código penal italiano, obra de um representante da extrema esquerda burguesa, o ministro Zanardelli, é extremamente liberal e deixa muito espaço para interpretação. Com relação aos crimes relacionados à política e às crenças, ele é particularmente brando e flexível. Portanto, foi fácil para nós assumir a seguinte posição: “ É perfeitamente compreensível que o fascismo se livre de seus inimigos e tome medidas ditatoriais contra nós. É perfeitamente correto nos julgar e nos considerar culpados porque somos comunistas e porque queremos derrubar o governo existente por meios revolucionários. Entretanto, do ponto de vista legal, o que fazemos não é proibido. Outras coisas certamente são proibidas, mas vocês não têm absolutamente nenhuma evidência da suposta conspiração, da associação criminosa na qual a acusação se baseia”. Não apenas mantivemos essa linha, mas graças a ela fomos absolvidos pelos tribunais, porque era absolutamente impossível nos condenar com base nas leis existentes.

Portanto, pudemos ver que o aparato judiciário e policial, do ponto de vista do fascismo, não estava à altura da tarefa. O fascismo havia se apoderado do aparato estatal, mas não conseguiu transformá‑lo para atender a seus propósitos. Não sabia como se livrar dos líderes comunistas por meio de decisões judiciais. Tinha seus quadros, suas próprias organizações terroristas, mas dentro do sistema judiciário não considerava necessário empregar novas armas. Para mim, essa é mais uma demonstração da total inaptidão das garantias liberais burguesas e da justiça liberal na luta contra a liberdade de movimento do proletariado. É verdade que, nessas circunstâncias, nossa defesa também teve que adotar meios legais, mas se o inimigo possui uma organização ilegal, por meio da qual ele pode resolver a questão de uma maneira bem diferente, essas garantias democráticas perdem qualquer significado.

O fascismo se apega à velha política de mentiras democráticas de esquerda, de igualdade perante a lei para todos, e assim por diante. Isso não o impede de continuar a perseguir seriamente o proletariado. Gostaria apenas de dizer, com relação aos julgamentos puramente políticos pelos quais os líderes do proletariado revolucionário supostamente deveriam ser esmagados, que a nova situação criada pelo fascismo não mudou em nada o sistema clássico dos governos democrático-burgueses. Uma revolução, por outro lado, é sempre caracterizada pela transformação das leis políticas.

Agora tratarei brevemente dos eventos que ocorreram depois que o fascismo assumiu o poder.

Antes de mais nada, algumas palavras sobre a situação econômica da Itália. Os fascistas estão sempre nos dizendo que a crise econômica de 1920 e 1921 foi seguida, depois que eles assumiram o poder, por um período de crescimento econômico. Eles afirmam que, nos últimos dois anos, a situação se estabilizou, o equilíbrio econômico retornou, a ordem foi restabelecida e toda a situação passou por uma melhora significativa. Essas são supostamente as vantagens do fascismo para todas as classes sociais, a bênção pela qual o povo italiano está em dívida com o fascismo. Essa posição oficial é apoiada por uma mobilização em escala total de toda a imprensa e pelo emprego de todos os meios que um partido firmemente entrincheirado no poder tem à sua disposição. Mas isso é apenas uma mentira oficial. A atual situação econômica da Itália é ruim. A taxa de câmbio da lira despencou para o nível mais baixo desde o fim da guerra: ela vale apenas 4,3 centavos de dólar, ou seja, as flutuações na taxa de câmbio fizeram com que ela caísse para o valor mais baixo já registrado. O fascismo não foi capaz de melhorar a situação. É verdade que, de acordo com Mussolini, sem ele a taxa de câmbio da lira teria caído ainda mais, mas esse argumento não pode ser levado a sério.

O índice da situação econômica certamente mostra um declínio generalizado. Com relação aos números do desemprego, eles eram muito altos em 1920 e, principalmente, em 1921, e é verdade que agora estão mais baixos, mas os dados dos últimos meses mostram que o desemprego está aumentando novamente e que a crise industrial não foi superada definitivamente. No mundo dos negócios, a situação é extremamente tensa; o comércio está enfrentando grandes dificuldades. Isso é comprovado pelas estatísticas sobre falências, que mostram um enorme aumento em comparação com os últimos anos. Além disso, o índice de custo de vida nas grandes cidades está aumentando. Está bem claro que toda a situação econômica da Itália está piorando; não se estabilizou de forma alguma.

E o que o fascismo produziu, por meio da enorme pressão exercida pela burguesia, foi apenas uma estabilidade externa. Os índices oficiais mostram que tudo o que foi obtido é apenas a expressão dessa terrível pressão exercida sobre o proletariado; que tudo o que foi realizado foi às custas da classe proletária e apenas no interesse da classe dominante. Também não devemos esquecer que a própria existência dessa pressão impiedosa torna muito provável que haja uma erupção das mesmas classes que foram sacrificadas na tentativa fascista de estabilizar a situação econômica no interesse exclusivo da grande burguesia.

Passarei agora à atitude do governo fascista em relação aos trabalhadores. Ressaltei anteriormente que os grandes julgamentos políticos realizados contra nós forneceram provas da inadequação do aparato legal do Estado fascista. No entanto, sempre que puderam acusar os companheiros de cometerem infrações de direito comum, em vez daquelas que a lei considera “políticas”, eles foram muito duros. Inúmeros confrontos ocorreram, e ainda estão ocorrendo, entre fascistas e proletários (principalmente comunistas); e em tais confrontos geralmente há vítimas de ambos os lados. É um fato notório que, muito tempo depois de os fascistas terem tomado o poder, os fascistas que mataram trabalhadores ainda recebiam imunidade total, mesmo quando as provas contra eles eram conclusivas. Os trabalhadores, por outro lado, que feriram ou mataram fascistas em legítima defesa receberam sentenças extremamente severas. A anistia que foi decretada é vantajosa apenas para aqueles que cometeram crimes de direito comum para fins nacionais: em outras palavras, é uma anistia para assassinos fascistas, enquanto os criminosos comuns que buscam fins antinacionais, ou seja, que lutam contra o fascismo, estão sujeitos às mais severas punições. É uma anistia de classe social.

Uma anistia posterior reduziria as sentenças para 2 a 3 anos, mas é importante saber que nossos companheiros são geralmente condenados a 10, 15 ou até 20 anos de prisão. Centenas e centenas de trabalhadores, camaradas italianos, estão hoje na prisão porque não conseguiram atravessar a fronteira com rapidez suficiente após confrontos armados com os fascistas; confrontos dos quais participaram, mas que foram quase inevitavelmente provocados pelos fascistas. Assim, o atual governo italiano está realizando a mais feroz repressão contra a classe trabalhadora. Sempre que a classe trabalhadora tenta se defender contra o terror fascista, segue‑se imediatamente uma ação legal, de uma forma que não difere muito dos antigos julgamentos políticos por “traição”. Em termos estritamente legais, o direito do partido comunista, do movimento anarquista etc., de existir continua sendo garantido pela lei como antes. O que não é possível... em teoria?

E a situação é praticamente a mesma no que diz respeito à imprensa. Oficialmente, ainda há liberdade de imprensa. Todos os partidos têm permissão para publicar seus órgãos, mas, embora não haja pretexto legal para isso, as autoridades policiais podem proibir a distribuição de um jornal. Até o momento, somente os comunistas foram alvo dessa proibição. Nosso jornal diário, Il Lavoratore, de Trieste, foi proibido de acordo com uma lei austríaca ainda em vigor naquela cidade. Assim, as antigas leis austríacas são usadas contra os revolucionários, ou seja, contra aqueles que durante a guerra, devido ao seu derrotismo, foram chamados de cúmplices da Áustria!

A isso podemos acrescentar a supressão de jornais por bandos armados, os ataques a escritórios editoriais que impossibilitam a publicação da imprensa proletária, a sabotagem de associações de jornalistas, e assim por diante. Mesmo agora, nossos jornais, assim como os da oposição, ainda são frequentemente destruídos ou queimados quando chegam ao seu destino.

O governo fascista exerce uma pressão terrível sobre os sindicatos. Os trabalhadores são forçados a se filiar aos sindicatos fascistas. Os escritórios dos sindicatos vermelhos foram destruídos. Mas, apesar disso, eles não conseguiram reunir as massas nas organizações econômicas fascistas. Os números publicados pelos fascistas são um blefe. De fato, o proletariado está hoje desorganizado do ponto de vista sindical. Às vezes, as massas acompanham os movimentos liderados pelos sindicatos fascistas, mas somente porque isso lhes oferece a única oportunidade de fazer greve. Muitos trabalhadores, muitas categorias, que em sua esmagadora maioria não são a favor dos sindicatos fascistas e que, nas eleições para as comissões internas, votam em sua esmagadora maioria contra os fascistas e a favor dos candidatos revolucionários, têm de se filiar ao sindicato fascista apenas para que possam ao menos tentar lutar contra a burguesia.

Assim, surge um grave conflito dentro do movimento sindical fascista. Ele não consegue evitar as greves e é arrastado para a luta contra as organizações fascistas de patrões. Esse conflito entre os órgãos fascistas e governamentais é sempre resolvido em desfavor aos trabalhadores. Daí o descontentamento, a grave crise que os líderes do movimento sindical fascista não conseguiram esconder em suas reuniões recentes. Suas tentativas de organizar o proletariado industrial fracassaram completamente. Sua ação visa criar um pretexto – um pretexto supérfluo – para interromper a atividade dos sindicatos livres e manter o proletariado em um estado de desorganização.

Recentemente, o governo também tomou medidas contra os sindicatos livres: foi introduzido o controle oficial do Estado sobre a organização interna e o trabalho administrativo dos sindicatos. Essa é uma medida muito séria, mas não muda a essência da situação, pois o trabalho dos sindicatos livres já havia sido quase completamente paralisado por medidas anteriores.

