|
|||||||||
Contribuições para a Representação Histórica Orgânica da Teoria Revolucionária Marxista
(Do panfleto Sul Filo del Tempo- no 1, Maio de 1953)
|
1. Utilizamos a expressão "Marxismo" não no sentido de uma doutrina descoberta ou introduzida por Karl Marx, mas em referência à doutrina que surgiu com o proletariado industrial moderno e que "o acompanha" ao longo de uma revolução social – e embora o termo "Marxismo" tenha sido especulado e enormemente explorado por uma série de movimentos anti‑revolucionários, nós por agora ainda o conservamos.
2. O marxismo, no único sentido válido da palavra, é hoje enfrentado por três grupos principais de adversários. Primeiro grupo: aqueles burgueses que afirmam que o tipo de economia capitalista mercantilista é a última, que a sua superação histórica pelo modo de produção socialista é uma perspetiva falsa, e que, muito consistentemente, rejeitam completamente toda a doutrina do determinismo económico e da luta de classes. Segundo grupo: os chamados comunistas, Estalinistas, que afirmam aceitar as doutrinas históricas e económicas marxistas, apesar de apresentarem exigências (também nos países capitalistas avançados) que não são revolucionárias, mas idênticas, se não piores do que as políticas (democracia) e económicas (progressivismo popular) dos reformistas tradicionais. Terceiro grupo: os professos seguidores da doutrina e método revolucionários que, no entanto, atribuem o seu abandono atual pela maioria proletária aos defeitos e deficiências iniciais da teoria; que precisa, portanto, de ser corrigida e atualizada.
A estes damos os nomes, respetivamente: Negadores, falsificadores, modernizadores. Combatemos os três, mas hoje consideramos os modernizadores como sendo os piores.
3. A história da esquerda marxista, do marxismo radical, ou mais precisamente, do marxismo real, consiste numa série de batalhas contra cada uma das "ondas" revisionistas que atacaram vários aspetos da sua doutrina e método, partindo da formação monolítica orgânica que corresponde aproximadamente ao Manifesto de 1848. Noutros lugares, cobrimos a história destas lutas dentro das três internacionais históricas: luta contra utópicos, trabalhistas, libertários, social-democratas reformistas e gradualistas, sindicalistas de esquerda e direita, social-patriotas, e hoje contra nacional-comunistas e populistas-comunistas. Esta luta, em todas as suas fases que abrangem quatro gerações, é a herança não de alguns grandes nomes, mas de uma escola bem definida e compacta, e no sentido histórico, de um partido bem definido.
4. Esta longa e difícil luta perderia a sua ligação com a recuperação futura se, em vez de retirarmos dela a lição da "invariância", aceitássemos a ideia banal de que o marxismo é uma teoria em "elaboração histórica contínua" que precisa de se adaptar e retirar lições das circunstâncias em mudança. Invariavelmente, tal é a justificação utilizada para desculpar todas as traições, das quais tem havido provas tão abundantes, e cada derrota revolucionária.
5. A rejeição materialista da ideia de que um "sistema" teórico que surgiu num momento tão importante (ou pior ainda, surgiu na mente, e foi sistematizado dentro do trabalho de um pensador ou líder histórico, ou qualquer uma dessas coisas combinadas) pode abranger todo o curso da história futura, as suas leis e princípios, de uma forma irrevogável, não devem ser entendidos como uma rejeição da noção de que os sistemas de princípios podem ser estáveis durante períodos de tempo extremamente longos. De facto, a sua estabilidade e resistência ao ataque, e também a serem "melhorados", significa que constituem uma arma importante no arsenal da "classe social" a que pertencem, e cuja tarefa e interesses históricos refletem. A sucessão de tais sistemas e corpos de doutrina e práxis está ligada não ao advento dum individual excecional, mas sim à sucessão de "modos de produção", ou seja, aos tipos de organização material da coletividade humana viva.
6. Embora obviamente tenha reconhecido o conteúdo formal dos corpos de doutrina de todas as grandes épocas históricas como errado, o materialismo dialético não nega que foram necessários para o seu tempo; muito menos imagina que o erro poderia ter sido evitado através de um melhor pensamento por parte dos sábios e legisladores, ou que os seus erros poderiam ter sido detetados mais cedo, e assim corrigidos. A razão e explicação de cada sistema está contida no seu ciclo de vida; os mais significativos são os que se mantiveram organicamente mais inalterados ao longo de um longo período de luta.
7. Segundo o marxismo, o progresso histórico no domínio (sobretudo) da organização dos recursos produtivos não é contínuo e gradual, mas sim uma série de saltos consecutivos, largamente espaçados, que causam profundas perturbações em todo o aparelho sócio-económico, mudando-o fundamentalmente. São verdadeiros cataclismos, catástrofes, crises rápidas, em que tudo muda muito rapidamente depois de ter permanecido igual durante um período de tempo muito longo, como com o mundo físico, com as estrelas no cosmos, com a geologia e com a filogénese dos próprios organismos vivos.
8. Como a ideologia de classe é uma superstrutura dos modos de produção, também não é moldada pelo fluxo diário de partículas de conhecimento, mas aparece fora do abismo produzido por um violento choque, e guia a classe cuja expressão ela é – numa forma substancialmente monolítica e estável – através de uma longa série de lutas e convulsões até se atingir a próxima fase crítica; até à próxima revolução histórica.
9. Na verdade, foram as doutrinas do capitalismo, depois de ter desculpado todas as revoluções sociais passadas até à revolução burguesa, que declarariam que a partir desse ponto a história prosseguiria por um caminho lentamente ascendente sem mais catástrofes sociais, na medida em que os sistemas ideológicos absorveriam gradualmente o fluxo de novas conquistas feitas no reino do conhecimento puro e aplicado. O marxismo mostrou que tal visão de futuro estava completamente errada.
10. O marxismo em si não é uma doutrina que possa ser moldada e remodelada todos os dias, acrescentando e mudando "bocados" (remendando mais) porque ainda é contada entre as doutrinas (mesmo que a final) que funcionam como arma de uma classe dominada e explorada que precisa de inverter as relações sociais; em cujo processo está sujeito, de mil e uma maneiras, às influências conservadoras das formas e ideologias tradicionais das classes inimigas.
11. Embora seja agora possível – ou melhor, foi possível desde quando o proletariado apareceu pela primeira vez no grande palco histórico – vislumbrar a futura sociedade sem classes, e portanto sem revoluções, deve ser afirmado que a classe revolucionária, no longo período que antecederá essa época, só conseguirá completar a sua tarefa história se avançar usando uma doutrina e metodologia que se tenha mantido estável, e que tenha sido fixada num programa monolítico durante a duração da terrível luta – com o número de seguidores, e o sucesso de fases particulares e batalhas sociais particulares, permanecendo ao mesmo tempo extremamente variável.
12. Embora, portanto, o património ideológico da classe operária revolucionária já não seja revelação, mito e idealismo como era para as classes anteriores, mas sim "ciência" positiva, ainda assim precisa de uma formulação estável dos seus princípios e regras de ação, que cumpram o propósito e tenham a mesma eficácia decisiva que os dogmas, catecismos, tabelas, constituições, e os "livros de orientação" como os Vedas, o Talmud, a Bíblia, o Alcorão, e as Listas de Direitos tinham no passado. Os profundos erros de forma e substância contidos naqueles livros não prejudicaram, e de facto em muitos casos contribuíram para a sua enorme força organizacional e social, que foi primeiro revolucionária, depois contra-revolucionária, em sucessão dialética.
13. Da mesma forma que o marxismo exclui qualquer tipo de procura da "verdade absoluta", ao ver a doutrina não como prova de um espírito intemporal ou de uma razão abstrata, mas como um "instrumento" de trabalho e como uma "arma" de combate, postula que, ambos na época de exercício e numa batalha de arremesso, não se envia as suas ferramentas ou as suas armas "para reparação", mas sim, para vencer tanto na paz como na guerra, precisa desde o início do equipamento e das armas certas para brandir contra o inimigo.
14. Uma nova doutrina não pode aparecer em qualquer momento histórico. Existem períodos dados, muito característicos – e também muito raros – na história em que, como um deslumbrante raio de luz, eles aparecem; e se o momento crucial não é reconhecido e a terrível luz não é enfrentada, não é bom recorrer a pequenas velas; pois assim o caminho é iluminado para pedantes académicos e combatentes de pouca fé.
