Partido Comunista Internacional


Guerra imperialista na Ucrânia



 1     As Manobras das Potências Imperialistas na Ucrânia: As preparações para a futura guerra mundial (Il Partito Comunista 364/2014)
 2     Na Ucrânia: Como Nacionalismos crus são usados como uma cortina de fumo para um conflito intra-imperialista (Il Partito Comunista 365/2014)
 3     As Manobras de guerra na Europa (Il Partito Comunista 367/2014)
 4     O proletariado ucraniano tem de lutar contra as frentes imperialistas russa e Ocidental e pela Revolução Internacional Comunista de amanhã (Il Partito Comunista 364/2014)






1- As Manobras das Potências Imperialistas na Ucrânia: As preparações para a futura guerra mundial

Com 603,700 quilómetros quadrados de território, a Ucrânia é um pouco maior do que a França. É um país agrícola enorme, com o seu planalto central vasto, regado pelo Dniepr e o seu solo preto fértil. Além disso, é um exportador predominante de milho. Em 2011, a França produziu 64 milhões de toneladas de cereais comparado com os 51 milhões produzidos pela Ucrânia. É previsto que o país exportará cerca de 28 milhões de toneladas entre 2013 e 2014.

A Ucrânia partilha fronteira com a Rússia no Leste, a Bielorrússia no Norte, a Polónia no Oeste e com a Hungria, Moldávia e a Roménia no Sul ao largo do Mar Negro. O país ocupa um espaço geopolítico crucial, servindo como uma barreira entre a Europa Central e a Rússia, além de servir como um ponto de passagem com a Crimeia para o Mediterrâneo.

Após o desmembramento do Império Russo/a velha URSS em Dezembro de 1991, devido à crise do capitalismo russo, as Repúblicas Soviéticas separaram. Entre estas, as mais notórias foram a Rússia, a Ucrânia e os estados Bálticos. Mas, também é importante sublinhar que foram primeiro os estados mais ricos que queriam e organizaram a sua secessão em vez dos estados muçulmanos a sul da Rússia, que eram tratados como colónias. A América previa erradamente que os estados mais pobres seriam os primeiros a entrar em secessão. O sistema de regularização e ajuste das riquezas da URSS em favor das repúblicas mais pobres tornou-se num fardo demasiado grande para os estados-membro mais ricos.

A crise terrível de produção excessiva que atingiu as economias destes países antes de 1998 foi a causa de um grande declínio na produção agrícola e industrial. Na Rússia, os níveis de produção industrial caíram 56%! Tais níveis foram piores do que a Grande Depressão que atingiu a América entre 1929 e 1932 (-43%)!

Não sabemos os números de produção da Ucrânia durante esse período, mas as estimativas do PIB sugerem que a profundidade da crise chegou aos 60% em 1999. Entre os anos de 2000 e 2007, a produção agrícola e industrial ucraniana teve uma recuperação vigorosa, tal como na Rússia, com um aumento anual médio na produção acima de 9%.

Todavia, apesar desta tendência positiva, os níveis de produção industrial não conseguiram alcançar os níveis de 1989. Tal facto é mais notável na revisão do valor constante do PIB de 2007 que representava apenas 70% dos níveis em 1989. Num caso semelhante, os níveis de produção industrial russos de 2008 apenas corresponderam a 82% dos níveis em 1989.

A crise provocou uma vaga enorme de emigrações. A população de 52,179,210 (1993) caiu para 45,593,300 em 2012. Este é outro fator indicativo da gravidade da crise e o sofrimento que o povo teve de aceitar. Para o proletariado e as classes médias, era como se estivessem em tempos de guerra.

Todavia, tal como a Rússia e nos estados Bálticos, a Ucrânia lucrou com os investimentos de capital que não foram gastos na Europa Ocidental ou na América do Norte que permitiram modernizar a sua base industrial e agrícola.

Hoje em dia, a Ucrânia possui um setor industrial sólido, principalmente nas áreas da mineração e da manufatura, com mão-de-obra altamente qualificada com salários equivalentes aos de trabalhadores Chineses. As suas exportações principais consistem de produtos de aço (principalmente tubos para gasodutos e oleodutos) e produtos da indústria mecânica tal como motores para aviões e helicópteros – uma indústria vital para a Rússia e a China. Além disso, também exportam principalmente produtos químicos desde coque de petróleo a fertilizantes, ácido sulfúrico (entre outros) e armas, sobretudo para a China.

A Ucrânia beneficiou ao longo deste período de modernização do seu setor agrícola e da privatização dos Kolkhozes que serviam de centros de conservadorismo social, ao demarcar-se como um país exportador de cereais. A economia lucrou com 17,61 mil milhões de dólares de exportações para a Rússia e 17,06 mil milhões de dólares de exportações para a União Europeia (mais ou menos o mesmo para ambos) só em 2012.

A recessão global de 2007-2008 atingiu a Ucrânia com gravidade, com a sua produção industrial contraindo 5% em 2008 e 22% em 2009, ou seja, 27% em apenas dois anos. Além disso, enfrentou um défice comercial externo crónico, que já tinha começado a aumentar desde 2005. Isto foi agravado pela tentativa falhada das autoridades ucranianas de manter a moeda ucraniana, o Hryvnia, a níveis inflacionados. Em 2009, a Rússia acabou com os seus “preçários fraternais” e voltou a vender gás ao preço do mercado internacional – talvez até mais alto comparado com o preço pago pela Alemanha – expresso em dólares. Os bancos e negócios ucranianos já tinham contraído dívidas em moedas estrangeiras, principalmente em dólares e euros, e metade da dívida pública também era expressa em dólares. Portanto, para evitar o aumento das dívidas relacionadas com o gás e piorar a conta atual, o banco central manteve a paridade a um nível elevado em relação ao dólar americano (esta sendo a mesma ação tomada pela Argentina antes da crise de 2001, quando fixou a cota da sua moeda ao dólar americano). Todavia, a política monetária do banco central de manter a moeda ucraniana a uma taxa de câmbio elevada não favorece as exportações, especialmente durante uma recessão global, e é dispendioso em termos de moeda estrangeira.

Após uma recuperação forte em 2010 e 2011, a segunda recessão internacional causou uma falha temporária da produção industrial em 2012 e 2013, com uma queda de lucros para os negócios e os bancos. Com os Estados Unidos emergindo da recessão no final de 2013, a Reserva Federal anunciando uma retenção progressiva de “flexibilização quantitativa” (a Reserva comprava mensalmente 85 mil milhões de dólares em hipotecas e títulos de tesouro para manter as taxas de juro baixas e tornando o dinheiro mais barato e mais disponível) e o anúncio da recuperação económica da UE, estes fatores culminaram no abandono do capital dos países emergentes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de volta para a Europa e a América do Norte. Por isso, as moedas dos países referidos afundaram e causaram recessões lá, com a Ucrânia sentindo também os efeitos desta tendência.

