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Partido Comunista Internacional
(“Teses de Milão”, Abril de 1966)
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2. O movimento, agora muito pequeno, compreende perfeitamente que a fase histórica sombria que atravessou torna muito difícil, a uma distância histórica tão grande, utilizar as experiências das grandes lutas do passado, e não apenas as de vitórias triunfantes, mas também as lições que vêm de derrotas sangrentas e retiradas ingloriosas. A forja do programa revolucionário, moldado pela perspetiva correta e não-degenerada da nossa tendência, não se limita ao rigor doutrinário e à crítica histórica aprofundada; precisa também, como seu sangue vital, de se ligar às massas revoltadas naqueles momentos em que, empurradas para os limites, são forçadas a lutar. Uma tal ligação dialética é hoje particularmente improvável, com o impulso das massas amortecido e atenuado, devido tanto à flacidez da crise do capitalismo senil, como à triste influencia das correntes oportunistas. Mesmo aceitando as dimensões restritas do partido, temos de perceber que estamos a preparar o verdadeiro partido, sólido e eficiente ao mesmo tempo, para o período memorável em que as infâmias do tecido social contemporâneo obrigarão as massas insurrecionarias a tornarem-se outra vez o protagonista da história; um ressurgimento que poderá mais uma vez falhar se não houver partido; um partido compacto e poderoso, o autentico órgão indispensável da revolução, em vez de um inflado em números.
Por muito dolorosas que sejam as contradições deste período, elas podem ser ultrapassadas tirando as lições dialéticas das amargas desilusões de tempos passados, e assinalando corajosamente os perigos que a Esquerda advertiu, e denunciou à medida que apareciam, juntamente com todas as formas insidiosas em que a sinistra infeção oportunista se revela uma e outra vez.
3. Com este objetivo continuaremos a desenvolver o nosso trabalho de apresentação crítica das batalhas passadas da Esquerda revolucionária e marxista e das suas respostas contínuas às ondas históricas de desvio e desorientação que bloquearam o caminho da revolução proletária durante mais de um século. Referindo-se às fases em que estavam presentes as condições para uma luta de classes realmente amarga, mas em que faltavam os fatores decisivos da teoria e estratégia revolucionária, e sobretudo referindo-se aos acontecimentos históricos que liquidaram a Terceira Internacional (justamente quando parecia que o ponto decisivo de viragem tinha finalmente chegado) e as posições críticas que a Esquerda assumiu para afastar o perigo eminente, e a catástrofe que infelizmente se seguiu, poderemos consagrar lições que não são, nem afirmam ser, receitas para o sucesso, mas servem antes como admoestações severas para nos ajudar a proteger-nos contra esses perigos e fraquezas, e as armadilhas a que deram origem, duma época em que a história muitas vezes causou a queda de forças que pareciam dedicar-se à causa do avanço revolucionário.
4. Os breves pontos exemplificados que se seguem não devem ser vistos como referindo-se diretamente a erros ou dificuldades que podem ameaçar o trabalho atual; eles apenas querem ser mais um contributo para a transmissão da experiência das gerações passadas, construída num período em que já existia uma muito boa restauração da doutrina correta (ditadura proletária na Rússia; trabalho de Lenine e dos seus seguidores no campo teórico; fundação da Terceira Internacional no campo prático) e a batalha revolucionária dos partidos comunistas, com uma ampla participação das massas, foi em todo o mundo como em Itália no seu ponto mais alto. Estes resultados jogam hoje com uma forte "mudança de fase" no sentido histórico e cronológico, mas a sua correta utilização continua a ser uma condição vital, tanto hoje e certamente num amanhã mais fértil.