15. Para a classe proletária moderna, que surgiu nos países onde o grande desenvolvimento industrial capitalista se iniciou, a escuridão foi perfurada pouco antes do meio do século XIX. A partir daí, a doutrina integral em que acreditamos, na qual devemos e queremos, acreditar, conteria todos os dados necessários para moldar e descrever o longo percurso, que se estende por séculos, e que será necessário verificar, e reafirmar, após inúmeras lutas. Ou esta posição permanece válida, ou a doutrina será mostrada como sendo falsa, e o aparecimento anunciado de uma nova classe com o seu próprio carácter, programa e função revolucionária na história terá sido completamente em vão. Quem, portanto, se propuser a mudar partes do "corpus" marxista, as suas teses e artigos essenciais que se encontram na nossa posse há cerca de um século, danifica o marxismo e rouba‑lhe a sua força muito mais do que aquele que a renuncia por completo e a declara abortada.
16. Após o período "explosivo", em que a própria novidade da nova reviravolta lhe deu uma forma clara e claramente delineada, seguiu‑se, devido ao agravamento da situação, um período que pode ser (de facto é) caracterizado por um equilíbrio em que não temos um aumento e desenvolvimento, mas sim uma involução e degeneração da chamada "consciência" de classe. Os momentos em que a luta de classes se acentua são – como toda a história do marxismo prova – os momentos em que a teoria regressa para fazer afirmações gloriosas das suas origens e da sua primeira expressão integral: basta recordar a Comuna de Paris, a Revolução Bolchevique e o primeiro período depois da primeira guerra mundial no Ocidente.
17. O princípio da invariância histórica das doutrinas que refletem as tarefas das classes protagonistas, e também toda a potente referência aos princípios fundadores, opõe‑se às assunções fofoqueiras de que cada geração e cada época da moda intelectual é mais poderosa do que a anterior. Rejeita todo o espetáculo de cinema tolo que retrata o implacável avanço do progresso civil, e outros preconceitos burgueses do qual muito poucos dos quais se auto‑titulam “marxistas” são realmente livres. Trata‑se de um princípio que se aplica a todos os grandes períodos históricos.
18. Todos os mitos são uma expressão disto, sobretudo aqueles sobre os semideuses, ou sábios, que tiveram uma audiência com o Ser Supremo. Rir de tais imaginações é estúpido, e só o marxismo descobriu as subestruturas reais e materiais que lhes estão subjacentes. Rama; Moisés; Cristo; Maomé; todos os Profetas e Heróis que iniciaram séculos de história para os vários povos, são todos expressões diversas deste facto real, o que corresponde a um enorme salto no "modo de produção". No mito pagão Sabedoria, ou seja, Minerva, emerge do cérebro de Júpiter não por volumes inteiros escritos por escribas flácidos, mas por causa do martelar do deus‑operário Vulcano, que tinha sido chamado para aliviar uma enxaqueca incontrolável. No outro extremo do espectro histórico, perante a doutrina iluminista da nova Deusa Razão, surge a figura gigante de Gracchus Babeuf, que, áspero e pronto na sua apresentação teórica, nos diz que a força física material nos impulsiona muito mais do que a razão e o conhecimento.
19. Não faltam exemplos de restauradores face às degenerações revisionistas, como o foi Francisco com respeito a Cristo quando o cristianismo, que surgiu para redimir os fracos, fez‑se confortável nos tribunais dos déspotas medievais, assim o foram os Gracchi com respeito a Lucius Junius Brutus; e todas as inúmeras vezes quando os porta-estandartes de uma classe em ascensão tiveram de ser restauradores por causa dos revolucionários renegados da fase heroica das classes anteriores: lutas em França em 1831, 1848, 1849 e inúmeras outras fases em toda a Europa.
20. Tomamos a posição de que todos os grandes acontecimentos dos últimos tempos são apenas muitas confirmações claras e conclusivas da teoria e das previsões do marxismo. Isto relaciona‑se sobretudo com aqueles pontos controversos que provocaram (mais uma vez) grandes deserções no terreno de classe e envergonharam mesmo aqueles que consideram as posições Estalinistas completamente oportunistas: estes pontos são o advento de formas capitalistas totalitárias e centralizadas tanto no campo económico como no político, a economia gerida, o capitalismo de Estado, as ditaduras burguesas abertas; e, por seu lado, o processo de desenvolvimento social e político russo e asiático. Assim podemos ver que não é só a nossa doutrina que foi confirmada, mas ainda que esta doutrina nasceu de forma monolítica num momento crucial.
21. Quem conseguir posicionar estes acontecimentos históricos neste período vulcânico contra a teoria marxista, terá assim provado conclusivamente que o marxismo está e sempre esteve errado; seria assim completamente derrotado, juntamente com todas as suas tentativas de deduzir as principais características do progresso histórico das relações económicas. E não só isso, ele teria provado com sucesso que em cada fase novos acontecimentos requerem novas deduções, novas explicações, e novas teorias, e consequentemente teria provado a viabilidade de novos e diferentes meios de ação.
22. Uma forma ilusória de sair de uma dificuldade atual é permitir que a teoria fundamental permaneça sujeita a mudanças, e que hoje seja realmente o próprio dia de escrever um novo capítulo da referida teoria; como se um tal ato de pensamento fosse capaz de inverter a situação desfavorável. E é realmente uma aberração quando tal tarefa é assumida por pequenos grupos de com forças hilariantemente fracas, ou pior ainda, quando o "novo pensamento" emerge de alguma discussão livre que, como Lilliput, imita o parlamentarismo burguês e o seu famoso choque de opiniões individuais, coisa que não é um recurso recente e atualizado, mas só idiotice velha e antiga.
23. Neste momento, estamos no ponto mais baixo da curva do potencial revolucionário, e por isso a séculos de distância do próximo momento que conduzirá ao aparecimento de uma nova teoria histórica. Na situação atual, sem perspetivas iminentes de uma grande convulsão social, não é só a desintegração política da classe proletária global que é o seu resultado lógico; igualmente lógica é a existência de pequenos grupos que sabem manter o fio condutor histórico do grande curso revolucionário, esticado como um grande arco entre duas revoluções sociais, na condição de que estes grupos não mostrem qualquer desejo de difundir ideias originais, mas permaneçam estritamente ligados às formulações tradicionais do marxismo.
24. A crítica, a dúvida e o questionamento de todas as antigas posições enraizadas foi uma característica decisiva da grande revolução burguesa moderna, cujas gigantescas ondas de choque esmagariam as ciências naturais, a ordem social, e os poderes políticos e militares, e depois prosseguiriam, em muito menos saltos iconoclastas, na direção das ciências da sociedade humana e do progresso histórico. Tudo isto foi, de facto, o resultado de uma época de profunda agitação que abalou a Idade Média feudal e latifundiária, e a modernidade industrial e capitalista. A crítica foi o efeito e não a força motor desta gigantesca luta complexa.
25. A dúvida, e o exame da consciência individual, são expressões da reforma burguesa da tradição compacta e da autoridade da Igreja Cristã. Uma vez transformados no Puritanismo mais hipócrita, e sob a bandeira do conformismo burguês à moral religiosa ou aos direitos individuais, lançariam e protegeriam o novo domínio de classe e a nova forma de subjugação das massas. A revolução proletária toma o caminho oposto: a consciência individual não é nada e a direção concordante da ação coletiva é tudo.
26. Quando nas famosas Teses sobre Feuerbach Marx disse que os filósofos já interpretaram o mundo o suficiente, e agora era altura de o mudar, ele não queria dizer que a mudança voluntária condiciona a mudança em si, mas que a mudança, determinada pelo choque de forças coletivas, vem primeiro e só depois é que vem a consciência crítica dessa mesma por sujeitos individuais. De facto, estes últimos não agem com base em decisões que cada um desenvolveu separadamente, mas com base em influências que precedem a ciência e precedem a consciência.
E ao passar da arma da crítica, para a crítica armada, transfere‑se tudo do sujeito pensante para a massa militante, de tal forma que não só espingardas e canhões servem como armas mas, sobretudo, aquele verdadeiro instrumento que é a doutrina comum, uniforme, monolítica e firme do partido, ao qual todos nós estamos subordinados e vinculados, pondo fim ao fofoqueiro e à discussão sabichona.
1. Uma objeção atual mas não original, considerando que já foi utilizada para justificar os piores episódios de degeneração do movimento, desvaloriza a clareza e continuidade dos princípios comunistas e incita‑nos a “ser políticos” e a mergulhar na atividade do movimento, que nos mostrará o caminho a seguir. Não pares para considerares a tua decisão com base numa avaliação exaustiva dos textos e considerando as experiências anteriores, mas avance sem parar na vida da ação!