O banco central ucraniano gastou cerca de dezenas de mil milhões de dólares em 2013 para manter a paridade da sua moeda, resultando na exaustão das suas reservas no mesmo ano. Apesar destas intervenções na economia e das restrições drásticas nos movimentos de capital, a taxa de câmbio do Hryvnia caiu 10%. A desvalorização da moeda favoreceu as exportações e meteu um travão às importações, mas piorou muito a situação da dívida nacional, quer fosse calculada em euros ou em dólares.

O percurso do capital, as suas moedas e os seus mercados é completamente imprevisível e resistente a quaisquer tentativas de controlo pelo Estado, como anteriormente demonstrado pelo Marxismo. A trajetória histórica do capitalismo russo na sua totalidade – o último desmembramento da URSS que finalmente calou as fanfarronices do Estalinismo contra-revolucionário acerca do “controlo estatal da economia” tão aclamado pela doutrina. Isto apenas confirmou amplamente este aspeto do capitalismo e a crise atual da economia global, de amargura e miséria, apenas o demonstra duma maneira mais trágica.

Os resultados da política ucraniana de troca de câmbio foi que os negócios não conseguem arranjar mais financiamento do mercado global, apesar de ter uma taxa de dívida relativamente baixa de 43% do PIB, quando comparada com 90% em França e 127% na Itália. As taxas de juros sobre empréstimos públicos a curto prazo subiram para 35% só numa semana, apesar de estarem apenas a 5% há um mês atrás. Empréstimos a termo de 10 anos subiram de 8,5% em Janeiro para 11,5%. As reservas de moeda estrangeira detidas pelo banco central são muito menores e o défice estatal chegou aos 55% do PIB devido à recessão. Com apenas uma palavra, o estado ucraniano está à beira da bancarrota e do congelamento dos salários.

De acordo com Iuri Kolobov que é o Ministro das Finanças interino, a Ucrânia terá de repagar 12 mil milhões de dólares de dívidas em 2014. O Banco Central deve 4 mil milhões ao Fundo Monetário Internacional, 2 mil milhões consistem de ações e empréstimos feitos em Euros que foram emitidos pelo Estado e o resto é representado por pagamentos em falta à companhia de gás estatal russa Naftogaz. De acordo com o ministro, a Ucrânia terá de pagar 35 mil milhões de Dólares (ou seja, 25,5 mil milhões de Euros) para cumprir as suas obrigações entre o período de 2014-2015.

O país já teve de apelar duas vezes ao FMI. Na primeira ocasião, um acordo foi feito durante o governo Yushchenko-Tymoshenko por um empréstimo de 16,4 mil milhões de dólares em Novembro de 2008. A segunda vez ocorreu em 2010 durante o governo de Viktor Yanukovych, em que foi feito um acordo por um segundo empréstimo de 15 mil milhões de dólares. Ambos acordos vinham com obrigações a cumprir, uma delas sendo o cancelamento de subsídios para as contas do gás tanto para negócios como cidadãos privados. Mas, o governo falhou a cumprir essa obrigação, que teria um resultado explosivo em caso de uma crise económica. O FMI teve de parar os pagamentos das prestações no espaço de meses, como consequência.


A crise atual

Devido à sua posição geográfica e as suas ligações comerciais, a Ucrânia encontra-se apanhada no meio do seu “irmão graúdo” russo e a União Europeia. A burguesia ucraniana tem o desejo de se tornar parte da União Europeia com a expetativa de atrair investimentos necessários para a economia e acesso mais fácil ao mercado de capital tal como a burguesia polaca e dos estados Bálticos. Na perspetiva da UE, apenas podem esperar para uma maior abertura do mercado ucraniano devido à situação da saturação do mercado global. Além disso, as multinacionais inglesas, francesas e italianas apenas podem antecipar de bom grado a possibilidade de investimento num país que tem uma base industrial estável com avanços tecnológicos nos setores eletrónico e militar, além de ter também uma força operária bem educada com salários ao mesmo nível dos chineses. A integração com o segundo ou apenas uma aproximação com um contrato pré-concebido de 20 mil milhões de Euros que já foi proposto pela União Europeia teria condições, cujas quais são: a reorganização da economia, cortes grandes nos gastos estatais, um serviço legal que conforma com os requerimentos de negócios europeus (transparente, competente e igualitário) que seria mais fácil de realizar comparada com a condição mais importante que era o fim dos subsídios de gás.

Todavia, os imperialistas russos olham com desagrado a esta aproximação. É um facto que a integração na UE também irá conduzir a uma integração na OTAN. Isto significaria que a Rússia iria encontrar forças da OTAN outra vez ao pé das suas fronteiras, que representariam uma ameaça grave à Crimeia e ao porto de Sevastopol que é crucial para a marinha russa. Por esta razão, a oligarquia russa utilizou a estratégia do “pau e da cenoura” com o Presidente Yanukovitch para evitar que tal aconteça. O “pau” consistiu em ameaçar parar o fornecimento do gás e aumentar tarifas em todos os produtos oriundos da Ucrânia (apesar de estar em conflito com as regras da Organização Mundial do Comércio, a que a Rússia tinha aderido 2 anos antes) e a “cenoura” consistiu de uma proposta de um empréstimo de 15 mil milhões de dólares sem condições e a redução dos preços de gás por um terço. O governo de Yanukovitch não demorou a decidir entre o pau e a cenoura.

O que aconteceu a seguir foi tornado infame: a Praça de Maidan foi ocupada em Kiev, devido ao impulso de uma classe média (que incluía pequenos empresários) que viu as suas esperanças despedaçadas, com o apoio de alguns oligarcas que tinham negócios na Europa e também (sem qualquer dúvida) devido aos esforços de agitadores profissionais financiados por imperialistas americanos e europeus tal como os imperialistas russos fazem na Crimeia e noutras regiões da Europa do Leste hoje em dia. E o governo caiu inevitavelmente após 2 meses de confrontos com a polícia e as forças especiais, tal como na Tunísia e no Egito durante a Primavera Árabe.

A crise inevitável do capitalismo impulsionou as classes a agir, como aconteceu em outras regiões do mundo. Mas, ao contrário das situações na Tunísia e no Egito onde o proletariado teve um papel importante devido à ação de redes de uniões trabalhistas que eram capazes de organizar greves prolongadas e brutais, o proletariado ucraniano esteve estranhamente ausente. Certamente alguns proletários estiveram no seio dos protestos, mas estavam divididos entre as massas de protestantes e as suas exigências eram indistinguíveis das exigências puramente burguesas feitas na Praça de Maidan. A maioria do proletariado entendia numa maneira instintiva que nada de bom seria de esperar de qualquer lado.

Os estados mais pequenos tornam-se em presas para os estados imperialistas grandes, sobretudo quando têm dificuldades. Quem irá engolir a Ucrânia? Será a Rússia ou os Estados Unidos por via da União Europeia?