Os sindicatos livres continuam a existir, assim como as Câmaras do Trabalho (Camere del Lavoro), as corporações de ofício etc., mas é absolutamente impossível fornecer números precisos sobre seus membros, mesmo que tenham conseguido permanecer em contato com as massas. Isso ocorre porque a coleta ordenada e contínua de contribuições e as campanhas de recrutamento são quase totalmente proibidas. Até o momento, não foi possível na Itália reconstruir os quadros das organizações sindicais. Mas a grande vantagem do fascismo é que, supostamente, não haverá mais greves. Isso, para a burguesia e os canalhas da pequena burguesia, é o verdadeiro argumento decisivo.

Em 1920, quando não havia fascismo, dizem eles, massas de trabalhadores podiam ser vistas nas ruas todos os dias. Aqui, uma greve, ali, uma procissão, confrontos abertos eclodindo. Hoje em dia não há mais greves, não há mais agitação. Nas fábricas, o trabalho não é mais interrompido, e a paz e a ordem reinam. Esse é o ponto de vista dos patrões.

No entanto, as greves ainda são convocadas e, durante essas greves, ocorreram incidentes dignos de menção, decorrentes das relações existentes entre sindicatos fascistas, trabalhadores revolucionários, governo e empregadores. A situação é definitivamente instável. A presença contínua da luta de classes é demonstrada por uma série de eventos significativos. De fato, não há dúvida, apesar dos obstáculos, de que ela está aumentando. A ação do governo fascista também é dirigida contra os trabalhadores das empresas estatais. Por exemplo, o terror total está sendo usado contra os trabalhadores ferroviários. Um grande número deles foi demitido. É claro que os primeiros a serem demitidos foram os membros ativos das organizações revolucionárias (a organização dos trabalhadores ferroviários costumava ser um dos sindicatos cuja liderança estava muito mais à esquerda). O governo agiu da mesma forma em relação a várias outras empresas ligadas ao Estado.

A objeção fascista: mas nós demos aos proletários a jornada de 8 horas! A jornada de 8 horas agora está estabelecida por lei! Essas são grandes conquistas! Diga o nome de outro governo burguês de um país importante que tenha promulgado uma lei como essa!

Mas essa lei contém cláusulas que anulam totalmente o princípio da jornada de trabalho de 8 horas. De fato, mesmo que a lei fosse rigorosamente aplicada, seria possível introduzir uma jornada de trabalho média muito maior do que 8 horas. De qualquer forma, a lei não é aplicada. Com a aprovação dos sindicatos fascistas, os empregadores fazem qualquer coisa que queiram no local de trabalho. E, por fim, o proletariado na Itália já havia conquistado a jornada de 8 horas com suas próprias organizações; na verdade, várias federações obtiveram uma jornada de trabalho ainda mais curta. Não estamos, portanto, falando de um “presente” concedido pelo fascismo ao proletariado italiano. Na verdade, poderíamos dizer que o desemprego está aumentando porque os patrões estão forçando os trabalhadores das fábricas a trabalhar muito mais do que 8 horas por dia.

As outras “conquistas” nem sequer merecem ser mencionadas. Os trabalhadores que antes tinham garantido certos direitos, uma certa liberdade de movimento e ação nas fábricas, agora estão sujeitos a uma disciplina de ferro. O trabalhador italiano trabalha hoje sob o chicote.

No que diz respeito à situação econômica, todos os números disponíveis mostram que os salários caíram drasticamente depois de terem atingido temporariamente um nível correspondente ao aumento dos preços de bens indispensáveis, cujos preços hoje são de 4 a 5 vezes mais altos do que antes da guerra. O padrão de vida dos trabalhadores piorou. Certamente, a “ordem” foi restabelecida no local de trabalho, mas é uma ordem reacionária, uma ordem no interesse geral da exploração pelos patrões. Há muitas provas tangíveis de que toda ação fascista, inclusive a de seus sindicatos, está a serviço dos empregadores e da União dos Industrialistas.

Com relação à organização dos estivadores, apesar de ser liderada por oportunistas notórios como Giulietti (ou talvez exatamente por causa disso), ela conseguiu, até certo ponto, resistir ao poder fascista e sobreviver à Marcha sobre Roma. Paralelamente a essa organização, havia uma cooperativa de estivadores, chamada “Garibaldi”. No momento em que o novo contrato estava prestes a ser assinado entre o governo e os donos de navios, a Garibaldi pensou em fazer uma oferta mais competitiva. Isso significaria uma concorrência perigosa para os armadores. Isso os teria forçado a fazer uma oferta mais atraente, porém menos lucrativa. Então, o que eles fizeram? O grupo que representava os magnatas da navegação, os reis marítimos, emitiu uma ordem ao governo fascista, e o governo fascista se apressou em cumpri‑la. Usando o pretexto de um conflito provocado pelas autoridades locais, policiais foram enviados para ocupar os escritórios da cooperativa e a obrigaram a suspender suas atividades.

A situação é muito complicada, mas podemos resumi‑la da seguinte forma: está claro que o aparato estatal fascista está a serviço dos grupos capitalistas que lutam contra a classe trabalhadora. Hoje, toda a vida do proletariado, toda a vida industrial da Itália, fornece a prova mais contundente e a demonstração mais clara de que o desenvolvimento do governo no sentido de um órgão de direção e comitê de negócios dos capitalistas foi realizado em sua forma mais extrema em nosso país. Também devemos estar cientes de que fenômenos semelhantes estão afetando os trabalhadores rurais. Cito como exemplo a greve liderada pelo sindicato fascista que foi travada pelos chamados “lavradores de arroz” nos campos de Lomellina. Lançada com a aprovação do sindicato fascista, foi uma greve que acabaria por ver todo o poder do terror reacionário lançado contra ela; todos os grevistas, mulheres, foram atacados pela polícia e pela milícia, ou seja, pelos órgãos do governo fascista, e a greve foi sufocada com sangue.

Há centenas de exemplos semelhantes que dão uma ideia da situação em que o proletariado italiano se encontra hoje. A política sindical fascista permite que os trabalhadores tentem conduzir as lutas, mas assim que há um conflito real entre trabalhadores e patrões, o governo intervém com violência brutal no interesse da exploração capitalista.

Qual é a relação entre o fascismo e as classes médias? Toda uma série de eventos dá provas contundentes da decepção das classes médias. No início, elas viam o fascismo como seu movimento, como o início de um novo período histórico. Acreditavam que o domínio da grande burguesia e de seus líderes políticos havia terminado, e sem a necessidade de qualquer ditadura proletária; sem a revolução bolchevique que os fez tremer em 1919 e 1920. Eles acreditavam que o domínio das classes médias, dos ex‑militares, daqueles que haviam lutado em uma guerra vitoriosa, estava prestes a se concretizar; eles achavam que poderiam criar uma organização poderosa que lhes permitiria assumir as rédeas do Estado. Para defender seus próprios interesses, eles queriam desenvolver uma política autônoma que lutasse contra as ditaduras capitalistas e proletárias.

A comprovação da falência desse programa é demonstrada pelas medidas adotadas pelo governo fascista; medidas que não atingiram apenas o proletariado de forma extremamente dura, mas também as classes médias que estavam delirando sobre ter criado seu próprio poder, sua própria ditadura, e que até mesmo foram atraídas para manifestações contra o antigo aparato do governo burguês, que eles pensavam ter derrubado com a revolução fascista. Todas as medidas governamentais do fascismo mostram que ele está a serviço da grande burguesia, do capital industrial, financeiro e comercial, e que seu poder é dirigido contra os interesses de todas as outras classes; não apenas do proletariado, mas também das classes médias.

Por exemplo, as medidas introduzidas no campo da moradia atingiram todas as classes indiscriminadamente. Durante a guerra, foi introduzida uma moratória que impunha certas limitações aos aumentos de aluguel que os proprietários podiam impor. Os fascistas aboliram essas medidas, dando aos proprietários a opção de aumentar os aluguéis. É verdade que, depois de restabelecer a liberdade ilimitada nesse campo, eles tiveram que promulgar uma nova lei que limitava os direitos dos proprietários. Mas essa nova lei é de natureza puramente demagógica. Seu único objetivo é aplacar a raiva que a primeira lei despertou. No entanto, continua havendo uma enorme escassez de alojamentos.

O mesmo se aplica à reforma educacional. Ela foi definida por Mussolini como “a mais fascista de todas as reformas” e foi redigida pelo famoso filósofo Gentile. De um ponto de vista técnico, é uma reforma que deve ser levada a sério. Para resolver a questão de acordo com os novos critérios, foi feito um trabalho realmente notável. Mas toda a tendência da reforma é aristocrática: uma boa educação para os filhos dos trabalhadores, dos pobres e dos pequenos burgueses se torna impossível. Isso significa que apenas os abastados, ou seja, as famílias que podem pagar as mensalidades do ensino médio de seus filhos, terão o privilégio da cultura. E é por isso que essa reforma foi muito mal‑recebida pela classe média e pela pequena burguesia, e até mesmo pelos professores, cuja condição econômica se deteriorou ainda mais e que agora estão sujeitos a uma disciplina mais rígida.

Outro exemplo: para resolver o problema da reforma burocrática, o fascismo realizou uma revisão dos salários dos funcionários de colarinho branco do Estado de acordo com o princípio: diminuição dos salários mais baixos, aumento dos salários dos funcionários mais graduados. Essa reforma provocou um sentimento de descontentamento em relação ao governo fascista também entre os escalões mais baixos da burocracia estatal.

Há também a questão dos impostos, que não tratarei em profundidade aqui, mas que mostra claramente o caráter de classe do governo fascista. Basicamente, ele queria reequilibrar o orçamento. No entanto, não tomou nenhuma medida contra os capitalistas para atingir esse objetivo. Para aumentar a receita, ele simplesmente aumentou a carga que pesa sobre o proletariado, sobre os consumidores e sobre a média e a pequena burguesia.

Um dos principais motivos de descontentamento em relação ao fascismo reside em seu tratamento da população rural, dos pequenos proprietários etc.