2. Este pragmatismo é uma distorção do marxismo, quer destaque a resolução e o vigor dos líderes e grupos de vanguarda à custa de escrúpulos doutrinários, quer quando se remete para alguma decisão “da classe", ou consulta da maioria, com um ar de ter escolhido o caminho que a maioria dos trabalhadores, impelidos pelos seus interesses económicos, preferiu. Estes são velhos truques, e nenhum dos traidores do movimento operário que se vendou à classe dominante alguma vez partiu sem afirmar, em primeiro lugar, que era o melhor e mais ativo defensor "prático" dos interesses dos trabalhadores e, em segundo lugar, que o que ele fez foi devido à vontade manifesta da massa dos seus seguidores... ou eleitores.
3. O desvio revisionista, tal como o gradualista, reformista e legalista de Bernstein, foi na verdade profundamente ativista em vez de ultra-determinista. Não se tratava de substituir o objetivo revolucionário demasiado ambicioso pelo pouco que a situação permitia obter aos trabalhadores, mas de ignorar a visão deslumbrante do fim do arco da história humana: obter resultados agora é tudo o que interessa; estabeleçamos objetivos mais baixos, e visemos antes objetivos imediatos que sejam locais e transitórios em vez de universais, e então poderá ser possível obter resultados graças ao nosso poder de vontade. Sindicalistas pró‑violência como Sorel diziam exatamente o mesmo, e assim faziam o mesmo: os primeiros aspiram só a arrancar medidas legislativas ao parlamento, os segundos só a vitórias no local de trabalho e dentro do ofício: ambos, embora virando as costas às tarefas históricas.
4. Todas estas formas de "ecleticismo", e todas as outras que existem, que reivindicam o direito de mudar frentes e até doutrinas inteiras, começaram com uma falsificação: que tal ajustamento contínuo dos objetivos e mudança de direção pode ser encontrado nos escritos de Marx e Engels. Em todo o nosso trabalho, com a utilização de montes de estudos e citações aprofundadas, demonstramos a continuidade da linha marxista correta, e ilustramos‑la através da referência a passagens e teorias fundamentais dos textos mais antigos, que utilizavam as mesmas palavras, e tiramos as mesmas conclusões.
5. Assim, o mito das duas "almas" consecutivas de Marx, a jovem e a velha, é muito superficial: a primeira supostamente idealista, voluntarista e hegeliana e, sob a influência dos últimos tremores das revoluções burguesas, extremista e insurrecionista; a segunda, supostamente fria, estudiosa dos fenómenos económicos contemporâneos que era positiva, gradalista e legalista. Pelo contrário, são os repetidos desvios, na longa sequência que tantas vezes explicámos, sejam eles extremistas ou moderados na sua aceitação banal, que, incapazes de lidar com a tensão revolucionária do materialismo dialético, recaíram num desvio burguês análogo que é idealista, individualista e "pró‑consciência". Toda a conversa sobre o mito do “Marx duplo” não passa de fofoquices sobre detalhes irrelevantes e passividade; de facto, impotência revolucionária total a uma escala histórica.
6. Basta recordar que no final do primeiro volume do Capital, no qual a expropriação dos expropriadores é descrita numa nota de rodapé, a passagem correspondente no "Manifesto" é apenas repetida. As teorias económicas do segundo e terceiro volumes são apenas desenvolvimentos fora do tronco principal da teoria do valor e da mais‑valia, expostos no primeiro, e que utilizam os mesmos termos, fórmulas e até símbolos. E todas as tentativa de Antonio Graziadei de prejudicar esta unidade será em vão. A separação da parte descritiva analítica do capitalismo da parte programática é também pura ficção. Os degenerados foram sempre incapazes de compreender o poder da crítica ao utopismo do marxismo, e da democracia, por esse motivo. Não se trata de sonhar sobre um objetivo ideal qualquer e sentir que se fez alguma coisa ao sonhar com ele, ou que a cor rosada agradável deste sonho vai inspirar as pessoas a torná‑lo realidade, mas sim de descobrir o objetivo a ser alcançado fisicamente, e de caminhar diretamente para ele, sabendo que a cegueira humana e a ignorância não o impedirão de ser alcançado.
7. O que é certo é que Marx estabeleceu a ligação (já sentida pelos melhores socialistas utópicos) entre esta realização distante e o movimento físico real de uma classe social já em luta: o proletariado moderno. Mas não basta apenas compreender a dinâmica da revolução de classe como um todo. Se conhecemos a construção global da obra de Marx, uma obra que ele não foi capaz de completar, podemos ver que ele ainda não tinha dado a sua palavra final sobre a natureza e atividade impessoal da classe, embora o que ele pensava e escrevia sobre ela fosse muito claro.
Com tal tratado, os acabamentos são dados a toda a construção económica e social, da única forma consistente com o método que permitiu o seu estabelecimento em primeiro lugar.
8. Não basta o determinismo marxista rejeitar a ideia de que a qualidade e atividade dos homens de valor excecional, no domínio do pensamento e da luta prática, é a causa motora (nunca se deve confundir a cause motora com agente operacional) dos acontecimentos históricos, e colocar a classe, entendida como um grupo estatístico de indivíduos, no seu lugar; isso seria simplesmente deslocar os fatores ideais de consciência e coletividade do indivíduo para a multidão. Estaria apenas a trocar uma filosofia aristocrática por uma filosofia demo‑populista: esta última ainda mais longe de nós do que a primeira. É uma questão de inverter a localização da causa, tirando‑a do reino das ideias e levando‑a para o mundo físico material dos acontecimentos.
9. A tese marxista afirma: não é possível, antes de mais, que a consciência do caminho histórico apareça, antecipadamente, dentro de um único cérebro humano. Isto por duas razões: primeiro, a consciência segue, e não precede, as condições materiais que rodeiam o sujeito da própria consciência; segundo, todas as formas de consciência social – com um dado atraso que lhes dá tempo para se estabelecerem em geral – emergem de circunstâncias análogas e paralelas às relações económicas em que as massas de indivíduos se encontram, formando assim uma classe social. Historicamente, estas últimas são então levadas a "agir em conjunto" muito antes de poderem "pensar em conjunto". A teoria desta relação entre as condições de classe, e a ação de classe e o seu ponto de chegada futuro, não é exigida às pessoas, no sentido em que não é exigida a um determinado autor ou líder; nem é exigida à "classe como um todo", no sentido de uma soma total de indivíduos que existem num determinado momento ou lugar; e muito menos pode ser deduzida através duma "consulta" extremamente burguesa da classe.
10. Para nós, a ditadura proletária não é uma democracia consultiva importada da burguesia para o proletariado, mas a força histórica organizada que num dado momento, seguida por uma parte do proletariado (nem sequer a maioria) expressa a pressão material que faz descer o velho modo de produção burguês, abrindo o caminho para o novo, comunista.
Outro fator importante sempre dado a merecida ênfase por Marx, é o dos desertores da classe dominante que passam para o campo revolucionário, compensando a ação das massas enormes de proletários que servem e estão em cativeiro material e mental da burguesia; e que, num sentido estatístico, formam quase sempre a maioria.
11. Não há nada sobre a revolução russa que tenha levado a nossa corrente a atribuir o seu resultado negativo à violação da democracia de classe interna, ou a fazer‑nos pensar duas vezes sobre a teoria marxista e leninista da ditadura; cujo juiz final e modelador não serão fórmulas constitucionais ou organizacionais, mas apenas as relações históricas de forças.
O abandono total do terreno da ditadura de classe é antes revelado pela completa inversão do método revolucionário por parte do Estalinismo. Nada menos que todos os outros, os ex‑comunistas, sempre que avançam para um terreno democrático, colocam‑se no reino da democracia popular e nacional. Na Rússia, igual aos partidos fora dela, toda a sua política é um abandono de objetivos de classe para objetivos nacionais; mesmo que adotemos a habitual descrição simplista desta política como a rede de espionagem do Estado Russo no estrangeiro. Aqueles que tentam tomar o caminho democrático estão a enveredar pelo caminho do capitalismo; e isso inclui os anti‑Estalinistas sem princípios que gritam sobre a opinião proletária reprimida na Rússia.
12. Poderíamos usar inúmeras citações de Marx para mostrar este aspeto impessoal dos acontecimentos históricos, sem o qual a teoria da materialidade deste último seria inadmissível.
Sabemos que apenas o primeiro volume da sua grande obra Capital foi completado por Marx. Nas suas cartas e prefácios, Engels recordaria como era difícil pôr em ordem o segundo e terceiro volumes (o quarto, uma história de doutrinas económicas rivais, era mais fácil).
Engels estava até inseguro quanto à sequência correta dos capítulos e secções dos dois livros, que representam um estudo do processo global do capitalismo nas suas várias formas; não para "descrever" o capitalismo da época de Marx, mas para mostrar que, aconteça o que acontecer, a tendência geral do processo não é para o equilíbrio e um "estado de balance" (como um rio perene e constante sem seca e sem inundações), mas para uma série de crises cada vez mais profundas, e para o colapso revolucionário da "forma geral" sob investigação.