A Rússia não tem os meios económicos para absorver a Ucrânia nem poderá impedir a sua aproximação com a União Europeia. Em 2014, a Rússia moderna não pode ser comparada de qualquer forma com a União Soviética de outrora que partilhava o domínio mundial com os EUA. Qual é a influência que a Rússia consegue exercer sem a Ucrânia, o Báltico e a Europa Central? Se usarmos a geração de eletricidade como um indicador bruto do seu poderio industrial, a indústria russa apenas representa 5% da produção mundial comparada com 22% dos EUA e 16% da China, de acordo com dados de 2007 antes da crise grande de 2008-2009. A Alemanha apenas alcançaria 3% segundo os mesmos critérios. Portanto, a Rússia é apenas uma Alemanha com dentes assemelhantes a mísseis nucleares, todavia sendo uma Alemanha ligeiramente maior. Não se pode clamar como a potência rival à América, tal como conseguia fazê-lo no passado.

O verdadeiro adversário dos EUA é a China. A burguesia chinesa prepara-se para destronar o imperialismo americano. Ela depende do fator do tempo. Com um ritmo estável do crescimento industrial entre 5-6% (apesar da previsão oficial ser de 9-10%), a China espera acompanhar e ultrapassar de seguida os EUA no crescimento industrial e na produção de armas. Mas esquecem-se do fator de uma crise de produção excessiva, tal como todos os burgueses. A possibilidade de uma crise destas ameaçar a China é formidável, com a possibilidade de ser tão má senão pior do que a de 1961-1962. A verdadeira questão é de “quando”, não “se o é possível”.

Talvez acontecerá no final do ciclo atual de produção, que é previsto acabar em 2017 ou talvez mais cedo? Quando acontecer, esta crise enorme de produção excessiva marcará o começo de uma crise de desinflação mais intensa do que a de 1929.

A intervenção militar russa na Crimeia e as suas manobras militares no Leste da Ucrânia são sinais que demonstram a sua fraqueza. Os EUA reagem com o destacamento de um navio de guerra no Mar Báltico e o reforço das defesas anti-aéreas na Polónia, mas não exercem pressão em outros cenários, como por exemplo na Síria. São feitas duas observações destes acontecimentos.

A primeira é que apesar de alguns acontecimentos como por exemplo:
• no Oriente - navios de guerra chineses dispararam contra barcos de pesca filipinos (a China contesta o Mar da China como a sua zona de influência);
• no Médio Oriente Iraque, Síria e a Palestina;
• até na Europa – Ucrânia;

Chega-se à conclusão que as condições necessárias para uma Terceira Guerra Mundial ainda não se materializaram. Mas antes disso, acontecerá uma crise económica mundial grave que irá conduzir o proletariado no caminho da luta de classes e a alternativa será apresentada: ou a terceira guerra mundial ou a revolução internacional comunista.

A segunda observação é que a intervenção restrita das duas potências imperialistas demonstra que os americanos preferem usar o capital financeiro (que é uma arma tão poderosa como o seu poderio militar) para derrotar a Rússia. A mesma arma que foi utilizada pelos EUA em 1956 após a Crise do Suez para dominar as potências imperialistas francesa e britânica. Convencidos da sua ilusão de dominância global, os dois aliados tiveram de fugir a sete pés assim que os Estados Unidos exerceram pressão económica sobre os seus mercados. Apesar de uma vitória militar estar garantida contra o Egito, a aliança franco-britânica teve de recuar. Não é de admirar porque é que a burguesia francesa ficou raivosa, fomentando sentimentos anti-americanos na altura.

Hoje em dia, a Rússia não só sofre com a crise mundial tal como precisa de resolver o refluxo de capital, como as outras potências emergentes. Além disso, também é necessário ter em conta o facto que o crescimento industrial russo estagnou em 2013 e piorou tanto que tiveram de declarar uma recessão em 2014.

«A Rússia declarou um crescimento do PIB de apenas 1,4% (contrastando com 3,2% em 2012, a léguas da taxa de crescimento de 7% na década de 2000 e a previsão de 5% feita por Vladimir Putin em 2012), apesar das autoridades estarem esperando por um recobro para 2,5% em 2014. O banco central já reviu as suas previsões de crescimento, baixando-as para abaixo de 2% até 2016, no mínimo. A causa reconhecida por todos é a falta de interesse de investidores estrangeiros, como também a falta de diversificação industrial, planos concretos para privatizações, um clima amigável para negócios e um sistema legal transparente» (Les Echos, 4 de Março de 2014)

Esta situação provocou a desvalorização do Rublo russo, que foi agravada pela expedição militar na Ucrânia. Após a possibilidade de uma intervenção no país vizinho ter sido anunciada, o Euro ultrapassou o valor simbólico de 50 Rublos e o Dólar ultrapassou o recorde de 2009 de 36,85 Rublos contra um Dólar, espantando o mercado global. Para ripostar contra esta tendência, o banco central russo teve de aumentar esporadicamente a taxa base que regula o câmbio entre bancos de 5,5% para 7%.

No evento de um embargo contra investimentos na Rússia, como tem sido ameaçado pelo Secretário de Estado Americano John Kerry, o capitalismo russo será danificado gravemente. Alguns bancos até teriam de declarar bancarrota, de certeza. Portanto, num gesto apaziguante, Putin mandou interromper as manobras militares na fronteira com a Ucrânia.

Negociações serão feitas, sem dúvida. Mas o que é que pretende o “Urso Russo”? Aumentar a segurança da sua base naval na Crimeia, garantir que a Ucrânia não se junte à OTAN e por consequência à União Europeia e que a Ucrânia não se torne decididamente russofóbica.

Neste último ponto, demonstrou-se o pragmatismo e o reconhecimento das realidades geopolíticas em todos os níveis de governo na Ucrânia, mesmo os que eram vistos como pró-ocidentais. Foi assim que Yulia Tymoshenko, a estrela da “Revolução Laranja” se tornou primeira-ministra e passou por pró-ocidental. Foi ela que negociou o novo acordo de fornecimento de gás com a Rússia (que foi visto como demasiado favorável para os russos) que seria julgado por Yanukovich, o presidente deposto que fugiu para a Rússia.

Em relação à adesão da Ucrânia à União Europeia, a UE propôs uma parceria por enquanto. Mas, se a Crimeia for conquistada pela força (e é previsto que isso acontecerá em breve), a adesão total da Ucrânia à Europa e à OTAN é quase garantida no médio ou no longo prazo.

Mas, nem a Rússia nem a Europa querem suportar uma Ucrânia na bancarrota, pois ambos lados teriam problemas.Se a Ucrânia parar de pagar as prestações aos bancos russos que investiram muito no país, haverá graves consequências. Neste ponto, tanto os russos como os europeus pretendem chegar a um acordo mútuo.