O fascismo é o inimigo do proletariado industrial, mas causou uma piora não menos acentuada nas condições da classe camponesa. Os governos anteriores já haviam tomado medidas para regular a tributação da terra, mas elas nunca foram aplicadas. O ministro fascista De Stefani agora tentou aplicá‑las de forma tão draconiana que um fardo fiscal insuportável agora pesa sobre toda a pequena propriedade de terra, afetando até mesmo a renda dos pequenos agricultores, arrendatários e trabalhadores rurais. Isso é agravado pelos impostos municipais e provinciais que, no passado, as administrações socialistas locais conseguiram manobrar em uma direção anticapitalista favorável aos trabalhadores. Atualmente, os impostos sobre o gado e outros impostos estão causando um grave declínio nas condições dos pequenos agricultores. Recentemente, o imposto sobre o vinho foi ligeiramente reduzido, uma redução que visava atenuar a intensidade do descontentamento no campo. Mas todos esses impostos representam, agora como antes, um fardo terrível para a população rural.

Darei apenas o exemplo de um camarada da delegação italiana que é um pequeno agricultor. Por seu terreno de 12 hectares, que ele possui em parte e aluga em parte, ele deve pagar £1.500, ou seja, 12,5% de uma produção de £12.000. Imagine a intensidade com que ele precisa cultivar esse terreno para garantir a existência de sua família e de seus funcionários!

Um fenômeno notável ocorreu no sul da Itália. No ano passado, a safra de uvas foi excelente. Os preços caíram drasticamente e, neste ano, o vinho só está sendo vendido a preços muito baixos. No sul, há muitos agricultores arrendatários que dizem que não estão ganhando dinheiro. Mas eles cultivam outras culturas além da uva e, em geral, usam a outra cultura para cobrir os custos de produção, enquanto o cultivo da uva proporciona a renda com a qual vivem. Mas, considerando os preços atuais do vinho, os impostos e os custos de produção do vinho etc., não sobra nada para eles. Os custos de produção e os preços de venda no varejo são os mesmos; o camponês não tem o suficiente para sustentar sua família. Ele é então forçado a se endividar, a pedir adiantamentos aos pequenos burgueses dos centros rurais ou aos grandes proprietários e, no último caso, precisa hipotecar suas terras. No período imediatamente posterior à guerra, o aumento dos aluguéis era proibido por lei. Essa lei foi abolida pelos fascistas. Os pequenos arrendatários agora têm de pagar um aluguel aos proprietários que aumentou de 100 a 400%.

Anteriormente, os socialistas conduziam uma agitação cujos métodos não podíamos apoiar totalmente: eles tentavam fazer com que o governo realizasse grandes obras de recuperação de terras para ocupar os trabalhadores rurais, combater o desemprego e, assim, melhorar a posição de negociação dos trabalhadores no campo. O governo fascista agora suspendeu essas obras para equilibrar o orçamento. Consequentemente, um grande número de trabalhadores rurais foi jogado no mercado de trabalho, a pobreza no campo aumentou e o padrão de vida do proletariado diminuiu ainda mais.

O descontentamento foi direcionado ao governo. Os fascistas falaram muito sobre o parasitismo das antigas cooperativas vermelhas, que, por meio de pressão parlamentar em favor de obras públicas, costumavam explorar sistematicamente o Estado, mas agora estão fazendo exatamente a mesma coisa. Eles estão tentando, com suas cooperativas fascistas (quase todo o aparato cooperativo dos socialistas foi transferido à força para elas), executar uma política semelhante no interesse da nova burocracia fascista.

As condições terríveis impostas ao campesinato pelo fascismo significam que essa classe agora vê o governo fascista como um poder hostil aos seus interesses e está gradualmente assumindo uma postura mais combativa. Já houve casos de revoltas camponesas armadas contra impostos e contra as administrações municipais fascistas, que resultaram em confrontos sangrentos. O fato de isso ter acontecido é extremamente importante e caracteriza muito bem a situação.

Depois de comentar sobre a política social do fascismo, passarei a considerar sua política em outros campos, começando pela religião. A posição que o fascismo assume em relação a essa questão é um exemplo de sua flexibilidade teórica. A princípio, para explorar certas atitudes tradicionalmente mantidas pelas classes médias e pelos intelectuais, o fascismo adotou um programa anticlerical; assim, lutou contra o Partido Popular católico para minar sua influência no campo. Em um segundo período, o fascismo começou a competir com os Popolari e se tornou o partido oficial da religião e do catolicismo. Tanto do ponto de vista histórico quanto teórico, esse fato é bastante notável.

O Vaticano está conduzindo uma política pró‑fascista. Ele ficou muito contente com as concessões que o governo fascista fez ao concordar em melhorar as condições do clero e restaurar o ensino da religião nas escolas. Mussolini, que quando estava na Suíça era o editor de uma coleção mesquinha de livros antirreligiosos (panfletos de um centavo em que a inexistência de Deus era demonstrada e em que se podia ler sobre os delitos papais, a história da mulher eleita para o trono papal e todas as outras bobagens que durante séculos obscureceram as mentes dos trabalhadores), esse mesmo Mussolini hoje em dia, sempre que julga ser útil, invoca “o Senhor” e proclama que está governando “em nome de Deus”.

O oportunismo político do Vaticano esconde um antagonismo fundamental que é evidenciado no confronto entre os fascistas e os popolari (esses últimos representam um tipo de democracia cristã). A ideia católica, como tal, se opõe ao fascismo, porque o fascismo representa uma exaltação da pátria, da nação e sua deificação. Do ponto de vista católico, isso é uma heresia. O fascismo gostaria de transformar o catolicismo em uma questão nacional italiana, mas a política da Igreja Católica é inerentemente internacional e universal, pois busca estender sua influência política e moral para além de todas as fronteiras. Esse conflito extremamente significativo foi resolvido, por enquanto, graças a um acordo.

Vamos agora dar uma breve olhada na política externa fascista. Os fascistas, no que diz respeito à política internacional, afirmam que a Itália se encontrava em uma situação extremamente terrível; o país era motivo de chacota, mas depois que o fascismo assumiu o poder e a Itália adquiriu um governo forte, começou a ser tratada de forma muito diferente, e sua posição no cenário internacional mudou muito.

No entanto, os acontecimentos mostraram que tudo o que a política externa fascista pode fazer é continuar a velha tradição da burguesia italiana. De fato, nada mudou, nada de novo aconteceu. Depois de jogar sua principal carta no famoso Incidente de Corfu, Mussolini renunciou imediatamente a golpes desse tipo, viu a razão e foi recebido nas fileiras da diplomacia ortodoxa, tomando muito cuidado para não repetir o erro anterior em outros lugares. Os grandes jornais franceses e ingleses escrevem que Mussolini é um político muito astuto e que, após a expedição à ilha grega de Corfu, que foi na verdade uma ação bastante infantil, ele se tornou muito sábio e prudente. De fato, a política internacional de Mussolini é a única opção que a Itália tem; uma política de segunda categoria, porque na luta entre as grandes potências mundiais a Itália desempenha um papel subordinado. Na questão das reparações de guerra e no conflito franco-alemão, Mussolini sempre assumiu uma posição intermediária, que não exerceu absolutamente nenhuma influência, de uma forma ou de outra, nas relações de poder existentes. Sua atitude errática foi recebida com satisfação, um minuto pela Alemanha, depois pela França e depois pela Grã‑Bretanha.

É verdade que o fascismo foi capaz de modificar, ou melhor, derrubar as relações de poder dentro da fronteira italiana. Mas não foi capaz de repetir a mesma façanha em escala internacional porque não tem absolutamente nenhuma influência nas relações entre Estados. Como não há os pressupostos históricos e sociais necessários para essa influência, não se pode falar seriamente de um imperialismo italiano.

Alguns fatos colocarão sob a luz correta a política externa extremamente modesta que Mussolini é obrigado a seguir. A questão de Fiume foi resolvida por meio de um acordo com a Iugoslávia. As ameaças de guerra contra a Iugoslávia deram lugar a uma política de compromisso e reconciliação com esse país. Também nesse caso, o nacionalismo imperialista teve que se curvar diante das realidades da política externa. O reconhecimento da Rússia Soviética também mostra que, embora seja perfeitamente possível conduzir uma política de extrema direita na Itália, o fato de os fascistas tomarem o poder não é suficiente para estender essa política para o nível internacional.

Que efeito o reconhecimento da Rússia Soviética teve sobre o proletariado italiano? O proletariado italiano teve uma educação revolucionária bastante boa e não mordeu a isca lançada pela imprensa fascista; uma imprensa que até o dia anterior havia registrado todas as calúnias antibolcheviques, todos os contos de fadas sobre a Rússia e, de repente, sob comando, começou a escrever exatamente o contrário: isto é, que a revolução comunista não existe mais, que o bolchevismo está liquidado e que a Rússia é um país burguês como qualquer outro; que a Itália e a Rússia compartilham interesses comuns, que a Rússia e a Itália podem colaborar etc. Um erro grosseiro também foi cometido quando disseram: estamos diante de duas revoluções, duas ditaduras, dois exemplos do mesmo método político de eliminação da democracia, que, por sua própria natureza, devem chegar a uma ação paralela, e assim por diante. Essa é uma explicação que só pode causar hilaridade. Na realidade, o que estamos falando aqui é de interesse capitalista puro. Como não conseguiram evitar o declínio industrial devido a uma balança comercial desfavorável, os capitalistas italianos se interessaram em estabelecer relações com a Rússia em busca de novos mercados para suas mercadorias.