13. No seu prefácio de 1859 à Crítica da Economia Política, o primeiro projeto de Marx, depois de ter tratado das três classes da sociedade moderna: proprietários de terras, capitalistas e proletários, diz‑nos que pretendia cobrir três outros tópicos: "Estado, comércio internacional, e mercado mundial". Encontramos "O Estado" coberto no texto da Comuna de Paris de 1871 e nos capítulos clássicos de Engels, e de facto em Estado e Revolução. O "comércio internacional" é coberto pelo Imperialismo de Lenine. É uma escola histórica com a qual estamos a lidar, não a "Opera Omnia" de um indivíduo em particular. O tema do "mercado mundial" está hoje inscrito em letras flamejantes no livro dos acontecimentos atuais, que ninguém sabe interpretar, e que um Estaline moribundo simplesmente decorou com a sua fraca teoria do mercado duplo. E se ao menos todos os vários "investigadores" não fossem tão propensos a pensar em termos de povos e países, e daquelas ideologias falidas da era burguesa: Paz, Liberdade, Independência, Santidade da pessoa e Constitucionalidade das decisões eleitorais!... eles encontrariam a centelha que acenderá a conflagração capitalista mundial da segunda metade deste século.
14. Depois de terem lidado com a forma na qual o produto social é dividido entre as três classes principais, formando o seu proveito económico (menos precisamente, o rendimento): renda, lucro e salários; depois de ter demonstrado que a entrega do primeiro ao Estado não iria alterar a ordem capitalista, e que nem mesmo a entrega de todo o valor excedente ao Estado ultrapassaria os limites da forma de produção (na medida em que ainda haveria o mesmo desperdício de mão-de-obra viva, ou seja, o elevado dispêndio de tempo e esforço, como sob a forma empresarial e comercial do sistema), Marx conclui assim a parte estritamente económica: "O segundo traço que caracteriza especialmente o modo de produção capitalista é a produção do mais‑valor como finalidade direta e motivo determinante da produção. O capital produz essencialmente capital, e só o faz na medida em que produz mais‑valor" (o comunismo apenas produzirá mais‑valia que não é capital).
Mas a causa não está na existência do capitalista, ou mesmo da classe capitalista, pois estes não são apenas efeitos, mas efeitos desnecessários. "Enquanto na base da produção capitalista a massa dos produtores diretos se confronta com o caráter social de sua produção na forma de uma autoridade rigorosamente reguladora e de um mecanismo social do processo de trabalho articulado de modo inteiramente hierárquico [ou seja, burocrático!]– autoridade que, no entanto, só se investe em seus portadores como personificação das condições de trabalho diante do trabalho, e não, como em formas anteriores de produção, como dominadores políticos ou teocráticos –, entre os portadores dessa autoridade, os próprios capitalistas, que só se defrontam uns com os outros como possuidores de mercadorias, reina a mais completa anarquia, no seio da qual a conexão social da produção só se impõe à arbitrariedade individual na forma de uma lei natural inexorável".
Basta mantermos a atitude invariante formidável deste texto original para mostrar que os "atualizadores" do marxismo estão ligados a esse preconceito burguês idiótico, que procura culpar toda a inferioridade das formas sociais quer sobre a "vontade individual", quer, no máximo, sobre a "responsabilidade coletiva de uma classe social". Enquanto que a partir daí ficou inteiramente claro se era o capitalista individual ou a classe capitalista que aqui e ali poderia deixar de ser a "personificação" do capital, o próprio capital continuaria a enfrentar‑nos, confrontando‑nos, como um "mecanismo social", como uma "lei natural inexorável" do processo de produção.
15. Esta passagem aqui citada veio do capítulo conclusivo formidável do Capital, volume III, capítulo 51, que completa a "descrição" da economia atual mas também "evoca" o espectro da revolução em cada página. O capítulo 52 que se segue tem pouco mais de uma página, e é aquele em que um Engels cansado escreve sob a linha final, incompleta, entre parênteses: "Aqui se interrompe o manuscrito".
O título deste capitulo: "As Classes". Estamos no limiar do rovesciamento della prassi, a inversão da prática, e tendo excluída a vontade individual, passamos à descoberta do agente da revolução.
Antes de mais, o capítulo diz: estabelecemos as leis para a sociedade capitalista na sua forma pura, com as referidas três classes, mas isto não existe nem mesmo em Inglaterra (e também não existe em 1953, ali ou em qualquer outro lugar, nem nunca existirá, tal como os dois pontos materiais dotados de massa aos quais a Lei de Newton reduz o cosmos).
“A próxima pergunta a ser respondida é esta: o que vem a ser uma classe?” “A resposta se encontra, à primeira vista, na identidade entre rendimentos e fontes de rendimento”. "Contudo, deste ponto de vista, médicos e funcionários, por exemplo, também constituiriam duas classes, pois pertencem a dois grupos sociais distintos, os membros de cada um destes grupos que recebem as suas receitas de uma e mesma fonte. O mesmo seria também válido para a infinita fragmentação de interesse e classificação em que a divisão do trabalho social divide os trabalhadores, bem como os capitalistas e os proprietários – estes últimos, por exemplo, em proprietários de vinhas, proprietários de explorações agrícolas, proprietários de florestas, proprietários de minas e proprietários de pescas, etc".
O pensamento, e a frase, é interrompida aqui... Mas é suficiente.
16. Sem exigir direitos de autor apenas por uma linha, podemos completar o capítulo que foi interrompido pela morte de Karl Marx (que ele teria considerado um incidente individual arbitrário, e que estava habituado a citar Epicurus em tais ocasiões; um filósofo a quem o jovem pós‑graduado tinha dedicado a sua tese). Como relatado por Engels: "Cada acontecimento que deriva da necessidade traz em si o seu próprio consolo". É inútil ter arrependimentos.
Não é identificar fontes de rendimentos, como parece "à primeira vista", que define a classe.
Com um só golpe, o sindicalismo, o operaísmo, o “labourismo”, o corporativismo, o Mazzinismo e o socialismo cristão são derrubados dos seus pedestais de uma vez por todas; incluindo todas as versões passadas e as que ainda estão por vir.
Mas a nossa conquista foi muito além de conseguir que os ideólogos do espírito e do indivíduo, da sociedade liberal e do Estado de direito, reconhecessem, de forma pouco sincera, que as diferentes profissões e ofícios têm interesses coletivos que não podem ser ignorados. Mais do que tudo, a nossa vitória inicial consistiu em estabelecer que, em relação à "questão social", mesmo numa forma tão reduzida, era inútil enfiar o nariz no ar e fechar os olhos a ela. Iria penetrar no mundo moderno. Mas espalhá‑la de forma capilar é uma coisa; é outra bem diferente, esmaga‑la em pedacinhos.
Não vale a pena, estatisticamente, definir classes de uma forma "qualitativa", de acordo com a fonte monetária de rendimento. É ainda mais estúpido selecioná‑las de uma forma quantitativa de acordo com a "pirâmide de rendimentos". Durante séculos isto foi levantado: e de facto, o censo do Estado em Roma é tudo sobre escalas de rendimentos. Durante séculos, operações aritméticas simples demonstraram aos filósofos da pobreza que a redução da pirâmide a um prisma mais equilibrado, mas sem mudar as bases, apenas cria uma sociedade de pobres.
Haverá, qualitativa e quantitativamente, uma saída para esta miríade de dificuldades? Um funcionário público sénior recebe um salário, e portanto, de acordo com o tempo, tal como um trabalhador assalariado que trabalha, digamos, numa salineira estatal; no entanto, o rendimento do primeiro é superior ao de muitos comerciantes e capitalistas industriais que vivem do lucro; o salário do trabalhador é superior não só ao de muitos pequenos camponeses, mas também ao de muitos pequenos senhorios que vivem do aluguer...
Uma classe não é definida por declarações de rendimentos, mas sim por uma posição histórica dentro da gigantesca luta pela qual uma nova forma geral de produção ultrapassa, derruba e depois substitui a antiga.
É estúpido considerar a sociedade como sendo simplesmente constituída pela soma dos seus indivíduos entendida num sentido abstrato, mas não é menos estúpido ver a classe como sendo simplesmente constituída por indivíduos entendidos como unidades económicas. “O individual", "a classe" e "sociedade" não são categorias puras e idealistas. Uma vez que se alteram constantemente no tempo e no espaço, são o produto de um processo geral, cujas leis soberanas foram elaboradas através da aplicação dos poderosos métodos da abordagem marxista.