5. Uma característica fundamental do fenómeno que Lenine nomeou, marcando-o com um ferro em brasa, com um termo que também está em Marx e Engels, o oportunismo, é a preferência duma forma de luta mais curta, mais confortável e menos árdua, comparada com a mais longa, desconfortável e cheia de dificuldades; sobre a qual só a correspondência com a afirmação dos nossos princípios e programas, isto é, dos nossos propósitos supremos, no campo do desenvolvimento da ação prática imediata e direta, na situação real atual, pode ter lugar. Lenine tinha razão quando disse que a proposta tática de renunciar a partir desse momento (fim da primeira guerra) à ação eleitoral e parlamentar, não deveria ser apoiada pelo argumento de que a ação comunista e revolucionária no parlamento era tremendamente difícil, pois uma insurreição é muito mais difícil, tal como é controlar de forma duradoura a complexa transformação económica do mundo social, violentamente arrancado ao capitalismo. A nossa posição era que era perfeitamente óbvio que a preferência dos métodos democráticos derivava duma tendência para escolher os ritos confortáveis da ação legalista, em vez da dureza trágica da ação ilegal; e que tal prática só poderia conduzir o movimento inteira de volta ao erro fatal da social-democracia, do qual tínhamos acabado de sair por esforços heroicos. Sabíamos, como Lenine, que o oportunismo não é de natureza moral ou ética, mas sim indica a prevalência de ideais das classes médias entre os trabalhadores (como Marx e Engels notaram na Inglaterra do século XIX), e assim mais ou menos conscientemente inspiradas pelas ideias essencias, ou seja, os interesses sociais, da classe dominante. A posição poderosa e generosa de Lenine sobre a ação parlamentar, a fim de apoiar a destruição violenta do sistema burguês, e do próprio sistema democrático, substituindo a democracia formal pela ditadura de classe, deu origem, em vez disso, sob os nossos próprios olhos, à sujeição dos deputados proletários às piores influências das fraquezas pequeno-burguesas, resultando no repúdio do comunismo e mesmo na traição venal, ao serviço do inimigo.
Tal analise histórica, realizado no espaço de uma escala histórica imensa (embora possa parecer que uma generalização tão ampla não está contida no ensino de Lenine, pois ele foi como nós um aluno da história), avisa o partido para evitar qualquer decisão ou escolha que seja sugeria como maneira de obter bons resultados com menos trabalho ou sacrifício. Tal sentimento pode parecer inocente, mas representa bem a natureza negligente da pequena burguesia, e obedece à norma fundamental da burguesia de obter o máximo lucro com o menor custo.
6. Outro aspeto constante e recorrente do fenómeno oportunista, da maneira que se ergueu na Segunda Internacional e que hoje triunfa depois da ruína ainda pior da Terceira, é o de mostrar ao mesmo tempo, tanto o pior desvio dos princípios partidários, como uma admiração fingida pelos textos clássicos, pelas palavras e pelo trabalho dos grandes mestres e chefes. Um carácter constante de hipocrisia pequeno-burguesa é o louvor servil do poder do grande líder vitorioso, da grandeza dos textos de autores famosos, da fluência do eloquente orador; enquanto que na prática são exibidas as degenerações mais desprezíveis e contraditórias. Um corpo de teses é portanto inútil, se aqueles que o acolhem com um entusiasmo puramente literário não forem capazes depois, em ação prática, de compreender o seu espírito e de o respeitar; e tentarem disfarçar o seu desvio do mesmo, através de uma aderência acentuada mas platónica ao texto teórico.
7. Outra lição que podemos retirar dos acontecimentos da vida da Terceira Internacional (nos nossos escritos são repetidamente recordados em denúncias contemporâneas feitas pela Esquerda), é a da vaidade do "terror ideológico", um método horrível em que se tentou substituir o processo natural de difusão da nossa doutrina através do contacto com a dura realidade num contexto social, com indoutrinação forçada de elementos obstinados e confusos, quer por razões mais poderosas que o partido e dos homens, quer devido a uma evolução defeituosa do próprio partido, humilhando-os e mortificando-os em congressos públicos abertos mesmo ao inimigo, mesmo que tivessem sido líderes e expoentes da ação do partido durante importantes episódios políticos e históricos. Tornou-se habitual obrigar tais membros (principalmente com a ameaça de despromoção para posições menos importantes no aparelho da organização) a confessar publicamente os seus erros, imitando assim os métodos fideísticos e pietistas de penitência e mea culpa. Por meios tão desgraçademente filisteus como estes, que tresandam a moralidade burguesa, nem um único membro do partido melhorou, nem foi encontrada uma cura para a decadência iminente do partido.