A forma de extorsão da Rússia é o seu fornecimento de gás, mas há limites, pois arriscam-se a matar a galinha dos ovos de ouro. Os russos não podem continuar a usar o seu gás como uma arma por mais tempo. Os americanos conseguiram revolucionar o mercado mundial de produtos energéticos com a invenção de produção de gás a partir de argila xistosa. Ao tornarem-se independentes do ponto de vista do consumo energético e numa potência exportadora de carvão, os EUA conseguiram forçar a redução dos preços de energia e obrigar os seus fornecedores antigos a procurarem outros clientes.

Além disso, a possibilidade de liquidificar gás natural permite o seu transporte a longo curso. Hoje em dia, a Europa consume 485 mil milhões de metros cúbicos de gás natural por ano, donde 160 mil milhões de metros vêm da Rússia. Todavia, é previsto que uma boa porção desse valor será substituída por remessas de gás natural liquefeito (GNL) na próxima década. Se a Rússia cortasse o seu fornecimento de gás, isso teria um efeito devastador à economia russa. De qualquer forma, a Europa também poderia ser fornecida pelo Qatar, a Austrália e o Canadá.

Continuando no tópico de gás, o governo de Yanukovitch fez tudo o possível para reduzir o consumo de gás e as importações vindas da Rússia (que eram fornecidas a um preço acima do valor do mercado) antes de ser deposto. A Ucrânia substituiu gás por carvão produzido localmente nas suas estações de energia térmica e importou gás vindo da Alemanha. Com estas estratégias, o consumo foi reduzido de 54 mil milhões de metros cúbicos em 2011 para 45 mil milhões m3 em 2012, reduzindo a sua dependência em gás russo, adquirindo apenas 34 mil milhões m3 a partir de Moscovo em 2012. Além disso, o governo ucraniano assinou dois contratos para a exploração de dois poços de gás a partir de formações de xisto em 2012. De acordo com as estimativas do governo, cada poço poderia fornecer entre 8 e 10 mil milhões m3 por ano.

Quanto aos EUA, o país está a acelerar a construção de terminais de transporte de GNL para exportações que podem direcionadas precisamente para países para a Ucrânia.

Neste concurso de braço de ferro, o quão longe é que os americanos estão dispostos a ir? Será que farão um embargo a investimentos feitos na Rússia, caso eles recusem deixar a Crimeia? Mas arriscam-se a forçar a China a apoiar os russos incondicionalmente, ao invés do seu apoio cauteloso de Moscovo no passado. Todavia, essa ajuda viria com um custo. A burguesia chinesa apenas forneceria o seu capital com a condição de poder aspirar os depósitos minerais siberianos e obter acesso à tecnologia de ponta russa. Os Estados Unidos teriam de se esforçar para convencer a Cidade, que recicla parte dos lucros do gás e petróleo russos a se juntar ao embargo. Embora, os EUA poderão ter um interesse em deixar a Rússia intacta para não se depararem sozinhos contra a China.

Todos podem fazer suposições, mas é certo que não surgirá alguma solução positiva desta briga entre as potências imperialistas. Pelo contrário, apenas servem para deixar a ferida apodrecer, como visto no exemplo cipriota.

De qualquer forma, o proletariado ucraniano não pode esperar nada mais além de derramamento de sangue, lágrimas e insegurança de ambos lados. Se acontecesse uma recuperação industrial à escala mundial nos países maiores do bloco imperialista, apenas o seria a uma escala moderada que resultaria em maior pobreza e mais insegurança entre os trabalhadores tanto do setor industrial como do setor de serviços. No Japão, 30% da força trabalhista já está condenada a trabalho não-permanente e à pobreza resultante disso; enquanto que na Alemanha a figura é de 20% e 15% na França, de acordo com dados de 2010 e não há dúvida que esta percentagem subiu nos últimos meses.

A burguesia europeia está ciente que não pode aplicar na Ucrânia os remédios brutais que usou na Grécia e na Espanha. Será obrigada a usar medidas menos drásticas, mas o proletariado ucraniano terá de pagar a conta à mesma. Eric Berglof, o economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, disse que:

«Um país como a Ucrânia que tem uma economia diversificada e uma força de trabalho bem educada, precisa de se esforçar para criar confiança da parte dos investidores. Isto é transparente como água».

A escala de tensões no Mar da China, no Médio Oriente e na Europa servem de premissa para a guerra mundial futura para onde os estados imperialistas se lançam devido à crise do capitalismo global. Quando as condições forem propícias, apenas será necessária uma faísca para desencadear a conflagração. Seria um desastre se os primeiros mísseis fossem lançados e o proletariado não conseguisse parar a guerra através de ação de classes ou se fosse parada demasiado tarde, como no caso da Primeira Guerra Mundial.

Se a guerra se despoletar antes da revolução, a transformação da guerra imperialista numa guerra civil seria difícil, mas não impossível. Pelo contrário, se a Terceira Guerra Mundial fosse combatida até ao fim, não só o planeta estaria reduzido a um campo de batalha desolado e afogado por cadáveres, com pelo menos mil milhões de mortos como o proletariado estaria mísero e esfomeado; criando todas as condições necessárias para o capitalismo se reerguer e começar um ciclo novo de acumulação. O centro de gravidade económico mudaria de localização para o Pacífico, obrigando a reforma da velha Europa que seria incapaz de realizar o comunismo agora.

 

 

 


2 - Na Ucrânia: Como Nacionalismos crus são usados como uma cortina de fumo para um conflito intra‑imperialista

Devido à sua localização estratégica como uma terra fronteiriça entre a Europa e a Rússia, a Ucrânia tem sido um prémio muito cobiçado pelas entidades estatais poderosas que a cercam há séculos, determinadas para a conquistar. Embora a Ucrânia goze atualmente de terras férteis, recursos mineiros e uma base industrial impressionante (apesar desta estar um pouco antiquada em alguns aspetos); o país está debilitado por uma dívida pública grande e o facto que tem de importar a maioria dos seus recursos energéticos.

A crise económica que impactou o capitalismo global em 2008 resultou numa queda geral dos padrões de vida das classes mais baixas na Ucrânia, entre elas o proletariado e o estrato social pequeno burguês tal como noutros países como a Grécia, a Espanha e Portugal no Sul da Europa e a Hungria e a Roménia no Leste.

A classe trabalhadora ucraniana sofre de uma taxa de desemprego alta e de salários baixos. Mas, com a falta de consciência de classe, ou seja, falta-lhe a orientação indispensável pelo seu partido político. E por isso, o proletariado tem sido incapaz de responder efetivamente e continua sufocado pelo abraço intra-classes do “povo unido”.

Os trabalhadores deixam-se ser organizados como cidadãos individuais dentro da manada eleitoralista, acreditando erradamente que podem usar os seus votos através de eleições para impor políticas nos demagogos políticos carreiristas que são financiados pelo grande capital e que são membros de uma ou de outras formações imperialistas que competem entre si para ter controlo do país.