O mecanismo social concreto impulsiona e molda indivíduos, classes e sociedades sem os “consultar” de qualquer maneira.
Uma classe é definida pela sua tarefa histórica e pelo caminho que percorre, e a nossa classe, através de um árduo ponto de chegada dialética a ser alcançado apenas após um esforço imenso, é definida pela revindicação de que a própria classe deve efetivamente deixar de existir num sentido estatístico quantitativo e qualitativo; uma exigência feita particularmente em relação a si própria (uma vez que tem pouco ou nenhum interesse em defender o desaparecimento das suas classes inimigas, um processo já em processo de qualquer maneira).
Hoje a classe como um todo aparece perante nós num estado de fluxo constante: como hoje em dia é para Estaline, para um Estado capitalista como a Rússia, para um bando de deputados e pretensos deputados que são muito mais anti‑marxistas do que Turati, Bissolati, Longuet e Millerand alguma vez foram.
17. Portanto, tudo o que resta é o partido como o órgão existente que define a classe, luta pela classe, e quando chega a altura, governa pela classe e prepara para uma altura em que não haverá Estados ou qualquer classe. Na condição, isto é, que o partido não pertença a determinados homens, não sucumba ao culto do líder; que volte a defender, com fé cega se necessário, a sua teoria invariável e organização rígida; e o método que não parte de preconceitos sectários, mas sabe que numa sociedade que se desenvolveu na sua forma típica (como Israel no ano zero, e a Europa no ano 1900) há que aplicar estritamente o grito de guerra: aqueles que não estão connosco estão contra nós.
1. Dada a situação atual em que a energia revolucionária se encontra num ponto mais baixo do que sempre, a tarefa prática do partido é examinar o curso histórico da luta na sua totalidade, e é um erro definir isto como uma atividade de tipo literário ou intelectual e contrasta‑la com alguma descida para da ação de massas vaga.
2. Aqueles que reconhecem o nosso juízo crítico de que a atual política dos Estalinistas é totalmente anti‑classista e contra-revolucionária, e que vê a falência da 3ª Internacional como ainda pior do que a da 2ª Internacional em 1914, devem escolher entre duas posições: será algo que partilhamos com Lenine, os bolcheviques, e com a plataforma fundadora do Comintern e os vencedores de Outubro que talvez precise de ser abandonado? Dizemos que não; apenas aquilo contra o qual a Esquerda Comunista teve de lutar desde então precisa de ser abandonado, enquanto tudo o resto, subsequentemente traído pelos russos, continua de pé.
3. A manobra gravemente errada após a Primeira Guerra Mundial, provocada pela perda de vigor do movimento revolucionário no Ocidente, pode resumir‑se a várias tentativas de acelerar à força a fase de insurreição e ditadura, explorando meios legalitários, democráticos e “labouristas”. Este erro, que foi perpetrado principalmente no alegado coração da classe trabalhadora, no ponto de contacto com os traidores sociais da 2ª Internacional, estava destinado a evoluir para uma nova forma de colaboração de classe política e social com as forças capitalistas, nacionais e globais, e tornar‑se uma nova forma de oportunismo, e uma nova forma de traição.
4. Porque se sentia que o partido internacional, firmemente enraizado numa teoria e organização estabelecidas, deveria alargar a sua influência, a influência foi concedida a inimigos e traidores, e acabou não só sem a influência de massas esperada, mas até sem o núcleo histórico compacto que tinha caracterizado o partido daquela época. A lição é nunca mais empregar qualquer manobra ou método deste tipo. Coisa nada fácil.
5. Foi inútil esperar que a situação em 1946, no final da Segunda Guerra Mundial, fosse tão fértil como era em 1918, devido à maior gravidade da degeneração contra-revolucionária, devido à ausência de núcleos fortes capazes de existir fora dos blocos militares, políticos e partidários da guerra, e devido às diferentes políticas adotadas pelas forças ocupantes para policiar os países derrotados. A situação em 1946 foi claramente tão desfavorável como tinha sido após as grandes derrotas da Liga Comunista e da Primeira Internacional, em 1849 e 1871.
6. Uma vez que um regresso abrupto das massas a uma atividade organizativa adequada a uma ofensiva revolucionária não é assim concebível, o melhor resultado que se pode esperar no futuro imediato é um restabelecimento dos verdadeiros objetivos e exigências proletários e comunistas, e uma reafirmação da lição segundo a qual toda a improvisação tática que muda de uma situação para outra sob o pretexto de tirar partido de fatores inesperados no seu interior, não passa de derrotismo.
7. O ativismo-presentismo estúpido que adapta os seus gestos e se move para os factos imediatos do dia, um verdadeiro existencialismo partidário, deve ser substituído pela reconstrução de uma ponte sólida que ligue o passado ao futuro, e cujas linhas principais o partido estabelece para si próprio de uma vez por todas, proibindo os membros, mas especialmente os líderes, de tentarem tendenciosamente procurar e descobrir "novos caminhos".
8. Este mau hábito, especialmente quando calunia ou negligencia o trabalho doutrinário e a restauração da teoria, tão necessária hoje como foi para Lenine em 1914‑18, assume que a ação e a luta são tudo o que importa e acaba por destruir a dialética marxista e o determinismo, substituindo a imensa pesquisa histórica sobre os raros momentos e pontos cruciais sobre os quais é construída por um voluntarismo dissoluto, que depois se adapta na pior e mais crua das formas ao status quo e às suas miseráveis perspetivas imediatas.
9. Toda esta metodologia dos nossos "guerreiros de classe experientes" pode facilmente ser reduzida não a uma forma nova e original de prática política, mas sim a uma má cópia de antigas posições anti‑marxistas. A sua forma de conceber a história é idealista, à la Croce, na medida em que acredita que o acontecimento histórico não é previsível pelas leis científicas e que é "sempre correto" rebelar‑se contra qualquer previsão do rumo futuro da sociedade humana, ou das regras que a governam.
10. A primeira prioridade é, portanto, voltar a apresentar, apoiada pelos nossos textos partidários clássicos, a visão marxista da História, bem integrada; do processo histórico; das revoluções passadas que ocorreram até agora, e as características do que virá, em que o proletariado moderno derrubará o capitalismo e instalará novas formas sociais. As principais reivindicações e exigências devem ser novamente apresentadas como apareceram pela primeira vez há mais de um século na sua amplitude e grandeza originais, e de modo a liquidar as fórmulas banais com as quais foram substituídas; e não apenas pelas do pântano Estalinista, mas também por muitas outras, todas elas passando como “comunismo” o que de facto não passa de exigências populistas, pequena-burguesas e inclinadas para o sucesso demagógico.
11. Tal empreendimento é longo e difícil e requer anos; por outro lado, o equilíbrio de forças na situação global levará décadas para ser derrubado. Assim, qualquer aventura estúpida e falsamente revolucionária de curto prazo deve ser rejeitada com desdém, pois é uma característica daqueles que não sabem manter‑se firmes na posição revolucionária e que abandonam a grande estrada para os becos sem saída do sucesso de curto prazo, como muitos exemplos na história dos desvios mostram.
1. Com a gigantesca recuperação após a Primeira Guerra Mundial, potente à escala mundial e em Itália resultando na formação de um partido forte em 1921, tornou‑se claro que o postulado mais premente era a tomada do poder político e que o proletariado não o podia tomar por meios legais, mas apenas através da ação armada; que a melhor oportunidade surge da derrota militar do próprio país; e que a forma política que se seguirá à vitória é a ditadura do proletariado. A transformação social e económica ocorre mais tarde, e a sua condição prévia é a ditadura.
2. O Manifesto Comunista esclareceu que as medidas sociais que se seguirão, a serem realizadas e cumpridas "despoticamente", serão diferentes – sendo o caminho para o comunismo pleno muito longo – de acordo com o nível de desenvolvimento das forças produtivas no país onde o proletariado conquista o poder, e a rapidez com que esta vitória se estende a outros países. Indicou as medidas apropriadas então, em 1848, para os países europeus mais avançados, e salientou que não eram o conjunto do programa socialista, mas sim um conjunto de medidas que qualificou como transitórias, imediatas, variáveis, e essencialmente "contraditórias".
3. Posteriormente (e este foi um dos elementos que induziu alguns em erro no sentido de apoiar uma teoria mais flexível, continuamente reelaborada com base em provas históricas) muitas das medidas inicialmente consideradas como sendo da responsabilidade do proletariado revolucionário foram levadas a cabo pela própria burguesia neste ou naquele país, por exemplo: instrução pública gratuita, banco estatal, etc.