O proletariado italiano julgou esse evento como prova da fraqueza do fascismo, não da Rússia Soviética. Devo, no entanto, observar que a interpretação política correta desse evento internacional de importância primordial para o proletariado italiano foi obscurecida por um incidente desagradável: alguns camaradas russos emitiram declarações que, ao explicar esse evento político, foram longe demais, contendo declarações de amizade para com a Itália que poderiam ser interpretadas como declarações de amizade para com a Itália oficial, com o Duce Mussolini. Isso certamente provocou um certo grau de desconforto entre um proletariado que está sendo perseguido e caçado pelos fascistas. Se esse passo em falso tivesse sido evitado, todo o resto teria sido plenamente compreendido pelo proletariado revolucionário italiano.

Chegamos agora às relações que existem entre o aparato do partido fascista e o aparato do Estado sob o novo governo. Essas relações levantaram problemas bastante espinhosos, cujo efeito foram crises graves e conflitos contínuos dentro das fileiras do fascismo. Desde o início, a vida interna das organizações fascistas tem sido extremamente turbulenta, mas, com 700.000 membros, é uma organização muito grande e os conflitos são inevitáveis em uma organização desse tamanho. No entanto, a severidade e a violência dos conflitos internos do movimento fascista na Itália são excepcionais. No início, o problema das relações entre o partido e o Estado foi resolvido de maneira muito imperfeita, através da colocação de comissários políticos oriundos das fileiras do partido ao lado das autoridades do Estado. Eles exerciam certa influência sobre os funcionários do Estado e, portanto, tinham o poder de fato em suas mãos.

O resultado inevitável, é claro, foi o atrito. Esse método de organização foi então revisado e os antigos direitos do aparato estatal tiveram que ser restaurados, eliminando os comissários fascistas. Mas a crise, que foi superada apenas com a maior dificuldade, não foi resolvida de forma definitiva porque, dentro do movimento fascista, duas correntes se formaram. A primeira delas, que visa a uma revisão do fascismo extremista, quer voltar à legalidade e declara: o poder está em nossas mãos, temos nosso grande líder Mussolini, podemos nos limitar a governar por meio do exercício normal e legal do poder; todo o aparato estatal está à nossa disposição, nós formamos o governo, nosso Duce tem a confiança de todos os partidos, portanto, o partido não precisa mais se envolver em questões administrativas. Essa corrente gostaria de renunciar à luta violenta e ao uso de meios ilegais e voltar às relações normais. Ela tenta influenciar Mussolini, isolando‑o dos elementos fascistas mais extremistas.

Esses elementos extremistas são recrutados entre os hierarcas locais e são designados pelo termo abissínio “Ras” (a palavra ras vem da língua amárica, e significa “cabeça”, usado para se referir a aristocratas locais do velho reino da Etiópia, território que era cobiçado pelo imperialismo italiano – ndt.). O “rassismo” é a favor das ditaduras locais das tropas de ocupação fascistas em toda a Itália e, de fato, defende uma “segunda onda” de terror contra seus oponentes. Farinacci, que recentemente propôs a pena de morte para os antifascistas, é um de seus representantes típicos.

Entre esses dois extremos, entre a tendência que defende uma ofensiva de “segunda onda” contra a oposição e que diz: se Mussolini diz que a revolução ainda não foi concluída, então devemos completá‑la; então devemos ordenar imediatamente (suas palavras) “cinco minutos de tiroteio para aniquilar todos os inimigos do fascismo, de uma vez por todas” – entre essa tendência e aquela que preferiria melhores relações entre o fascismo e certos elementos da oposição, e até mesmo com reformistas como os líderes da Confederazione Generale del Lavoro, Mussolini tem, até agora, mantido um certo equilíbrio fazendo concessões astutas, ora para um lado, ora para o outro. Ele restaurou os antigos direitos dos funcionários do aparato estatal, mas não tem intenção de renunciar ao apoio fundamental fornecido pelas organizações que operam independentemente do aparato estatal, pois são essas organizações que sustentam o poder fascista e permitem que ele se defenda contra os ataques revolucionários.

O fascismo não dissolveu o parlamento. O antigo parlamento, como já observei anteriormente, estava constantemente aprovando votos de confiança em Mussolini e concedendo‑lhe plenos poderes, o que lhe garantiu tudo o que ele pediu. No entanto, o fascismo queria modificar a lei eleitoral. Na Itália, o sistema em vigor era o de representação proporcional. O fascismo queria ter certeza de que manteria a maioria. Acredito que isso ainda teria sido possível usando o mecanismo do antigo sistema eleitoral. Mesmo sob a representação proporcional, com pesquisas, o fascismo teria obtido o que tem agora. Com base na nova lei eleitoral, a lista de partidos que conquistar a maioria dos votos e obtiver pelo menos 25% de todos os votos expressos tem direito a dois terços dos assentos no novo parlamento. Isso significa que um quarto dos votos totais é suficiente para ocupar dois terços das cadeiras, com a condição, é claro, de que outra lista partidária não obtenha 26% ou 27% de todos os votos, caso em que essa última lista receberia a maioria. Na lista nacional do partido majoritário, havia 375 nomes. Portanto, na verdade, esses deputados foram eleitos pelo próprio Mussolini, pois não havia dúvida de que essa lista obteria mais de 25% dos votos. Uma verdadeira batalha sobre quem seria nomeado estourou dentro do partido fascista. Cerca de 10 mil Ras fascistas tinham como objetivo estar entre os 375 eleitos. Nem mesmo foi possível reservar todos os cargos da lista para candidatos fascistas.

Nas eleições, foi empregada uma tática dupla. No Norte, onde a organização fascista é muito forte, não houve necessidade de concessões e foram apresentadas listas eleitorais compostas exclusivamente por fascistas. No sul, onde a organização fascista é muito mais fraca, eles tiveram que fazer concessões e os políticos do antigo regime receberam muitas vagas na lista nacional. Assim, alguns dos candidatos seriam novos homens das fileiras do partido fascista e outros seriam, por falta de uma palavra melhor, políticos “tradicionais”.

As eleições já ocorreram e não falaremos sobre elas em detalhes. Sabemos que o terror fascista ainda não atingiu o estágio em que é absolutamente impossível para a oposição exercer seu voto. O governo fascista manobrou com certa destreza. Ele sabia que, ao remover totalmente o voto da oposição, as eleições perderiam imediatamente todo o significado político. Portanto, o governo se limitou a influenciar o resultado. Mussolini agora podia dizer: “As eleições acabaram. A grande maioria votou em nós; esse consenso da grande maioria do povo italiano legitima nosso poder. Não se pode mais falar do governo de uma minoria”.

Para avaliar a conduta e o resultado das eleições, é necessário fazer uma distinção clara entre o norte e o sul da Itália. No Norte, as organizações fascistas são muito poderosas, principalmente no campo, mas também nas cidades industriais. Assim, lá em cima, elas podem ficar de olho no eleitorado e verificar se os membros do partido votam como deveriam; em outras palavras, podem suprimir quase totalmente o voto secreto. Certamente os fascistas lutaram impiedosamente contra seus adversários, mas como estavam contando com sua própria força, tiveram de deixá‑los exercer seu direito de voto. Portanto, no Norte, o fascismo só obteve uma maioria muito pequena (ou seja, uma maioria no sentido verdadeiro de mais de 50%, em vez da maioria artificial de mais de 25% que eles introduziram). Em algumas cidades, como Milão, sabe‑se bem que a lista nacional fascista era minoria em comparação com as listas de oposição.

No sul, por outro lado, a lista de candidatos do fascismo obteve uma maioria esmagadora dos votos. O número total de votos emitidos na Itália como um todo foi de 7,3 milhões, e os fascistas obtiveram 4,7 milhões deles (3,65 milhões é a metade dos votos emitidos; os fascistas obtiveram mais de um milhão a mais do que isso). Esse é o detalhe mais estranho do caso.

No sul, com exceção de alguns distritos onde ocorreram conflitos agrários semelhantes aos do vale do rio Pó, nunca existiu um fascismo puro. O fascismo se estabeleceu ali da seguinte maneira. Depois que os fascistas tomaram o poder, os núcleos burgueses locais acharam bom aderir ao fascismo, em um sentido formal, para manter seu controle sobre a máquina administrativa local e poder continuar a explorá‑la. No Sul, um nível significativo de organização fascista não existe de fato e, no entanto, foi no Sul, empregando meios muito simples, que o fascismo obteve a maioria esmagadora mencionada acima. Aqui as eleições foram conduzidas à vontade; os representantes das listas rivais foram expulsos, os esquadrões fascistas foram organizados, receberam certificados eleitorais e foram colocados à disposição da administração local; cada membro desses esquadrões votou 30, 40 ou até 50 vezes. Diante dessa situação, Mussolini foi forçado a fazer a extraordinária admissão de que foi o sul da Itália que salvou o país; que as forças mais experientes na batalha contra a democracia revolucionária se encontravam no sul; que em 1919 e 1920 foi o sul que não se deixou desviar. Assim, sua interpretação política anterior da situação italiana – de que o norte era a parte mais progressista e civilizada do país – foi virada do avesso.

Em discursos recentes, é verdade, ele voltou à sua teoria anterior e parece ter desistido de tentar fazer com que seus pronunciamentos estejam de acordo com os resultados estatísticos oficiais das eleições. O fascismo é extremamente fraco no Sul. Em relação ao caso Matteotti, pode‑se dizer, de fato, que o Sul foi unânime em sua condenação ao governo. Esse fato importante mostra como são artificiais os meios pelos quais o fascismo se mantém no poder.

Uma rápida olhada, então, nos outros partidos que participaram das eleições. Em primeiro lugar, antes de passar para os pró‑fascistas, gostaria de lembrar o Partido Nacionalista, que agora está oficialmente totalmente integrado ao Partido Fascista. O partido nacionalista já existia há muito tempo, antes mesmo de se ouvir falar em fascismo. Ele exerceu uma grande influência no desenvolvimento do fascismo, e foi ele quem equipou o fascismo com seu fraco arsenal teórico. A ala direita dos Liberais, com Salandra à frente, também se fundiu completamente com o fascismo e seus membros eram candidatos na lista fascista. Para tentar pegar algumas das cadeiras reservadas à minoria, outras personalidades e grupos “liberais”, não incluídos nas listas fascistas, se apresentavam ao lado deles em listas paralelas que também eram puramente fascistas.