Faltando uma perspetiva revolucionária e sindicatos, acorrentados à clique governante, enfraquecidos pelo desemprego predominante e um medo de um futuro incerto crescente, o proletariado ucraniano tem sido incapaz de ser opor aos gangues mobilizados pelos vários partidos burgueses desde os fascistas do “Pravy Sektor” (Setor de Direita), o “Patria” de Yulia Tymoschenko, os nacionalistas do “Svoboda” (Liberdade) até aos comunistas nacionalistas e os Estalinistas. Uma parte procura consolo numa “identidade” ilusória providenciadas pelas várias igrejas que têm dividido as almas da região tradicionalmente.

A questão da integridade territorial da Ucrânia tão clamada pelo partido em poder em Kiev é irrelevante quer para o proletariado que não tem nada a ganhar disto ou para a revolução comunista e não devia ser considerada progressiva ou menos reacionária do que a sua divisão. Por outro lado, temos de ver a “reabsorção” da Crimeia para a terra-mãe russa e qualquer futura anexação das regiões orientais da Ucrânia, que é exatamente o que os nacionalistas pagos por Moscovo que pregam a “unidade russa” querem. Na luta entre os dois imperialismos “globais”, não há espaço para o proletariado exceto para lutar a sua batalha autónoma contra ambos lados.

A verdade da situação é que a transferência da Crimeia para a Rússia serviu para crescer as forças nacionalistas na região e para dividir os trabalhadores que têm todos vivido uns ao lado de outros sob as mesmas condições económicas e civilizacionais através das divisões religiosas e étnicas, enquanto escondem as divisões de classe.

Antes que os imperialistas possam desencadear uma guerra “étnica” contra-revolucionária tal como aconteceu na Jugoslávia há dez anos atrás, terão de dividir a classe trabalhadora.

Uma guerra internacional entre capitalismos tal como a atual que foi disfarçada de “guerra civil” seria muito prejudicial para o proletariado e a revolução, não só devido ao preço que teria de pagar com o seu próprio sangue, as privações de direitos e os terrores que teria de enfrentar, mas por causa do facto que a guerra representa a submissão dos proletários à ditadura do capital. A tentativa de reciclar as velhas divisões baseadas na etnia, religião ou nacionalidade dentro do estado ucraniano que possui um capitalismo desenvolvido e um proletariado forte apenas demonstra que é um pretexto “irredentista” justificado desastradamente com “o direito de auto-determinação” de esta e outras minorias nacionais. É puramente propaganda burguesa e uma tentativa reacionária de destruir precocemente qualquer tentativa de unidade proletária e de um contra-ataque pelo proletariado. Os comunistas-nacionalistas, os moscovitas ortodoxos, os estalinistas e os cossacos que lutam pela união com a Rússia não são melhor do que os fascistas e os nazis que clamam pela união com a Europa e suplicam a Washington por ajuda, em conjunto com os supostos liberais e os seguidores da Igreja Ortodoxa ucraniana.

* * *

As justificações formais têm pouca importância na guerra impiedosa entre os estados burgueses; ou seja, é irrelevante para nós que o coup de main do Kremlin que sucedeu na ocupação militar bem sucedida da Crimeia e na consolidação da sua base naval em Sevastopol tenha seguido o “direito internacional” e também não queremos saber se Moscovo reagiu ou não contra a tentativa dos EUA de mover os mísseis da OTAN cada vez mais a leste ou se a OTAN foi forçada a responder às manobras russas de preparação para ocupar uma parte de ou até a Ucrânia inteira.

As milícias pró-russas de Donbass recusam-se a aceitar ordens do regime novo em Kiev e; em vez disso, organizaram um referendo usando a desculpa da “vontade popular” na região rebelde auto-intitulada de “Novorossiya” (Rússia Nova) para legitimar o seu pedido de anexação por Moscovo tal como aconteceu na Crimeia. O propósito verdadeiro deste referendo é para adiantar as eleições nacionais que tomarão lugar a 25 de Maio, que irão legitimar o regime dos partidos pró-ocidentais que tomaram poder após os acontecimentos de Euromaidan.

O proletariado, apesar de ser numeroso naquela região devido à concentração de minas e fábricas, parece estar a “permitir” a sua transferência para a Rússia. As razões que justificam este consentimento não têm nada a ver com quaisquer patriotismos mas sim com a crença de obtenção de salários mais altos ou pensões mais altas e maior segurança social, pelo menos.

* * *

A crise tem sido apresentada ao povo ucraniano como uma luta entre aqueles que querem juntar-se à União Europeia e aqueles que querem fortalecer os laços com a Federação Russa. Mas, a verdade é que as causas da crise encontram-se fora das fronteiras da Ucrânia.

Em relação à reação de França, o Le Monde diz que:

«Apesar da crise atual na Ucrânia, a França não tem intenção de suspender a venda de dois porta-aviões Mistral à Rússia, cujo contrato vale mais de 1,2$ mil milhões. A controvérsia explodiu após o Sub-secretário de Estado americano para Assuntos Europeus ter avisado a França cautelosamente para cancelar o negócio com a Rússia».

Enquanto com respeito à Alemanha, o Der Spiegel Online escreve que:

«A 22 de Maio, o Fórum Económico Internacional tomará lugar em São Petersburgo e os diretores das companhias alemãs maiores (E.On, Metro, BASF, Daimler) irão marcar presença apesar de ameaças feitas pelos EUA. O líder do Kremlin fará um discurso e os dirigentes alemães terão de aplaudir vigorosamente, pois claro».

Os estados capitalistas europeus mais poderosos têm ligações fortes à Rússia, em que exportam bens em troca de gás e petróleo russo. Mas estão amarrados aos EUA através da aliança militar da OTAN que os tem protegido por décadas.

Os EUA estão dirigindo em duas direções: a Casa Branca quer reduzir os laços económicos entre a Rússia e a Europa, enquanto ao mesmo tempo, querem amarrar a Europa à sua própria economia. Além disso, também pretendem fortalecer os EUA a partir da construção de uma rede de bases militares e de silos de mísseis mais para Leste quanto possível, em países da Europa do Leste que são russofóbicos tradicionalmente. E agora, também pretendem adicionar a Ucrânia à aliança.

Relativamente à Rússia, o país quer manter e aumentar o comércio europeu, mas mantém um medo tão forte da expansão pela OTAN para Leste que se tem mostrado disposta a investir fortemente na Ucrânia para manter a lealdade da classe política do país.

E pior de tudo, isto acontece durante uma fase da crise económica que torna a possibilidade do acontecimento de um conflito intra-imperialista a escala massiva cada vez mais inevitável.

Os primeiros sinais de guerra emergem hoje a partir do Mar da China, onde Beijing tenta abalar o equilíbrio frágil na zona que é muito favorável para os americanos que emergiu após a 2a Guerra Mundial, ao causar tensões com o Japão, a Coreia do Sul, o Vietname e as Filipinas.