Mas isto não autorizava ninguém a acreditar que as leis e previsões precisas relativas à transição do modo de produção capitalista para o socialista, com todas as suas formas económicas, sociais e políticas, tivessem mudado, apenas significava que o período imediato pós‑revolucionário – a economia de transição para o socialismo, que precedeu a fase inferior subsequente do socialismo, e a fase final, superior do socialismo, ou comunismo total – seria diferente e ligeiramente mais suave.
4. O oportunismo clássico consistia em fazer crer que todas estas medidas, desde as mais altas às mais baixas, poderiam ser aplicadas pelo Estado democrático burguês, em resposta à pressão, ou mesmo depois de terem sido conquistadas legalmente pelo proletariado. Mas se assim fosse, estas várias "medidas", se compatíveis com o modo de produção capitalista, teriam sido adotadas no interesse da continuação do capitalismo e do adiamento do seu colapso, e se fossem incompatíveis, o Estado nunca as teria adotado.
5. O oportunismo atual, seguindo uma fórmula de democracia popular e progressista no quadro da constituição parlamentar, tem uma tarefa histórica diferente e pior. Não só ilude o proletariado de que algumas das suas próprias medidas podem ser confiadas a um Estado inter-classe e multipartidário (isto é, no que diz respeito aos social-democratas de ontem, renuncia à ditadura), como até leva as massas organizadas a lutar por medidas sociais "populares e progressistas" que se opõem diretamente àquelas a que o poder proletário se tem dedicado desde 1848 e ao Manifesto.
6. Nada ilustra melhor a ignomínia total de tal involução do que uma lista das medidas que terão de ser elaboradas no futuro, quando houver uma perspetiva real de tomar o poder num país do capitalismo ocidental, para substituir (um século mais tarde) a lista do Manifesto, embora as suas medidas mais características ainda fossem incluídas.
7. Aqui está uma lista de tais exigências:
Desinvestimento de capital, nomeadamente a atribuição de uma parte muito menor da produção total a bens que são instrumentais e não consumíveis.
Aumento dos custos de produção de modo a poder pagar, enquanto os salários, os mercados e o dinheiro sobreviverem, salários mais elevados por menos tempo de trabalho.
Redução drástica da jornada de trabalho, para pelo menos metade das horas atualmente trabalhadas, através da absorção do desemprego e de atividades anti‑sociais.
Redução do volume de produção com um plano de menos produção que se concentra nas áreas mais necessárias; controlo autoritário do consumo para reprimir a promoção de bens perigosos e desnecessários, e a abolição vigorosa de atividades dedicadas à propagação de uma psicologia reacionária.
Rápida quebra das fronteiras de negócios e empresas com a transferência forçada não de pessoal mas de objetos de trabalho (atividades produtivas), a fim de avançar para o novo plano de consumo.
Rápida abolição do assistencialismo de tipo mercantil, a fim de o substituir por uma provisão social, até um mínimo inicial, para os não trabalhadores.
Parar a construção de casas e locais de trabalho em torno das cidades, grandes e pequenas, com vista a alcançar uma distribuição uniforme da população no campo. Redução do congestionamento, volume e velocidade do tráfego e sua proibição quando desnecessário.
Luta resoluta, através da abolição das carreiras e qualificações, contra a especialização profissional e a divisão social do trabalho.
Medidas imediatas óbvias, semelhantes às políticas, a fim de colocar as escolas, a imprensa, todos os meios de transmissão, de informação e a rede de lazer e entretenimento, sob a autoridade do Estado comunista.
8. Não é surpresa que os Estalinistas e afins, e os seus partidos no Ocidente, exijam hoje exatamente o contrário; e não só nas suas exigências "institucionais" ou político-legais, mas também nas suas exigências "estruturais" ou económico-sociais. Isto permite que as suas ações decorram em paralelo com as do partido que lidera o Estado russo e as que lhe estão ligadas, no qual a tarefa de transformação social é efetuar a passagem do pré‑capitalismo ao capitalismo pleno, com toda a sua bagagem de exigências económicas, sociais, políticas e ideológicas, todas orientadas para o zénite burguês: e vendo com horror apenas o restos feudais e medievais. Estes renegados imundos no Ocidente são muito mais desprezíveis porque esse perigo, ainda hoje físico e real em partes da Ásia em tumulto, não existe, como qualquer um pode ver, na capitalarquia triunfante através do Atlântico, cujos proletários definham sobre as botas civis, liberais e nacional-unitárias deste último.
1.Além de evitar uma abordagem eclética nas táticas do Partido, a posição da esquerda comunista deve ser claramente diferenciada da simplificação vulgar daqueles que reduzem toda a luta ao dualismo para sempre e em todo o lado repetido de duas classes convencionais, as únicas a agir. A estratégia do movimento proletário moderno consiste em linhas precisas e estabelecidas aplicáveis a cada hipotética ação futura, que estão relacionadas com as distintas "áreas" geográficas em que o mundo habitado está dividido, e com ciclos temporais distintos.
2. A primeira área clássica em que a interação de forças deu origem à teoria irrevogável do curso da revolução socialista foi a Inglaterra. A partir de 1688 a revolução burguesa suprimiu o poder feudal e erradicou rapidamente as formas feudais de produção, a partir de 1840 a conceção marxista da interação de três classes básicas podia ser deduzida: propriedade fundiária burguesa; capital industrial, comercial e financeiro; e o proletariado a lutar contra estas duas.
3. Na Europa Ocidental (França, Alemanha, Itália, países mais pequenos) a luta burguesa contra o feudalismo dura de 1789 a 1871, no decurso da qual surgem situações em que o proletariado se alia à burguesia quando esta se envolve numa luta armada para derrubar o poder feudal; mas é uma aliança em que os partidos dos trabalhadores já se recusam a ter a sua ideologia confundida com a das apologias económicas e políticas da sociedade burguesa.
4. Em 1866, os Estados Unidos da América encontram‑se na situação em que a Europa Ocidental estará após 1871, depois de ter destruído formas capitalistas espúrias através da sua vitória sobre o Sul rural e pró‑escravidão. A partir de 1871, os marxistas radicais de toda a região euro‑americana rejeitam todas as alianças e coligações com partidos burgueses, seja por que motivo for.
5. A situação anterior a 1871, tal como no ponto 3, durou na Rússia e noutros países da Europa de Leste até 1917, e aqui foi lançado o desafio já familiar a partir de 1848, na Alemanha: provocar duas revoluções, e consequentemente lutar para cumprir também as tarefas da revolução capitalista. A condição para passar diretamente para a segunda revolução proletária era uma revolução política no Ocidente. Isto não ocorreu, embora a classe proletária russa tenha conseguido capturar o poder político por si só, e segurá‑lo durante alguns anos.
6. Enquanto hoje se pode considerar que na Europa Oriental o modo de produção e intercâmbio capitalista suplantou o modo feudal, na Ásia a revolução contra o feudalismo, e mesmo regimes ainda mais antigos, está em pleno andamento, conduzida por uma frente revolucionária unida de burgueses, pequenos burgueses e classes trabalhadoras.
7. A análise até agora realizada ilustra amplamente que estas tentativas de dupla revolução tiveram resultados históricos diferentes: vitória parcial e vitória total, derrota no terreno insurrecional acompanhada de uma vitória no terreno sócio-económico e vice‑versa. O que as semi‑revoluções e as contra-revoluções ensinam o proletariado é fundamental. Entre os muitos exemplos, os clássicos são: Alemanha depois de 1848 – dupla derrota insurrecional para burgueses e proletários, vitória social da forma capitalista e estabelecimento gradual do poder burguês; Rússia depois de 1917 – dupla vitória insurrecional para burgueses e proletários (Fevereiro e Outubro), derrota social da forma socialista, vitória social da forma capitalista.
8. A Rússia, pelo menos a sua parte ocidental, tem hoje um mecanismo de produção e comércio completamente capitalista, cuja função social se reflete politicamente num partido e num governo que levou a cabo todas as estratégias possíveis para se aliar aos partidos e Estados burgueses ocidentais. O sistema político russo é um inimigo direto do proletariado, e não é possível conceber qualquer aliança com ele, entendendo‑se no entanto que trazer a vitória da forma capitalista de produção é um resultado revolucionário.
9. No que respeita aos países asiáticos, onde a economia agrária localizada de tipo patriarcal e feudalista ainda predomina, a luta das "quatro classes", que também é política, é um fator de vitória da luta comunista internacional, mesmo quando a curto prazo o resultado é o estabelecimento de potências nacionais e burguesas, quer através da formação de novas regiões onde as exigências socialistas estarão em condições de ser viabilizadas mais tarde, quer através dos golpes que estas insurreições infligem ao imperialismo euro‑americano.