Juntamente com as listas oficiais e essas listas paralelas, havia listas liberais de candidatos que eram apoiadas extraoficialmente pelo governo. Havia também outras listas, não declaradamente antifascistas, como a de Giolitti, em relação às quais o governo manteve uma posição neutra, permitindo que elas ganhassem algumas cadeiras sem contestação.

Com relação à oposição, precisamos nos concentrar, em primeiro lugar, na derrota dos vários partidos parlamentares que compunham a “democracia”, partidos que já tiveram uma maioria tão poderosa. Bonomi (reformista social de extrema direita) não foi reeleito. Di Cesare e Amendola só conseguiram resgatar um pequeno grupo de apoiadores depois do amargo ataque do governo contra eles e, especificamente, contra o último.

O Partido Popular também sofreu uma séria derrota. Durante o antigo parlamento, ele chegou a participar do governo fascista. Sua atitude sempre foi ambígua. Foi somente durante a luta contra a nova lei eleitoral que o partido rompeu com Mussolini, que reagiu se livrando dos ministros dos Popolari. A crise resultante forçou o chefe do partido, Don Sturzo, a renunciar oficialmente (embora, na verdade, ele ainda continue a orientar a política do partido). Em decorrência disso, houve uma espécie de divisão. Um grupo de direita, os popolari nazionali, deixou o partido e apoiou a lista fascista. A maior parte do partido segue Don Sturzo como antes. A extrema esquerda, liderada por Migliori, também deixou o partido. A agitação que ele vem conduzindo no campo tem sido, às vezes, convergente com as ações das organizações revolucionárias. Dentro do partido, a influência dos grandes proprietários de terras ainda predomina na forma do centrismo mediador de Don Sturzo. O movimento popolari, sem dúvida, sofreu um duro golpe.

O Partido Camponês é outro pequeno partido digno de nota. Em alguns distritos, ele apresentou sua própria lista de candidatos para a eleição. É um partido composto por pequenos agricultores descontentes que não estão preparados para confiar a representação de seus interesses a nenhum dos partidos existentes e preferem formar seu próprio partido. Esse movimento pode muito bem ter um futuro. Ele poderia alcançar proeminência nacional. O pequeno partido republicano, que pode ser considerado um partido semiproletário, é bastante confuso em sua atitude, mas conduziu uma campanha muito vigorosa contra o governo fascista. Ganhou duas cadeiras parlamentares (na antiga Câmara tinha cinco, agora tem sete cadeiras).

Há também os três partidos que surgiram do antigo partido socialista: o Partido Socialista Unitário, o Partido Socialista Maximalista, e o Partido Comunista. Esses partidos eram famosos por terem 150 assentos entre eles quando unidos em um único partido. Atualmente, os Unitários (reformistas) têm 24 cadeiras, os Maximalistas, 22, e os Comunistas, 19. Os Comunistas apresentaram uma lista conjunta com a fração terceiro-internacionalista do partido Maximalista sob a bandeira da unidade proletária. Podemos dizer que o Partido Comunista foi o único dos partidos de oposição a retornar ao parlamento não apenas com sua força anterior intacta, mas tendo conquistado novas cadeiras. Em 1921, tínhamos 15 assentos, agora temos 19. É verdade que uma das cadeiras está sendo disputada e o total final pode ser 18, mas esse é um detalhe sem importância.

Além das pequenas listas de irredentistas alemães e eslavos, há um partido sardo, fundado há alguns anos na Sardenha, que não chega a pedir a separação total da Itália, mas quer aumentar a autonomia regional. Estamos falando de um movimento que quer que o Estado seja descentralizado e menos vinculado ao Estado italiano e à nação italiana, e isso pode levar a movimentos paralelos em outras regiões que estão em uma situação ainda pior. Aparentemente, na província de Basilicata, um partido semelhante está sendo formado. Esse movimento também tem algumas ligações com o movimento puramente intelectual de Turim, que publica o Rivoluzione Liberale e defende teorias liberais e federalistas. Esse grupo está resistindo energicamente ao fascismo e atraiu um certo número de simpatizantes entre os intelectuais e as classes profissionais. Como vocês podem ver, a oposição está dividida em vários pequenos grupos. Também mencionaremos aqui algumas das correntes políticas que não participam das eleições.

Há, por exemplo, o movimento liderado por Gabriele D’Annunzio, ou seja, uma pequena elite reunida em torno de D’Annunzio, pronta para entrar em batalha quando seu líder der o sinal. Entretanto, a atitude de D’Annunzio tem sido bastante contraditória ultimamente. Ele tem ficado quieto por um bom tempo. O seu movimento nasceu da classe média anterior e do movimento dos militares que se opunham à mobilização oficial da grande burguesia e que – já que o fascismo estava renegando seu programa e seguindo um curso puramente conservador – se diferenciava. Há ainda o movimento Italia Libera, ou seja, a oposição antifascista dentro da organização dos militares, que também está vendo sua influência crescer substancialmente no momento. Outro movimento antifascista bastante ativo é a maçonaria. O fascismo causou uma profunda crise na maçonaria. Houve até uma cisão, embora não muito significativa: um pequeno grupo de maçons pró‑fascistas que queria sair.

Os fascistas realizaram uma campanha contra os maçons. Mussolini, como fascista, teve a mesma decisão aprovada sobre a incompatibilidade da maçonaria e da filiação partidária que teve quando estava lutando pelos socialistas em 1914. A maçonaria não perdeu tempo em responder vigorosamente a esses ataques. Nos círculos burgueses do exterior, ela realizou uma campanha de propaganda enérgica contra o terror fascista. Na Itália, ela também está conduzindo um trabalho educacional entre a pequena burguesia e os intelectuais, entre os quais a maçonaria é muito influente; e isso tem surtido um certo efeito.

Atualmente, o movimento anarquista não desempenha um papel muito significativo na política italiana. Como se pode ver, as várias correntes que se opõem à poderosa maioria fascista apresentam um quadro muito complicado.

Mas mesmo que essa oposição tenha uma imprensa bastante poderosa, o que ela representa em termos de sua organização militar e política, ou seja, com relação à possibilidade prática de montar um ataque ao fascismo em um futuro próximo? Praticamente nada é a resposta. É verdade que certos grupos, como os republicanos e os maçons, querem nos fazer acreditar que têm organizações antifascistas ilegais, mas essas afirmações não devem ser levadas a sério. A única coisa que pode ser levada a sério é a forte corrente de oposição que existe na opinião pública e na imprensa. A oposição burguesa controla uma grande parte da imprensa. Isso inclui alguns jornais distribuídos por toda a Itália e que, embora não sejam declaradamente da oposição, assumem uma posição claramente contra o fascismo. Assim, o Corriere della Sera, de Milão, e o La Stampa, de Turim, direcionam a opinião pública, principalmente entre os burgueses comuns, para uma oposição tenaz, embora principalmente vocal. Tudo isso mostra que a insatisfação com o fascismo cresceu desde que ele assumiu o poder.

Embora seja muito difícil definir e classificar com precisão os diferentes grupos de oposição, entre o estado de espírito do proletariado e o da classe média é possível, no entanto, traçar uma linha de demarcação muito clara.

O proletariado é antifascista com base em sua consciência de classe; ele vê a luta contra o fascismo como uma batalha poderosa destinada a fazer mudanças radicais e substituir a ditadura fascista pela ditadura revolucionária. O proletariado está buscando vingança, mas não no sentido banal e sentimental da palavra; ele está buscando vingança em um sentido histórico.

O proletariado revolucionário compreende instintivamente que o crescimento real e o predomínio das forças da reação devem ser combatidos por uma contraofensiva real das forças de oposição; o proletariado percebe que somente após um novo período de lutas árduas e – se vitorioso – por meio da ditadura proletária, a realidade atual pode ser radicalmente alterada. O proletariado aguarda esse momento; o momento em que, com zelo redobrado nascido de uma experiência duramente conquistada, ele poderá retribuir ao seu inimigo de classe em espadas o chicoteamento que está tendo de suportar no momento.

O antifascismo das classes médias é de caráter menos ativo. Certamente temos diante de nós uma oposição forte e sincera, mas basicamente pacifista. O que eles querem de todo o coração é restabelecer a vida política normal na Itália e a total liberdade de expressão e debate... mas sem o uso das armas, sem ter de usar a violência. Tudo deve voltar ao normal, tanto os comunistas quanto os fascistas devem ter o direito de professar suas crenças. Aspirando a um certo equilíbrio de forças e à liberdade democrática, essa é a ilusão da classe média.

Essas duas atitudes, ambas decorrentes da insatisfação com o fascismo, devem ser claramente distinguidas uma da outra. A segunda atitude apresenta dificuldades para nossa atividade que não devem ser subestimadas.

Mesmo entre a burguesia, entendida no sentido restrito da palavra, há dúvidas sobre a conveniência do movimento fascista. Essas preocupações podem ser expressas, até certo ponto, nos dois jornais mencionados anteriormente, que são efetivamente seus porta-vozes. Eles se perguntam: esse é o método correto? Não é drástico demais? Embora seja do interesse de nossa classe ter um mecanismo que possa responder a certas exigências, será que ele não está indo além das funções e dos objetivos originalmente pretendidos? Será que não está ultrapassando os limites? Os estratos mais inteligentes da burguesia italiana são a favor de uma revisão do fascismo e de seus excessos reacionários porque temem que eles possam provocar uma explosão revolucionária. Naturalmente, é do interesse expresso da burguesia que esses estratos da classe dominante estejam conduzindo uma campanha de imprensa contra o fascismo, com o objetivo de trazê‑lo de volta ao terreno legal e transformá‑lo em uma arma mais segura e flexível de exploração de classe. Eles são a favor da política astuta de fazer concessões aparentes ao proletariado ao mesmo tempo em que expressam seu entusiasmo pelo que o fascismo fez, pelo restabelecimento da ordem burguesa e por salvar sua base subjacente, a propriedade privada. Essas são opiniões que, no entanto, são muito influentes.