No tocante à situação na Ucrânia, a China adotou uma posição cautelosa, contrastando com o seu apoio da intervenção russa na Síria tendo o objetivo de evitar um ataque americano.

O partido comunista revolucionário não pode ignorar as relações entre os vários estados imperialistas e deve avaliar as suas forças e as políticas tomadas de modo a evitar as consequências de um conflito futuro. Todavia, tem de preparar o seu exército para a sua guerra revolucionária em oposição contra todas as frentes imperialistas, tal como foi o caso na Rússia revolucionária nos primeiros anos da sua criação antes de ter sido esmagada pela contra-revolução estalinista.

 

 

 


3 - As Manobras de guerra na Europa

Ao longo das últimas semanas os acontecimentos nas regiões no sudoeste da Ucrânia que têm visto combates entre o Exército ucraniano apoiado por milícias voluntárias e os rebeldes pró-russos apoiados por algumas divisões do Exército russo, apenas confirmam o que temos ditos nos últimos meses: este não é um conflito interno do estado ucraniano, mas sim entre o alinhamento entre potências imperialistas opostas.

Vamos recordar os acontecimentos recentes.

No final de Junho, a Ucrânia assinou a parte económica do acordo de associação com a União Europeia enquanto Washington e Moscovo tentavam aparentemente acabar com todas as ações militares na Donbass após a anexação russa da Crimeia e a erupção de revoltas nas regiões orientais do país. Contudo, o exército de Kiev lançou uma ofensiva no início de Julho que resultou na conquista da cidade de Slovyansk no dia 5. A 17 de Julho, um avião comercial da Malaysian Airlines que transportava 295 pessoas foi abatido e ambos lados lançam culpas um ao outro pelo sucedido. No final do mês, o presidente ucraniano Arseniy Yatsenyuk anuncia a sua demissão, criticando a redução da maioria parlamentar do governo devido ao falhanço na aprovação de uma série de medidas exigidas pelo FMI e o Banco Mundial para a obtenção de um novo empréstimo pelo Rada, o parlamento ucraniano.

Os partidos nacionalistas de direita alegam que apenas foi permitido o povo ucraniano escolher um presidente novo e não uma assembleia nova após a queda do governo de Viktor Yanukovitch em Fevereiro. O líder do partido nacionalista “Svoboda” proferiu que:

«Não acreditamos que este tipo de parlamento que protege criminosos estatais, agentes moscovitas e todos que se recusam a levantar a imunidade daqueles que trabalham para Moscovo deveria continuar a existir».

O Presidente Poroshenko já foi compelido a dissolver o Rada e marcar eleições para 26 de Outubro, apenas um mês após a queda do governo. Todavia, numa demonstração clara da hesitação e da timidez que também afeta a burguesia ucraniana presa numa indecisão eterna sobre a sua venda a uma potência imperialista, Poroshenko tomou parte na Conferência de Minsk onde conheceu Putin, além dos presidentes da Bielorrússia e do Cazaquistão que são membros da União Aduaneira da Eurásia e de representantes da UE. Parece que a reunião não teve um resultado positivo.

Entretanto nos campos de batalha, os rebeldes conquistaram mais territórios com apoio dalgumas divisões do exército russo, conseguindo cercar e derrotar tropas de Kiev em várias ocasiões na segunda metade do mês de Agosto.

Apesar de se ter demitido, o primeiro-ministro Yatsenyuk anuncia que irá submeter um projeto-lei no parlamento ucraniano acerca de uma proposta de adesão do país à OTAN, a 29 de Agosto. A UE anuncia mais sanções contra a Rússia a 2 de Setembro. No dia 3, a França adia a entrega do primeiro dos 3 porta-aviões Mistral à Marinha Russa, prevista para Outubro. Putin e Poroshenko tentam acordar um cessar-fogo apressadamente no mesmo dia, que é bem-sucedido algumas horas mais tarde. Esta trégua frágil serviu para impedir um alargamento do conflito que resultaria no envolvimento dalgumas das potências militares globais mais fortes. Este ponto de vista é posto no pano de fundo da cimeira extraordinária da OTAN convocada a 4 e 5 de Setembro, com o propósito explícito da avaliação da questão da Ucrânia.

Ainda parece ser prematuro prever a possibilidade de uma guerra no seio da Europa, mas a crise económica fecha cada vez mais espaço para manobras e acordos diplomáticos e empurra os vários estados à defesa dos seus próprios interesses pela força armada e a manutenção de prontidão perpétua para um conflito futuro à escala global. Esta preparação acontece não só nas forças armadas como também nos meios de comunicação ao condicionar a “opinião pública” para se habituar à possibilidade de tal acontecer.

A propaganda burguesa não consegue esconder por mais tempo a hipótese (que é uma certeza a nosso ver) de uma guerra futura entre os estados imperialistas e o tom das declarações atuais apenas o comprova. O Putin e o Obama trocam acusações reciprocas e ameaças em preparação para um empreendimento militar que cairá nos braços do proletariado em todas as frentes.

De acordo com “Il Sole 24 ore” a 2 de Setembro, 4 mil soldados de 9 países apoiados com blindados e aeronaves irão participar num exercício militar da OTAN nas fronteiras orientais da aliança que será concluído no início do mês de Outubro. A aliança atlântica afirma que o exercício era suposto ser liderado pelos EUA mas a responsabilidade foi passada para os membros participantes sob a alçada da OTAN contra o cenário dos esforços atuais para assegurar os estados-membro orientais face às ações hostis da Rússia. Também há outras investidas militares a decorrer:
• No Mar Negro, onde as marinhas americana e ucraniana estão a conduzir exercícios navais, em que “o Canadá, a Espanha, a Roménia e a Turquia também participam onde se focam nos aspetos técnicos da gerência de uma operação de segurança internacional com o objetivo da manutenção e proteção do comércio naval numa zona atingida por uma crise”;
• No Sul da Alemanha, toma lugar mais outro um exercício “em larga escala” contando com mais de 5000 soldados dos EUA e de aliados europeus simulando a libertação de uma cidade de mãos inimigas.

«Estes exercícios têm o propósito de demonstrar o facto que a OTAN consegue desencorajar e prevenir agressões russas contra quaisquer possíveis ameaças feitas aos nossos aliados.”, diz o General americano Frederick Hodges de modo a fazer a mensagem feita ao Kremlin mais dura de engolir» (Il Messaggero, 9 de Setembro).

A cimeira da OTAN, que tomará posse em Cardiff e Newport entre 4 e 5 de Setembro com o objetivo de discussão das medidas a serem tomadas em caso da guerra na Ucrânia acabou na vitória óbvia das posturas militaristas defendidas pelos EUA e a Grã-Bretanha. A declaração final força os 28 estados-membro da Aliança Atlântica a adotar um apelo “reverter a tendência de encolhimentos dos seus orçamentos militares” que é feito diretamente aos estados-membro da Europa Central e do Sul que têm reduzido os seus gastos face à crise económica. O tratado obriga os países a aumentar as suas despesas militares até 2% do PIB que é uma quantidade enorme para os países industrializados.