1. Uma vez que concordamos na maneira de avaliar a fase global que veio depois da Segunda Guerra Imperialista, com o entendimento claro de que a consolidação após duas vitórias das potências capitalistas imperialistas centrais não coexiste com um Estado Operário igualmente consolidado com um socialismo ainda em desenvolvimento, nem poderia; a sua relação é, na realidade, aquela entre formas maduras de capitalismo e formas mais jovens e novas, formas que se podem encontrar tanto no seio da economia mercantil global como em conflitos armados, a fim de obter acesso a mercados com muitos pontos de fratura possíveis; deve‑se tomar assim atenção à transição no Ocidente do capitalismo completamente desenvolvido para a sociedade socialista: uma revolução que não será da dupla e assim “impura”, mas que será puramente socialista.
2. Tal como os dados sobre a economia social russa na versão "oficial" de Estaline foram identificados cientificamente por nós próprios como àqueles que classicamente definem o capitalismo, eliminando as duas teses de que ou a economia Russa ou é socialista ou alguma forma "nova" anteriormente desconhecida do marxismo (a segunda tese é ainda pior do que a primeira), o mesmo acontece com os dados sobre a economia no Ocidente e em particular na América, que é aceite como a fonte "oficial" de propaganda imunda no "mundo livre", inteiramente em consonância com a descrição marxista do capitalismo, do qual se pode deduzir o curso inevitável – que se baseia em toda a apologia sobre equilíbrio e progresso – das crises de produção doméstica, guerras para obter e dominar mercados, colapso revolucionário, a destruição do Estado capitalista, ditadura proletária e eliminação de formas de produção burguesas.
3. Uma vez instalado, o modo de produção capitalista só se pode sustentar através da expansão contínua, não da dotação do tipo de recursos e sistemas que melhorariam a vida das pessoas através da redução dos riscos, do sofrimento e do excesso de trabalho, mas sim da massa de mercadorias produzidas e vendidas. Uma vez que a população cresce a um ritmo mais lento do que a massa de produtos, é necessário converter as massas em grandes consumidores (o que consumem é irrelevante), e em novos meios de produção, num ciclo repetido infinitamente. Esta é a característica essencial do capitalismo, inseparável do aumento do poder produtivo dos mecanismos materiais que a ciência e a tecnologia têm disponibilizado. Qualquer outra característica relativa à composição estatística das classes, e à interação, sem dúvida influente, das superestruturas administrativas, legais, políticas, organizativas e ideológicas, é meramente secundária e acessória, e não altera os termos da sua antítese fundamental ao modo de produção comunista, que está contida inalterável e invariável, desde a época do Manifesto de 1848, na doutrina revolucionária do proletariado.
4. Em toda a economia global, os indicadores característicos do aparecimento do capitalismo e do processo capitalista, tal como estabelecido na analise monolítica de Marx, têm ocorrido repetidamente e intensificaram‑se: expropriação contínua e implacável de todos aqueles que possuem reservas de mercadorias e meios de produção (artesãos, camponeses, pequenos e médios comerciantes, industrialistas, açambarcadores), de acordo com as leis derivadas principalmente dos ciclos do capitalismo inglês. E quanto à acumulação de capital: uma massa que aumenta, tanto em termos absolutos como relativos, os instrumentos de produção, continuamente (e inutilmente) adicionados e substituídos; concentração em cada vez menos "mãos", em vez de "cabeças" (conceito pré‑capitalista) destas forças sociais em gigantescos complexos fabris e empresas produtivas, antes desconhecidas. Expansão desenfreada, depois da formação de mercados nacionais, de uma expansão global: dissolução dos últimos enclaves de consumo direito de mão-de-obra do mundo.
5. Esta série de confirmações de um ritmo muito mais rápido do que até os nossos teóricos esperavam é fornecida, antes de mais, pelos dados sobre a economia americana, pelos números de produção dos Estados Unidos e pelo contínuo aumento do consumo interno naquele país. A questão é: poderá esta sociedade continuar a desenvolver‑se ad infinitum, sem quaisquer perturbações, ou será que devemos esperar, em vez disso, abalos súbitos, crises profundas e ondas de choque que abalam o sistema até ás? Para não falar da instabilidade que existe a todos os níveis deste período pós‑guerra frenético, duas enormes guerras mundiais, e uma enorme crise entre guerras que afetou todo o sistema económico são respostas suficientes, abalando a imagem desta sociedade dita próspera, supostamente a caminho do equilíbrio do nível de vida e da riqueza individual, composta inteiramente por uma classe média sem extremos de pobreza ou riqueza, e, além disso, sem quaisquer lutas sindicais ou quaisquer partidos com programas anti‑constitucionais. Hoje em dia, mesmo a avaliação mais banal da subestrutura americana admitiria que o velho Estado administrativo federal, não burocrático e não militar, que costumava ser contrastado com as potências europeias belicosas que lutavam pela hegemonia, está morto e enterrado. Os números da América a este respeito, tanto em termos absolutos como relativos, ultrapassam por muito qualquer outra parte do mundo, em qualquer altura da história humana.
6. A descrição de tal economia, mesmo que nós só consideremos as relações domésticas por agora, que são consideradas estáveis dentro da instabilidade reconhecida das questões internacionais (tendo sido renunciada a antiga teoria de não se meter nos assuntos dos outros países que "nada têm a ver" com a América!) leva diretamente a todas as leis marxistas e à condenação histórica do modo de produção capitalista, que ninguém pode parar no seu curso que leva à catástrofe e à revolução. A enorme rede de fábricas e industrias da América, a maior do mundo, e a industrialização de todas as esferas de atividade, revelam uma sociedade que ultrapassou todas as outras no que diz respeito ao poder do "trabalho morto" (Marx), ou seja, o capital cristalizado em máquinas, edifícios e a massa de material bruto e semi‑trablhado, sobre o "trabalho vivo", ou seja, a atividade incessante de pessoas vivas envolvidas na produção. Toda a gabagem sobre a liberdade no plano jurídico não pode disfarçar o peso e a pressão deste cadáver, que governa os seres vivos.
7. O facto que a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores é considerada apenas como a quantidade do seu consumo, reduzido a uma medida equivalente de valor, apenas serve para confirmar as leis marxistas relativas ao aumento da produtividade do trabalho. As estatísticas em torno de certas datas-chave (1848, 1914, 1929, 1932, 1952) são chocantes, mas continuam a confirmar o nosso ciclo previsto. Se daqui a dez anos é dito de que os salários subiram 280% enquanto o custo de vida aumentou 180%, significa que o trabalhador com o seu salário de 380 pode comprar 280, ou seja, a melhoria é reduzida para 35%. Durante o mesmo período, foi admitido que a produtividade aumentou 250%! Portanto, o trabalhador que dá três vezes e meia mais recebe apenas um e um terço: a exploração e a mais‑valia subiram enormemente. Tudo isto deixou bem claro que a lei do aumento do empobrecimento não significa uma redução dos salários nominais ou reais, mas sim que uma maior quantidade de mais‑valia foi extorquida e um maior número de pessoas teve as suas últimas reservas expropriadas.
8. O aumento da produtividade do trabalho, que ao longo do ciclo do capitalismo na América foi dezenas de vezes superior, significa que com o mesmo tempo de trabalho dezenas de vezes mais produtos podem ser processados do que antes. Em tempos, o capitalista costumava fazer avançar o seu capital na proporção de uma unidade de trabalho para uma de matérias-primas; agora é um de trabalho para dez ou vinte de matérias-primas. Se a sua margem de lucro se mantivesse na mesma proporção do valor do produto vendido, o seu lucro seria igualmente dez ou vinte vezes maior. Mas para que tal aconteça, essa quantidade de produto, dez ou vinte vezes maior tem toda de encontrar compradores. E assim o capitalista contenta‑se com uma "taxa de lucro" menor e aumenta a remuneração dos trabalhadores, digamos que duplica o seu valor real por cada dez aumentos de produtividade: ao mesmo tempo, o preço de venda desce porque a mercadoria contém duas e não dez unidades de trabalho, e os clientes são encontrados entre o seu próprio pessoal. Aqui temos a lei da queda na taxa de lucro com o aumento da produtividade do trabalho e com a composição orgânica do capital (a parte constante em relação ao todo) melhorada. Agora todas as deduções sobre a impossibilidade de este sistema se arrastar indefinidamente dependem da verificação da lei da taxa de lucro decrescente (lei abandonada por Estaline, imprudentemente ou pro‑capitalisticamente, como provado no nosso Diálogo com Estaline).