Num partido revolucionário, que avança inexoravelmente para a vitória, obedecer às ordens tem de ser espontâneo e completo, mas não cego ou obrigatório. De facto, a disciplina centralizada, como ilustrado nas nossas teses e documentação de apoio associada, equivale a uma perfeita harmonia dos deveres e ações da fileira com os do centro, e as práticas burocráticas de um voluntarismo anti-marxista não são um substituto para isto.
A importância desta lição na perspetiva correta do centralismo orgânico, é assinalada pela terrível memória das confissões, em que grandes líderes revolucionários foram obrigados a confessar acusações completamente fictícias antes de serem mortos nas purgas de Estaline; e das "auto-críticas" inúteis em que foram forçados pela chantagem de serem expulsos pelo partido e desonrados como vendidos ao inimigo; tais infâmias não tendo sido reparadas pelo método igualmente burguês das "reabilitações". O abuso crescente de tais métodos apenas marca o caminho triunfal desastroso da última onda de oportunismo.
8. Devido às exigências da sua própria ação orgânica, e para assegurar uma função coletiva que vai além e deixa para trás todo o personalismo e individualismo, o partido deve distribuir os seus membros entre as várias funções e atividades que constituem a sua vida. A rotação de camaradas em tais funções é um facto natural, que não pode ser regulado por regras análogas às que dizem respeito às carreiras no seio das burocracias burguesas. No partido não há concursos em que os seus membros concorram para posições cada vez mais prestigiadas e de maior visibilidade pública; pelo contrário, o nosso objetivo é atingir os nossos objetivos organicamente. Isto não tem nada a ver com a apologia da divisão burguesa do trabalho, mas sim um caso do complexo e articulado órgão partidário que se adapta naturalmente à sua função.
Sabemos bem que a dialética histórica leva todos os organismos em luta a melhorar os seus meios ofensivos, através da utilização das técnicas do inimigo. Na fase de luta armada, os comunistas terão, portanto, uma organização militar, com esquemas hierárquicos precisos, que assegurarão os melhores resultados possíveis para a ação comum. Tal verdade não será inutilmente apurada na atividade de cada partido, com referência também aos não-militares. A transmissão de instruções deve ser inequívoca, mas esta lição da burocracia burguesa não pode fazer-nos esquecer como ela pode ser corrompida e degenerada, mesmo quando adotada dentro dos organismos dos trabalhadores. A organicidade do partido não exige que cada camarada veja noutro camarada, especificamente nomeado para transmitir instruções vindas de cima, a personificação do formulário do partido. Tal transmissão entre as moléculas que compõem o partido tem sempre, ao mesmo tempo, uma dupla direção; e a dinâmica de cada unidade individual está integrada na dinâmica histórica do todo. O abuso de formalismos organizacionais sem razão vital foi e será sempre um defeito e um perigo suspeito e estúpido.
9. O capitalismo, o método de produção atual, com o seu mito da propriedade privada ser um direito humano, que mistifica e disfarça a dominação duma classe pequena, precisava de grandes nomes cada vez mais notários para marcar os nós das suas estruturas e as fases da sua evolução – e a involução de hoje. Na longa época da burguesia, cuja história pouco auspiciosa repousa como um jugo pesado sobre os nossos ombros rebeldes, no início o homem mais valente e mais forte costumava ganhar grande fama e aspirar ao máximo de poderes; hoje, neste filisteísmo pequeno-burguês predominante, aqueles que se tornam importantes são talvez os mais cobardes e fracos, pois só é possível ter esse “sucesso” com métodos da publicidade sujos.
Entre as muitas tarefas dentro do difícil mandato do partido está o seu esforço atual para se livrar, de uma vez por todas, do impulso traiçoeiro que parece emanar de pessoas bem conhecidas, e da função desprezível de fabricar, para atingir os seus objetivos e vitórias, uma fama estúpida e publicidade através de outros nomes conhecidos. O partido em cada uma das suas várias voltas e reviravoltas nunca deve vacilar na sua decisão de lutar corajosa e decisivamente por tal resultado, considerando-o como sendo a verdadeira antecipação da sociedade do futuro.