Além disso, foi criado um fundo de apoio especial para o governo de Kiev «que é um candidato a adesão tal como a Geórgia, a Bósnia-Herzegovina, o Montenegro e a Macedónia, alargando a aliança cada vez mais para Leste» (Manlio Dinucci, “Il Manifesto”, 6 de Setembro).

As intenções dos EUA já foram declaradas pelo Presidente Obama num discurso feito em Talinn na Estónia um dia antes:

«A nossa visão [de uma Europa livre e pacífica] está a ser ameaçada pela agressão russa contra a Ucrânia. É um ataque ousado à integridade territorial da Ucrânia, que é uma nação europeia soberana e independente. Desafia os princípios básicos do nosso sistema internacional. As fronteiras não podem ser redesenhadas a partir do cano de uma espingarda».

Obama apoiou o princípio que “as portas da OTAN estão abertas para todos”, em conflito aberto com a posição de Moscovo, que diz vez e vez sem conta que não irá tolerar mísseis da OTAN a serem postos cada vez mais perto das suas fronteiras. Em suma, ele antecipou as decisões finais feitas na cimeira de Cardiff e Newport ao declarar a formação de uma força militar de resposta rápida para destacamento nos países Bálticos. Mais tarde, foi concordado que esta força composta por alguns milhares de soldados teria 5 bases/depósitos nos países Bálticos, na Polónia e na Roménia; que seria muito “reativa” e que faria uma presença contínua nos estados-membro da Europa do Leste.

Além disso, as cimeiras da OTAN ameaçam o estabelecimento de bases militares na Noruega (país membro da Aliança) e na Finlândia (que não o é) que reforçam os massacres nacionalistas do Kremlin. E não será a última vez que iremos ouvir Putin a dizer que podia ocupar Kiev em duas semanas

Contudo, a Rússia está ciente que não pode cortar os seus laços económicos com a Europa nem pode arriscar uma guerra com a OTAN. A Mãe Rússia pode mostrar as suas garras, mas apenas para chegar a um compromisso com o apoio da Alemanha e da Europa (cujo qual necessita em primeiro lugar) e também conta com a proteção indireta pela China, também desagradada pelo expansionismo da OTAN para a Europa do Leste.

A colaboração comercial e militar entre a China e a Rússia tem intensificado nos últimos anos. Já no início de Julho do ano passado ambos países planearam «seis dias de manobras militares no Golfo de Pedro o Grande, onde se situa Vladivostok. Joint Seas 2013 foi o maior exercício naval planeado pelos 2 países. Da informação disponível, tomaram parte 12 navios russos e 7 navios chineses com o apoio de um número incerto de aeronaves de combate. Apesar desta não ser a primeira vez que ambos países organizaram manobras em conjunto, os média de Beijing sublinhou a importância das operações que acabaram na quarta-feira de 10 de Julho. De facto, foi a primeira vez que a China decidiu mandar uma força militar deste tamanho para o estrangeiro para “tomar parte em exercícios numa área marítima desconhecida”, escreveu o jornal China Daily» (Gabriele Battaglia, “Lettera 43”).

Após dez anos de negociações, foi anunciado um acordo entre Moscovo e Beijing a Maio do ano passado sobre o fornecimento de gás no futuro para fortalecer a colaboração entre os dois países. Na edição de 24 de Maio do “Il Sole 24 Ore”, lemos que:

«O acordo anunciado pela Agência New China foi concordado durante a visita do Presidente russo Vladimir Putin à China após uma fase de discordância sobre a questão do preço de gás natural. O contrato estipular que a Rússia irá providenciar gás de metano à China por 30 anos a uma taxa equivalente a 39 mil milhões m3 por ano (metade do consumo anual da Itália) que será garantida por uma gasoduto prometido com o comprimento de 2,200km que seguirá da Sibéria até à China Oriental. O acordo valerá 400 mil milhões de dólares ao longo do período de 30 anos. Irá começar a partir de 2018 (…) O assinamento do contrato feito na presença de Putin e de Xi Jinping representa um desenvolvimento importante para Moscovo que procurado por outros clientes para fornecer gás desde o início da crise na Ucrânia. Até 2013, a Europa era o cliente principal de Moscovo com mais de 160 mil milhões m3 comprados, mas neste ano, a China em si representa um mercado ainda maior. Beijing prevê um aumento de 20% das suas importações de gás de modo a reduzir as quantidades de carvão poluente que utiliza para gerar eletricidade e também que serão precisos até 186 mil milhões m3».

E mesmo se o acordo apenas se mantenha por 10 anos, como explicado no artigo, o facto que o acordo foi assinado a meio da crise ucraniana foi uma jogada excelente da parte de Moscovo.

Fulvio Scaglione, vice-diretor da revista semanal católica “Famiglia Cristiana” teve isto para dizer sobre o acordo em “Limes” [uma publicação geopolítica italiana]:

«Voltando atrás ao tema da Rússia e da China, uma coisa é certa. O acordo do gás põe em contacto direto a maior potência detentora, extratora e exportadora de recursos energéticos com a maior potência consumidora dos mesmos. A isto podemos adicionar mais alguns factos: a China é o país mais populoso que também foi dotado com 10% da terra arável do planeta e está a aliar-se à Rússia. O estado russo que detém os recursos mineiros mais ricos (…) está a fazer uma aliança estratégica com a China, ou seja, com a economia que domina o consumo mundial de recursos brutos».

Além dos benefícios económicos e da aproximação dos dois estados expressos neste acordo, também é claro que o Kremlin irá usá-lo como um aviso aos seus clientes europeus dependentes para não se excederem porque senão Moscovo terá uma via alternativa para vender os seus bens. Então, é desta forma com a prospetiva de um acordo com a Ucrânia à vista, embora seja mais diretamente com a Europa que temos de interpretar a jogada de Moscovo em Junho do ano passado quando interrompeu o fluxo de gás para a Ucrânia.

«A 16 de Junho de 2014, Putin deu a ordem para cortar o fluxo de gás, ou seja, interrompeu a quota de 40 mil milhões m3 que a Ucrânia tem de mandar todos os anos para o Ocidente. Esta é uma guerra de energia estranha, que começa nos primeiros dias do verão (…) A decisão do Kremlin aparenta implicar um convite para negociações enquanto lucrar destes meses quentes de modo a voltar à mesa para negociar com uma vantagem na discussão», continua Scaglione.

Além disso, as ameaças de sanções pela Europa e os Estados Unidos contra a Rússia apenas fazem sentido da perspetiva de um conflito iminente entre as potências. Além do gás, também existem ligações de comércio importantes com a Rússia, em que apenas tendo em conta a quantidade do comércio feito com a Rússia temos a Alemanha e a Itália como os países europeus mais envolvidos. Podemos pôr de parte a burguesia italiana covarde que não tem força nem a coragem para lutar com estados mais poderosos do que ela. Mas, o que teria a economia europeia mais poderosa a ganhar com estas sanções? Qual é o quid pro quo que Washington poderia oferecer para Berlim quebrar as suas relações com Moscovo? Ou quais são as ameaças que pode fazer?