Por exemplo, o senador Agnelli, diretor da maior empresa italiana de fabricação de automóveis e o mais poderoso dos capitalistas italianos, é um liberal. Mas quando, como aconteceu com alguns de nossos camaradas, esse fato é muito valorizado, os trabalhadores da FIAT imediatamente nos esclarecem, assegurando‑nos que as regras de reação na FIAT funcionam exatamente da mesma forma que em outras fábricas dirigidas por capitalistas que pertencem ao partido fascista. Agnelli é, afinal de contas, um magnata que é um homem de negócios muito esperto. Ele sabe que seria perigoso provocar as massas trabalhadoras; ele se lembra dos momentos difíceis pelos quais passou quando os trabalhadores ocuparam suas fábricas e hastearam a bandeira vermelha; portanto, ele dá conselhos benevolentes ao fascismo sobre como conduzir a batalha contra o proletariado de maneira mais astuta. E o fascismo, evidentemente, não é surdo a esses conselhos.

Antes do caso Matteotti, o fascismo havia dado uma guinada para a esquerda. Na véspera do assassinato de Matteotti, Mussolini fez um discurso em que se dirigiu à oposição. Ele disse: “Vocês formam o novo parlamento. Nunca precisamos de eleições; poderíamos ter exercido o poder ditatorial, mas ainda assim preferimos nos dirigir ao povo, e vocês devem reconhecer que o povo respondeu hoje nos apoiando totalmente com uma maioria esmagadora”. E, na verdade, foi Matteotti quem contestou essa afirmação, declarando que, do ponto de vista democrático e constitucional, o fascismo havia sido derrotado, o governo havia sido colocado em minoria e que sua maioria era forjada e enganosa.

É claro que o fascismo se recusou a reconhecer isso. Mussolini argumentou: “Com base nos números oficiais, temos a maioria. Agora vou falar sobre a oposição. A oposição pode ser expressa de duas maneiras. Primeiro, a maneira comunista. A esses senhores não temos nada a dizer. Eles são completamente lógicos. Seu objetivo é nos derrubar um dia por meio do uso da violência revolucionária e instalar a ditadura do proletariado. A eles respondemos: só sucumbiremos diante de uma força superior. Quer se arriscar a nos enfrentar? Vá em frente! Aos outros grupos de oposição, dizemos: o emprego da violência revolucionária não está contemplado em seu programa: vocês não estão preparando uma insurreição contra nós; o que querem então? Como vocês se propõem a tomar o poder? A lei nos concedeu cinco anos como legislatura desta Casa. E novas eleições produziriam o mesmo resultado. Certamente o melhor, então, é chegar a um acordo. Talvez tenhamos exagerado, talvez tenhamos ultrapassado os limites. Usamos métodos ilegais que estou tentando evitar que aconteçam novamente. Estou convidando‑os a colaborar! Façam suas propostas! Exponham seus pensamentos! Encontraremos um meio termo”.

Foi um apelo à colaboração com todos os grupos de oposição não revolucionários. Somente os comunistas foram excluídos da oferta de Mussolini. Ele declarou que um acordo com a CGIL poderia ser possível porque esta não está no terreno da teoria demagógica da revolução, porque o bolchevismo já estaria liquidado, etc.

Foi assim que as coisas ficaram, a atitude tomada por Mussolini mostrando a força que a oposição antifascista havia se tornado. O governo podia ver que precisava dar uma guinada à esquerda. Então veio a bomba. O caso Matteotti fez com que a situação na Itália mudasse completamente. Os fatos são bem conhecidos: um dia, Matteotti, o deputado parlamentar, desaparece. Por dois dias, sua família espera seu retorno em vão. Então, eles recorrem à polícia. Esta alega não saber de nada. Depois que os jornais publicam reportagens sobre o desaparecimento de Matteotti, testemunhas oculares descrevem tê‑lo visto sendo atacado na rua por cinco indivíduos e colocado em um carro, que sai em alta velocidade.

A opinião pública estava em choque. Talvez Matteotti estivesse sendo mantido prisioneiro, talvez fosse o ato terrorista de um indivíduo solitário. Apenas isso, ou algo pior? Talvez um assassinato?

O governo foi instado a reagir. Mussolini declarou imediatamente: “Vamos encontrar os culpados”. Algumas prisões foram feitas, mas em pouco tempo tornou‑se de conhecimento geral que Matteotti havia sido morto por membros de um esquadrão fascista ligado à organização terrorista do partido. Os fascistas imediatamente adotaram esta linha: trata‑se de um gesto lamentável por parte da corrente ilegal contra a qual estamos lutando e contra a qual Mussolini sempre lutou. É um ato individual, um crime comum. Tomaremos medidas contra os culpados. Mas a opinião pública não ficou muito satisfeita com isso. Toda a imprensa se apressou em mostrar que o motivo do crime não poderia ser puramente pessoal, que os assassinos eram, na verdade, parte de uma liga secreta, um tipo de banda negra, que já havia cometido crimes semelhantes em outras ocasiões; crimes que permaneceram impunes porque não tiveram a mesma repercussão que o assassinato de Matteotti. Mais e mais pessoas foram acusadas. As principais figuras do regime começaram a ser atacadas. Foi provado que o carro em questão foi fornecido pelo jornal extremista-fascista Corriere Italiano. Um membro do “Diretório dos Quatro”, Cesare Rossi, foi acusado; Aldo Finzi, vice‑ministro de assuntos internos, foi acusado. Vários fascistas conhecidos foram presos. Os antifascistas realizaram uma violenta campanha de imprensa.

Portanto, a pergunta é: quem é responsável pelo assassinato? Porque, sem dúvida, é de um assassinato que estamos falando, mesmo que o corpo ainda não tenha sido encontrado. É um crime de fanatismo político, um crime político, o resultado de uma vingança contra Matteotti por causa de seus discursos contra o fascismo na Câmara dos Deputados? Ou é apenas um caso de erro de um órgão do Executivo? A última hipótese, eu diria, não está descartada. É possível que Matteotti tenha sido mantido prisioneiro por alguns dias e, depois, quando resistiu, foi morto pelos bandidos que o sequestraram. Ou será que estamos lidando com algo ainda mais suspeito? Dizem que Matteotti tinha em sua posse certos documentos relacionados à corrupção de vários membros do governo fascista e que queria publicá‑los. Talvez fosse esse o motivo pelo qual queriam eliminá‑lo? A última hipótese não é muito provável. Matteotti não teria sido tão imprudente a ponto de carregar tais documentos consigo e, mesmo que tivesse, certamente haveria cópias.

No entanto, no decorrer da campanha de imprensa, ficou estabelecido que o Ministério de Assuntos Internos se tornou um centro de negócios no qual capitalistas italianos e estrangeiros podem comprar uma série de concessões do governo. Fala‑se de grandes somas de dinheiro que estão sendo desviadas por altos funcionários. Um exemplo é o caso Sinclair, ou seja, o tratado de petróleo que concedeu a uma empresa estrangeira o monopólio da extração de petróleo na Itália. Diz‑se até que o cassino de Monte Carlo distribuiu uma enorme quantia para aprovar a lei que restringia as licenças para casas de jogos na Itália. Após essas alegações, os fascistas até forçaram Finzi a entregar imediatamente sua renúncia. A questão permanece em aberto: estamos lidando com um crime político no sentido estrito ou com um crime motivado pela necessidade de silenciar testemunhas da corrupção moral do governo fascista? Seja qual for o caso, as abordagens da oposição burguesa e da oposição comunista às duas possibilidades são muito diferentes.

O que diz a oposição burguesa? Para eles, trata‑se apenas de um caso judicial. Ela quer que o governo puna os culpados. Sua perspectiva é a de que o governo não deve se limitar a estabelecer quem estava diretamente envolvido no assassinato; o judiciário deve esclarecer todo o caso, chamando à responsabilidade as pessoas de alto escalão envolvidas no caso, e talvez até mesmo membros do governo. Por exemplo, o General De Bono, chefe supremo da polícia, foi acusado de estar envolvido no assassinato e foi forçado a renunciar. Isso mostra até que nível da hierarquia fascista a responsabilidade chega. Afinal de contas, De Bono é um dos principais líderes da “Milícia Nacional”.

Assim, a oposição burguesa considera toda a questão como um assunto legal, como uma questão de moralidade política, do restabelecimento da paz social e da tranquilidade no país, e afirma que o terror e outros atos de violência semelhantes devem cessar. Para nós, por outro lado, é uma questão política e histórica, uma questão de luta de classes, uma consequência grosseira, mas necessária, da ofensiva capitalista para defender a burguesia italiana. A responsabilidade pelo fato de tais horrores serem possíveis está nas mãos de todo o partido fascista. De todo o governo, de toda a classe burguesa italiana e de seu regime. É preciso proclamar abertamente que somente a atividade revolucionária do proletariado pode liquidar tal situação; uma situação que mostra que tais sintomas não podem ser curados por meios puramente legais, com o restabelecimento filisteu da lei e da ordem. Na busca de tal objetivo, a questão urgente se torna, em vez disso, a destruição da ordem existente, uma derrubada completa que somente o proletariado pode levar até o fim. Inicialmente, os comunistas se uniram em protesto com a oposição parlamentar na Câmara dos Deputados. Entretanto, logo foi necessário traçar uma linha de demarcação entre a nossa oposição e a deles, e os comunistas não participaram das últimas declarações dos outros partidos.

Até mesmo os maximalistas estão representados no comitê da oposição parlamentar; a propósito, precisamos destacar um evento muito característico. O P.C, como uma ação de protesto contra o assassinato de Matteotti, propôs imediatamente uma greve geral em todo o país na Itália. Greves espontâneas já haviam sido deflagradas em várias cidades, o que mostrava que a proposta era séria e prática.