Contra estas posições, e cada vez mais na medida em que se tornam mais importantes e óbvias, os comunistas têm a sua própria posição: deixem o trabalho vivo prevalecer sobre o trabalho morto! Que o aumento da produtividade seja convertido não numa quantidade equivalente de produtos inúteis (quando não são até prejudiciais), o que é uma loucura, mas na melhoria das condições de trabalho vivo, reduzindo drasticamente a duração do dia de trabalho.
9. A América, que em 1850 Engels já tinha definido como um país em que a população duplica a cada vinte anos, é também o país onde a produtividade triplica a cada dez anos, sendo assim multiplicada por seis a cada vinte anos (ou, no sonho de Estaline da lei da progressão geométrica, nove vezes); mas isto não significa que o socialismo "europeu" não seja aplicável aí, mas sim que está muito mais próximo da crise de sobreprodução e mais exposto à pressão explosiva do capitalismo.
Ao tornar o crédito mais disponível para os proletários, que ficam assim habilitados a comprar artigos de luxo que pagarão depois, os proletários transformam‑se, num sentido económico, em “pedintes” aperfeiçoados, sem poupanças a que se possa recorrer: os balanços proletários já não se limitam agora a possuir nada, mas sim a hipotecar uma massa de mão-de-obra futura para voltar a não dever nada: na verdade, uma espécie de escravatura parcial. A nível social, todo este consumo corresponde a redes de influência, muitas vezes de natureza corrupta e degenerada, que servem os interesses da classe dominante, fomentando assim as tendências e ideologias habituais que mais lhe convêm. Os monstros da publicidade e da máquina publicitária constrangem o proletariado a utilizar os seus ganhos excedentes para comprar artigos de consumo que encapsulam ilusões falsas e muitas vezes perigosas. Para além do despotismo do capital nas fábricas, a liberdade pessoal desta América próspera acrescenta mais despotismo e ditadura sobre a classe explorada através do consumo "embalado" estandardizado; é uma ditadura que funciona criando necessidades absurdas para manter os trabalhadores ocupados nos seus tempos livres e para manter as rodas do comércio a girar.
O mesmo efeito é conseguido através da atribuição de uma pequena parte dos dividendos da fábrica para complementar os salários anuais. As estatísticas relevantes indicam que mesmo nos melhores cenários os ganhos adicionais não ultrapassam 5%, o que é recuperado muito rapidamente do "acionista" ingénuo que foi enganado a trabalhar ainda mais arduamente.
10. A teoria das crises recorrentes e cada vez mais graves tem como base o aumento da produtividade e o declínio da taxa de lucro. Só se tornará redundante quando esses indicadores característicos do curso do capitalismo deixarem de existir. Este último não pode certamente ser dito para a América, e o mesmo se aplica às nossas indústrias [italianas. ed], onde por exemplo no sector do aço querem que cada trabalhador produza não 80 toneladas por ano como agora, mas 200 toneladas como na América. Quem não preferiria 4% de 200 em vez de 5% de 80?
A crise económica intrínseca, ou seja, da América "abstracta" (como disse Marx) que teve de comer tudo o que produz, foi formulada e representada graficamente em todas as suas curvas implacáveis e inexoráveis. Um modelo baseado em mercadorias que oscilam em torno do custo médio do pão leva‑nos a concluir que hoje um quilo de pão que o trabalhador adquire com a remuneração durante 6 minutos do seu tempo de trabalho requereria 17 minutos em 1914. Não há duvida que a população operária aumentou significativamente como proporção à população no seu todo. Então, como irão os cidadãos americanos engolir três vezes a quantidade de pão que comeram em 1914, talvez dez vezes mais do que em 1848? Para evitar que fiquem cheios, recomendamos a ficarem‑se pelos croissants! A certa altura, por um lado nem um quilo a mais de pão será vendido, e por outro o trabalhador será despedido, e não poderá comprar pão de qualquer maneira. É por isso que ainda virão mais sexta-feiras negras, e serão cada vez mais negras.
11. Uma solução é encher de pão os povos que até agora comiam milhete, arroz e bananas (talvez os Mau‑Maus estavam errados?). E para fazeres isto, começas por bombardear qualquer pessoa que o impeça de descarregar a sua carga, e depois bombardeia‑se o milhete, o arroz e os vendedores de banana. É assim que o imperialismo funciona. Se a teoria marxista das crises e catástrofes continua a encaixar como uma luva, o mesmo acontece com as suas teorias sobre imperialismo e guerra; e os dados de 1915 que Lenine utilizou para escrever o Imperialismo são hoje fornecidos pelas estatísticas americanas que são dez vezes mais virulentas.
Entre outras coisas, estas estatísticas fazem uma comparação entre o nível de vida na América e nos outros países que a seguem; primeiro os seus aliados, depois os inimigos. Se um quilo de farinha vale 4 desses seis minutos de tempo para obter pão na América, vale 27 na Rússia, segundo as estatísticas americanas. Mesmo que o valor para a Rússia seja realmente menor, o que é certo é que na zona oriental as leis de aumento da produtividade, sobre a composição do capital e a taxa decrescente, ainda têm um longo caminho a percorrer, muito para a consternação daqueles que leram mal as condições e as escalas temporais da revolução.
Tendo posto a primeira peça de artilharia no seu sitio certo e lançado o primeiro V2, talvez da lua, o que é certo é que se tem de atacar mesmo no coração do sistema americano para travar a louca expansão do consumo e da produção, mostrando que é verdade que "o homem não vive só de pão", mas que se esse homem pode produzir o seu pão diário em seis minutos, então se trabalha mais de duas horas para isso não é homem mas sim um idiota total!
12. A questão de saber por que razão não existe um partido comunista com um programa revolucionário sem compromissos na América, embora tal programa seja eminentemente relevante e as condições tenham amadurecido ao ponto de o colapso total parecer possível, é um grande problema histórico que tem implicações globais. A terceira onda oportunista que dividiu o movimento marxista no período imediatamente após a Primeira Guerra Mundial teve três aspetos: desenvolvimento do capitalismo na Rússia, sem passar ao comunismo; abandono das exigências comunistas pelo Estado político russo; política de alianças militares por este último e de alianças políticas pelos partidos associados a este no Ocidente em busca de exigências burguesas e democráticas.
A transição abrupta do elogio ao regime capitalista americano como amigo e salvador do proletariado global para a sua denúncia como inimigo da classe trabalhadora, como se só se tivesse tornado tal em 1946, estava destinada a sabotar ainda mais a preparação revolucionária do proletariado na América, e a colocar obstáculos ao desenvolvimento de um verdadeiro partido de classe. Só será possível sair desta situação dando todos os passos seguintes: demonstrando que não há socialismo nenhum a ser construído na Rússia; que se o Estado russo entrar em guerra não será pelo socialismo mas por causa de rivalidades imperialistas; e sobretudo que no Ocidente democrático, os objetivos populares ou progressistas não só não interessam à classe trabalhadora como servem na realidade para dar vida ao sistema capitalista em putrefação.
13. Neste longo trabalho de reconstrução, que tem de se manter a par do avanço da crise da forma de produção ocidental e americana para a qual todas as condições objetivas decisivas foram satisfeitas, e que, independentemente das mudanças políticas que sejam feitas a nível doméstico ou global, só podem ser adiadas por uma questão de décadas, não devemos sucumbir à miragem de que novos dispositivos ou métodos concebidos pelos ditos estudiosos da história possam fornecer uma explicação melhor do que a da analise marxista original, que, se corretamente compreendida e observada, será vista como já tendo sido confirmada pelos acontecimentos históricos. As condições que moldam a ideologia, a consciência e a vontade não são um problema diferente ou que é regulado por influências diferentes daquelas sob as quais os acontecimentos, interesses e forças tomam forma.
O partido comunista luta pela situação futura em que menos tempo de trabalho será gasto na produção do essencial da vida, e trabalha para esse resultado futuro, utilizando todos os desenvolvimentos reais como alavanca. Essa conquista que parece bastante mesquinha quando expressa em horas, reduzida a um mero cálculo material, representa uma vitória gigantesca, a maior possível, comparada à necessidade de todos se escravizarem para poderem viver. Também então, com o capitalismo e a divisão em classes reprimida, a espécie humana continuará a estar sujeita às necessidades ditadas pelas forças naturais, e a "liberdade", como absoluto filosófico, continuará a ser uma ilusão louca.
No turbilhão do mundo atual, todos aqueles que, em vez de procurar o fio condutor desta visão impessoal das condições futuras, trabalhado ao longo de gerações, preferem inventar remédios novos com a sua imaginação parva e ditar novas fórmulas, devem ser considerados piores do que piores conformistas e servidores do sistema capitalista e aqueles que pregam a sua eternidade.