A economia alemã está a abrandar e necessita de crescer em vez de fechar os seus mercados. A Chanceler Merkel diz oficialmente que existem contas a ajustar com alguns negócios alemães. Todavia, não é possível fazer a mesma avaliação aos EUA que têm poucas ligações comerciais com a Rússia e intendem competir contra o país como fornecedor de gás, a partir do que conseguem extrair de argila xistosa.

Do que é que servem ao proletariado estes acordos entre estados, os acordos de negócios que envolvem a venda de quantidades enormes de mercadorias, as lutas para adquirir mercados e as posições e estratégias militares importantes? Na orgia dos meios de comunicação de informação burgueses compostos de manchetes e pouco mais, lemos que a batalha no sudeste da Ucrânia já provocou 3 mil mortos, um número incerto mas provavelmente alto de feridos além de ter criado quase um milhão de refugiados que foram forçados a abandonar as suas casas e os seus empregos para escapar à guerra. Na maioria das vezes, estas vítimas que fazem parte do proletariado e não estão conscientes da sua força e missão histórica serão forçadas a pegarem armas na defesa de interesses diretamente opostos aos seus em toda a parte no mundo.

A burguesia ucraniana e os “oligarcas” que foram capazes de se enriquecerem de todas as maneiras nos últimos anos ao se venderem a quem pagasse melhor, enchendo os seus tachos e ao pilhando naturalmente tudo em nome de uma Ucrânia “livre e independente”. Como todas os burgueses, apenas estão interessados em lucros para aumentarem o seu capital.

Por outro lado, o proletariado ucraniano não ganha nada ao aliar-se com qualquer lado nesta luta imperialista. É mentira que os proletários de Donbass veriam melhorias nas suas condições de trabalho caso a zona se tornasse independente ou fosse anexada pela Rússia. Mas também não ganhariam nada caso a Ucrânia se juntasse à UE e ao bloco da OTAN, apesar das promessas feita pelos partidos de direita pró-ocidentais. O proletariado ucraniano apenas pode ser redimido ao recusar ser dividido pelos chamamentos nacionalistas e chauvinistas e ao reconcertar com as tradições internacionalistas do comunismo revolucionário.

A guerra é apenas um dos fatores que determinam as etapas do ciclo capitalista tanto na seu auge como no seu declínio. No terceiro milénio, as guerras entre os estados que serão todos burgueses, farão parte da estratégia contra-revolucionária em prol da conservação do capitalismo. O proletariado precisa de marchar contra todas as frentes militaristas; não só contra o inimigo nacionalista mas também ao virar o povo e as armas contra o inimigo doméstico, o próprio estado e o poderio da classe burguesa. Esta é a única maneira que o partido comunista verdadeiro pode aconselhar à classe proletária internacional e, por conseguinte, aos proletários ucranianos a escolher.

 

 

 


4 - O proletariado ucraniano tem de lutar contra as frentes imperialistas russa e Ocidental e pela Revolução Internacional Comunista de amanhã

A luta entre a Rússia, os Estados Unidos da América, a Alemanha e os outros ladrões para dividir a Ucrânia não se dirige apenas contra o proletariado ucraniano com o objetivo de aumentar a sua exploração, mas também contra todas as classes trabalhadoras nos países ocidentais e na Rússia, que também se arriscam a lutar numa guerra imperialista de onde constituiriam a primeira e a maior parte das vítimas.

A luta de poder impiedosa entre os vários grupos de capitalistas apenas reflete a exacerbação do conflito entre as maiores potências económicas e militares na Ucrânia quer estejam ligados a Washington, Moscovo, Berlim, Varsóvia ou Kiev. A causa é a crise de produção excessiva, que debilita o sistema capitalista por dentro, desequilibra qualquer estabilidade e põe em dúvida a ideologia gasta da burguesia com os seus mitos seculares falsos de paz, coexistência e progresso.

A crise atual que toma lugar precisamente cem anos após o início da primeira guerra mundial imperialista apenas demonstra que o capitalismo está num estado avançado de putrefação e deterioração em todos os países e que é uma altura oportuna para a sociedade escolher o caminho para o comunismo. Seja como for, as forças do capitalismo irão bloquear esta estrada para a classe trabalhadora ao tentar enfraquecer a consciência coletiva do seu destino e a força enorme que possui, evitando a sua inclinação para a revolução internacional.

As batalhas nas ruas de Kiev e em outras cidades ucranianas conduziram à queda do governo de Yanukovitch e a sua substituição por outro igualmente burguês. Mas, tal como o governo anterior, o regime novo não pode ignorar o facto que o estado capitalista ucraniano está afogado em dívidas aos agiotas imperialistas cujas consequências pesam na classe trabalhadora, condenadas à fome e ao frio.

E é por isso que o novo governo atiça as cinzas do nacionalismo para tentar distrair o proletariado dos seus problemas verdadeiros: salários, trabalho e a habitação. É precisamente na perseguição dos mesmos objetivos anti-proletários e imperialistas que o governo de Moscovo espalha a sua propaganda igualmente podre entre os proletários russos e os descendentes de origem russa na Crimeia e nas regiões orientais da Ucrânia!

A defesa da nação, da raça e da religião são os feitiços utilizados pela burguesia para enganar o proletário e virá-lo contra os seus irmãos estrangeiros através dos seus fantoches nos média, nos partidos políticos e nas uniões sindicais. Estas divisas enganosas apenas servem para dividir e impedir que os proletários se juntem hoje à luta sindicalista e na revolução comunista amanhã. As revoltas nas ruas de Kiev e em outras cidades ucranianas demonstram que as bandeiras “sagradas” e os lemas patrióticos apenas são armas utilizadas pelos regimes burgueses para criar propaganda militarista.

Talvez seja por isto que o proletariado ucraniano tenha evitado instintivamente as concentrações nas praças municipais onde se cantam canções patrióticas quer sejam “pró-russas” ou “pró-europeias”. O proletariado não tem nada em comum com a sua própria burguesia, os seus chefes e os “oligarcas” quer estejam cobertos pelas bandeiras da “democracia” e da Europa ou a procurar a proteção do “urso russo”. Tem de rejeitar solidariedade com a burguesia e com a classe média e deve concentrar no desenvolvimento das suas organizações de classe autónomas e independentes.

O proletariado tem de dedicar a sua energia valiosa na reconstrução dos instrumentos essenciais para a sua emancipação cujos quais são uma união sindicalista determinada e destemida e um Partido Comunista internacionalista e revolucionário.

NÃO à defensa de países – SIM à defensa da classe proletária!

NÃO à guerra entre os estados – SIM à guerra internacional entre as classes!