Os outros partidos, com a aprovação dos maximalistas, propuseram uma greve de dez minutos como uma ação de protesto em homenagem a Matteotti. Mas os reformistas, maximalistas, CGIL e outros grupos de oposição sofreriam o grande infortúnio de ver as confederações industriais e os sindicatos fascistas aceitarem imediatamente a proposta e se unirem oficialmente à oposição! Assim, é claro, o protesto perdeu qualquer vestígio de significado de classe. Hoje está claro como a luz do dia que os comunistas foram os únicos a fazer uma proposta que teria permitido que o proletariado influenciasse os acontecimentos de forma decisiva.

Qual é a perspectiva para o governo de Mussolini na situação atual? Antes dos últimos acontecimentos, fomos forçados a reconhecer, apesar das evidências marcantes de um descontentamento crescente com o fascismo, que sua organização militar e estatal era, no entanto, poderosa o suficiente para impedir o surgimento de uma força capaz de trabalhar praticamente para a derrubada do fascismo em um futuro próximo. O descontentamento estava crescendo, mas ainda estávamos muito longe de uma situação de crise.

Os eventos recentes fornecem um exemplo impressionante de como pequenas causas determinam grandes efeitos. O assassinato de Matteotti acelerou o desenvolvimento da situação em um grau extraordinário, mesmo que, é claro, as condições sociais já significassem que as premissas desse desenvolvimento existiam de forma latente. O ritmo da crise fascista foi bastante acelerado. O governo fascista sofreu uma derrota prejudicial do ponto de vista moral, psicológico e, em certo sentido, também do ponto de vista político. Essa derrota ainda não teve repercussões no nível da organização política, militar e administrativa, mas está claro que uma derrota moral e política como essa é o primeiro passo para um desdobramento maior da crise e da luta pelo poder. O governo teve que fazer concessões notáveis, como entregar a pasta de assuntos internos ao antigo chefe nacionalista, agora fascista, Federzoni. Outras concessões também foram feitas, mas o fascismo ainda mantém o poder firmemente em suas mãos. Em seus discursos no Senado, Mussolini declarou abertamente que manteria seu cargo e usaria todos os meios de poder à sua disposição contra qualquer um que o atacasse.

De acordo com as últimas notícias, a onda de indignação pública ainda não diminuiu. No entanto, a situação se tornou objetivamente mais estável. A Milícia Nacional, que foi mobilizada dois dias após o assassinato de Matteotti, já foi desmobilizada e seus membros retornaram às suas ocupações habituais. Isso indica que o governo considera que o perigo imediato já passou. Mas o fato de que grandes revoltas possam ocorrer em um futuro muito próximo parece muito mais possível do que antes da crise do caso Matteotti.

No entanto, o que está claro é que, no futuro, o fascismo estará em uma posição muito mais difícil e que as possibilidades práticas de ações antifascistas futuras, dependendo do que acontecer no período intermediário, são agora diferentes das anteriores.
 

* * *

Como devemos reagir a essa nova situação que surgiu de forma tão inesperada? Farei um esboço sistemático de meu ponto de vista.

O P.C deve enfatizar o papel independente que a situação na Itália lhe atribuiu e emitir palavras de ordem com o seguinte conteúdo: liquidação dos grupos de oposição antifascistas e sua substituição pela ação direta e aberta do movimento comunista. Hoje nos deparamos com eventos que estão fazendo com que os holofotes do interesse público se concentrem no P.C. Por um tempo, após a tomada do poder pelos fascistas, houve prisões em massa de nossos companheiros. Naquela época, dizia‑se que as forças comunistas e bolcheviques haviam sido aniquiladas, dispersas; que o movimento revolucionário havia sido completamente liquidado. Mas por um bom tempo após as eleições e outros eventos, o partido tem dado sinais de vida que são fortes demais para apoiar essas afirmações. Em todos os seus discursos, Mussolini é obrigado a se referir aos comunistas. Na controvérsia sobre o caso Matteotti, a imprensa fascista tem que se defender todos os dias e se posicionar contra os comunistas.

Isso faz com que a atenção se concentre em nosso partido e em seu dever específico de manter sua independência de todos os outros grupos de oposição intimamente ligados. Nosso partido, tendo assumido seu ponto de vista específico, traça uma linha clara de demarcação entre ele e esses outros grupos. Além disso, graças à sua experiência de luta de classes na Itália durante e após a guerra e graças também à amarga desilusão que sofreu, o proletariado italiano sabe que é necessário liquidar completamente todas as correntes social-democratas, desde a esquerda burguesa até a direita proletária, e essa consciência está firmemente enraizada. Todas essas correntes tiveram a possibilidade prática de entrar em ação e provar seu valor. A experiência mostrou que nenhuma delas está à altura da tarefa. A vanguarda do proletariado revolucionário, o partido comunista, é a única que se recusou a desistir.

Mas, para que seja possível seguir uma linha política independente, é absolutamente indispensável que o derrotismo seja expurgado do partido. Não podemos dizer aos proletários italianos, que têm fé no partido e em sua força, que as ações tentadas pelos comunistas até agora se resumem a fracasso e falta de sucesso!

Se a nossa prática mostrar que o partido pode organizar a luta e implementar uma tática autônoma própria; se a nossa prática mostrar que o partido continua vivo como o único partido de oposição; se pudermos emitir palavras de ordem apropriadas que indiquem uma maneira prática de ir para a ofensiva, é então que alcançaremos nosso objetivo de liquidar os grupos de oposição e, principalmente, os socialistas e os maximalistas. Essa é a direção que devemos seguir, em minha opinião, para tirar proveito da situação atual.

Para trabalhar nesse sentido, no entanto, não devemos nos restringir a polêmicas; o trabalho prático precisa ser feito para conquistar as massas. O objetivo desse trabalho é a união unitária das massas para a ação revolucionária, a frente unida do proletariado da cidade e do campo sob a liderança do partido comunista. Somente com essa união unitária teremos alcançado a condição que nos permitirá entrar na luta direta contra o fascismo. Essa é uma tarefa importante que pode e deve ser realizada mantendo‑se a independência do partido.

É possível, após o caso Matteotti, que o fascismo desencadeie uma “segunda onda” de terror, uma nova ofensiva contra a oposição. Mas isso será apenas mais um episódio na escalada da situação. Poderemos ver a oposição recuando e um declínio na expressão pública de descontentamento como resultado desse novo terror. No entanto, com o tempo, o descontentamento começará a aumentar novamente, assim como a oposição. O fascismo não pode se manter no poder por meio de pressão contínua e incessante. No entanto, existe outra possibilidade: as massas trabalhadoras estão sendo reunidas por iniciativa do P.C sob a bandeira da reconstituição dos sindicatos vermelhos. Talvez em breve seja possível iniciar essa tarefa.

Os oportunistas não se atrevem a realizar essa tarefa. Há cidades na Itália em que poderíamos ter certeza do sucesso se convidássemos os trabalhadores a se unirem novamente aos sindicatos vermelhos. Mas como esse retorno seria, ao mesmo tempo, um sinal de luta, porque teríamos de estar prontos para combater os fascistas, os partidos oportunistas não têm tido pressa em reconstituir as organizações de massa do proletariado. Se o P.C fosse o primeiro a aproveitar o momento favorável e emitisse essa palavra de ordem, haveria a possibilidade de o movimento trabalhista italiano se reorganizar em torno do P.C em seu centro.

Mesmo antes da situação criada pelo caso Matteotti, nossa postura independente foi a melhor manobra que poderíamos ter feito. Por exemplo, durante as eleições, até mesmo elementos não comunistas votaram em candidatos comunistas porque viram no comunismo o que eles chamariam de forma mais clara e radical de antifascismo, a rejeição mais clara do que eles odiavam. Nossa posição independente é, portanto, um meio de exercer influência política até mesmo sobre as camadas que não estão diretamente ligadas a nós. É precisamente ao fato de termos nos apresentado com um programa unívoco que devemos o grande sucesso do P.C nas eleições, apesar da ofensiva do governo desencadeada principalmente contra nossos candidatos e nossa campanha eleitoral. Fizemos uma campanha oficial sob o slogan “Unidade Proletária”, mas as massas nos deram seus votos porque éramos comunistas, porque declaramos abertamente guerra ao fascismo, porque nossos adversários nos definiram como irreconciliáveis. Essa postura nos garantiu sucessos notáveis.

O mesmo acontece com o incidente de Matteotti. Todos os olhos estão voltados para o Partido Comunista, que fala uma linguagem completamente diferente de qualquer outro partido de oposição. Daí se conclui que somente uma postura totalmente independente e radical em relação não apenas ao fascismo, mas também à oposição, nos permitirá tirar proveito dos acontecimentos atuais para derrubar o poder monstruoso do fascismo.

Um trabalho semelhante deve ser realizado para conquistar as massas camponesas. Precisamos elaborar uma forma de organização do campesinato que nos permita trabalhar não apenas entre os trabalhadores agrícolas assalariados, que essencialmente seguem a mesma linha dos assalariados industriais, mas também entre os arrendatários, pequenos proprietários, etc., dentro das organizações que defendem seus interesses. A situação econômica é tal que nenhuma pressão será capaz de impedir a formação de tais organizações. Precisamos tentar levantar essa questão com os pequenos proprietários camponeses e apresentar um programa claro que aborde sua opressão e expropriação. Precisamos representar uma ruptura total com a posição ambígua adotada pelo Partido Socialista nesse campo. Precisamos utilizar as correntes existentes para formar organizações de camponeses e direcioná‑las para o caminho da defesa dos interesses econômicos da população rural. De fato, se essas organizações forem transformadas em máquinas eleitorais, elas cairão nas mãos de agitadores burgueses, políticos e defensores das pequenas cidades e vilarejos.

Se, em vez disso, conseguirmos dar vida a uma organização para a defesa dos interesses econômicos do campesinato (não um sindicato, porque, em teoria, a ideia de um sindicato de pequenos proprietários encontra sérias objeções), teremos uma associação à nossa disposição na qual poderemos realizar um trabalho em grupo, que será influenciado por nós e na qual poderemos encontrar um ponto de apoio para a coalizão do proletariado rural e urbano sob a direção exclusiva do Partido Comunista.

ste não é um programa terrorista que está sendo apresentado. Foram criadas lendas sobre nós. Foi dito que, na verdade, queremos ser um partido minoritário, ser uma pequena elite e assim por diante. Nunca apoiamos essas noções. Se há um movimento, tanto por meio de sua crítica quanto de suas táticas, que trabalhou incansavelmente para destruir quaisquer ilusões sobre minorias terroristas espalhadas por ultra-anarquistas e sindicalistas, esse movimento é o nosso partido. Sempre nos opusemos a essa tendência, e realmente seria virar as coisas de cabeça para baixo nos retratar como terroristas e apoiadores de ações de minorias armadas e heroicas e tudo o que isso implica!

No entanto, somos da opinião de que, com relação ao problema do desarmamento dos guardas do Terror Branco e do armamento do proletariado, um tópico de grande preocupação para o partido atualmente, é necessário assumir uma posição clara e baseada em princípios.

Certamente, uma luta é possível se as massas participarem dela. A maioria do proletariado sabe muito bem que um ataque de uma vanguarda heróica não resolverá a questão. Essa última é uma solução ingênua e deve ser rejeitada por todos os partidos marxistas. Entretanto, se formos até as massas com a palavra de ordem de desarmamento dos guardas brancos e armamento do proletariado, essas mesmas massas trabalhadoras devem ser apresentadas em um papel ativo. Devemos dissipar a ilusão de que um “governo de transição” seria tão ingênuo a ponto de permitir que as posições burguesas fossem superadas por meios legais, por manobras parlamentares e por expedientes espertos, em outras palavras, permitiria uma tomada de posse legal de todo o maquinário técnico e militar da burguesia e a distribuição pacífica de armas para o proletariado; e, com isso feito, nos faria dar calmamente o sinal para a revolta. Essa é realmente uma ideia tola e infantil! Lançar uma revolução não é fácil!

Estamos absolutamente convencidos da impossibilidade de embarcar na luta com algumas centenas, ou mesmo alguns milhares de comunistas armados. O P.C da Itália é o último a sucumbir a tais ilusões. Estamos firmemente convencidos da necessidade absoluta de atrair as grandes massas para a luta; mas armar‑se é um problema que só pode ser resolvido por meios revolucionários. Podemos tirar proveito da desaceleração do desenvolvimento do fascismo criando formações proletárias revolucionárias. Mas temos que destruir a ilusão de que manobras de qualquer tipo possam um dia nos colocar em uma posição tal que possamos assumir o controle do maquinário técnico e militar da burguesia, em outras palavras, amarrar as mãos de nossos inimigos para depois atacá‑los.

Lutar contra uma ilusão que induz o proletariado a um sentimento de apatia revolucionária não é terrorismo; pelo contrário, é uma postura genuinamente marxista e revolucionária. Não estamos dizendo que somos a “elite” comunista e que queremos derrubar o equilíbrio social com a ação de uma pequena minoria. De forma alguma, queremos conquistar a liderança das massas proletárias, queremos a unidade na ação proletária; mas também queremos utilizar as experiências do proletariado italiano, e elas nos ensinaram que as lutas lideradas por um partido não consolidado – mesmo que seja um partido de massa ou composto por uma coalizão improvisada de partidos – levam necessariamente à derrota. Queremos uma luta conjunta das massas trabalhadoras da cidade e do campo, mas queremos que essa luta seja liderada por uma equipe coesa com uma linha política clara, ou seja, o partido comunista.

Esse é o problema que estamos enfrentando.

A situação se desdobrará de uma forma mais ou menos complicada, mas já existem as premissas para a emissão de palavras de ordem e agitação em torno do P.C, iniciando e guiando a revolução e declarando abertamente que é necessário marchar adiante sobre as ruínas dos grupos de oposição antifascistas existentes. O proletariado deve ser advertido de que, quando a tomada do poder pela classe trabalhadora na Itália se apresentar como um perigo real para a classe capitalista, todas as forças burguesas e social-democratas se alinharão em torno do fascismo. Essas são as perspectivas da batalha para a qual devemos nos preparar com antecedência.

Para concluir, gostaria de acrescentar algumas palavras sobre o fascismo como um fenômeno internacional, com base nas experiências que tivemos na Itália.

Acreditamos que o fascismo também quer se espalhar para além da Itália. Movimentos semelhantes em outros países, como Bulgária, Hungria e talvez também na Alemanha, provavelmente foram apoiados pelo fascismo italiano. Mas se é verdade que o proletariado do mundo inteiro precisa entender e utilizar as lições aprendidas sobre o fascismo na Itália, caso movimentos semelhantes sejam formados em outros países como meio de combater os trabalhadores, não se deve esquecer que na Itália existiam alguns pressupostos específicos que permitiram que o movimento fascista se tornasse uma força tão gigantesca. Entre essas pressuposições, a primeira e mais importante é a unidade nacional e religiosa.

Para que as classes médias se mobilizem em torno do fascismo, acredito agora que ambos os pressupostos são indispensáveis. Uma mobilização sentimentalista deve se basear tanto na unidade nacional quanto na religiosa. Evidentemente, a formação de um grande partido fascista na Alemanha enfrentaria a presença de duas confissões religiosas diferentes e diferentes nacionalidades com tendências em parte separatistas. Na Itália, o fascismo encontrou premissas excepcionalmente favoráveis. A Itália estava entre os Estados vitoriosos e, embora houvesse um estado de chauvinismo e patriotismo exagerado, ao mesmo tempo as vantagens materiais da vitória eram menos evidentes. Estritamente ligada a esse fator está a derrota do proletariado. As classes médias esperaram um pouco para ver se o proletariado teria força suficiente para vencer. Quando os partidos revolucionários do proletariado mostraram sua impotência, as classes médias acreditaram que poderiam agir de forma independente e tomar o governo em suas próprias mãos. Nesse ínterim, a grande burguesia aproveitou a oportunidade para subjugar essas forças e colocá‑las na rota de seus próprios interesses.

Com base nesses fatos, não acredito que ainda devamos esperar o surgimento em outros países de um fascismo tão aberto e descarado como o da Itália; um fascismo no sentido de um movimento unitário dos estratos superiores dos exploradores e de uma mobilização de uma grande maioria das classes médias e da pequena burguesia no interesse desses estratos. O fascismo em outros países é diferente do que na Itália. Nesses países, é apenas um movimento pequeno-burguês, com uma ideologia reacionária que é puramente pequeno-burguesa e com algumas formações armadas; um movimento que, no entanto, não está completamente identificado com o grande capital e, particularmente, com a máquina do Estado. Essa máquina estatal pode, sim, entrar em coalizão com os partidos das grandes empresas, dos grandes bancos e das grandes propriedades rurais, mas em relação à classe média e à pequena burguesia, ela mantém mais ou menos sua independência. É claro que esse tipo de fascismo também é inimigo do proletariado. Mas é um inimigo muito menos perigoso do que o fascismo italiano.

A questão das relações com esse movimento está, no que me diz respeito, totalmente resolvida: é loucura pensar em ter qualquer tipo de vínculo com ele. Esse movimento, de fato, oferece a base para uma mobilização política contrarrevolucionária das massas semiproletárias. Se o proletariado real fosse levado a agir na mesma base, isso representaria graves perigos.

Em termos gerais, podemos esperar, no exterior, uma cópia do fascismo italiano, que se hibridizará com as várias manifestações da “onda democrática e pacifista”. Mas o fascismo assumirá formas diferentes das da Itália. A reação e a ofensiva capitalista dos vários estratos em conflito com o proletariado não se submeterão a essa direção unitária.

Muito tem sido dito sobre as organizações estrangeiras do antifascismo italiano. Essas organizações foram criadas por exilados italianos burgueses. O modo como o fascismo italiano é visto pela opinião pública internacional e a campanha de propaganda conduzida contra ele pelos países civilizados também estão na ordem do dia. Essa indignação moral da burguesia de outros países é vista até mesmo como um meio de liquidar o movimento fascista.

Os comunistas e revolucionários não devem ceder a essa ilusão da sensibilidade democrática e moral da burguesia de outros países. Mesmo onde hoje ainda existem tendências pacifistas e de esquerda, amanhã não haverá escrúpulos em usar o fascismo como arma na luta de classes. Sabemos que as façanhas do fascismo na Itália e a campanha de terror que ele conduziu contra os trabalhadores só podem ser motivo de alegria para o capital internacional.

Na luta contra o fascismo, só se pode contar com a Internacional revolucionária do proletariado. É uma questão de luta de classes. Não buscamos ajuda nos partidos democráticos de outros países, nem em associações de idiotas e hipócritas como a Liga dos Direitos do Homem, porque não queremos alimentar a ilusão de que eles diferem do fascismo de alguma forma substancial, ou que a burguesia de outros países não é tão capaz de preparar para sua própria classe trabalhadora as mesmas perseguições e realizar as mesmas atrocidades que o fascismo fez na Itália.

Para que haja um levante contra o fascismo italiano e uma campanha contra o terror em nosso país, só se pode contar com uma força: as forças revolucionárias na Itália e no exterior. É preciso que os trabalhadores de todos os países boicotem os fascistas italianos. Os nossos companheiros que foram perseguidos e exilados no exterior durante a luta não ficarão indiferentes a essa batalha, nem à criação de um estado de espírito antifascista internacional entre o proletariado. A reação e o terror na Itália devem despertar um ódio de classe, uma contraofensiva proletária que dará origem a uma convergência internacional das forças revolucionárias em escala mundial contra o fascismo internacional e contra todas as outras formas de opressão burguesa.