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Na América Latina as políticas anti‑trabalhadores, a repressão e a ofensiva mediática da burguesia e dos seus governos, a traição aos sindicatos e a conciliação com o reformismo, atrasam a retoma da luta de classes dos assalariados
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Enquanto os governos e as instituições do mundo burguês falam de crescimento económico nos países da região, as condições salariais e o ambiente de trabalho dos assalariados continuam em sua tendência para o empobrecimento, com a queda dos salários reais, a instabilidade nos empregos, as elevadas taxas de desemprego, a insegurança alimentar e o mau acesso à água potável, à eletricidade, aos serviços de saúde e à dita “assistência social”.
Os governos, embora com algumas diferenças de abordagem, concentram‑se em medidas de disciplina fiscal, controle da inflação, redução dos gastos correntes e redução ou eliminação de alguns subsídios. Nesse sentido, chama a atenção o fato de que os governos que se autodenominam “de esquerda” ou progressistas e são conhecidos por seu discurso “antineoliberal” são os mais agressivos na adoção de políticas desse tipo e não têm hesitado em usar a repressão contra seus oponentes. Nesse sentido, destacam‑se a Venezuela, o Brasil e a Colômbia, onde os “antineoliberais” impõem uma agenda de aumento da taxa de exploração e redução do déficit fiscal, medidas comumente associadas ao neoliberalismo. Eles demonstram que as políticas necessárias para manter a ditadura da burguesia, tais como um nível de exploração adequado para valorizar o capital nacional total e um déficit fiscal focado em absorver a superprodução de commodities, são independentes de qualquer programa burguês, que, ao contrário, deve acomodá‑las, seja com entusiasmo ou de maneira improvisada.
O movimento sindical na América Latina apresenta todas as conhecidas posições errôneas e oportunistas, que historicamente empurraram os trabalhadores para a conciliação de classes, a paralisia, a divisão e a desorganização, deixando‑os desarmados e indefesos nas lutas por suas reivindicações. As centrais sindicais traidoras dominam o cenário, integradas ao Estado burguês, submissas aos governos e às leis. Apenas esporadicamente temos visto trabalhadores descontentes empreenderem lutas, unidos na base, escapando do controle das lideranças sindicais; mas, mesmo nesses casos, os sindicatos traidores aproveitam a primeira oportunidade para boicotar as lutas e fechar acordos com os patrões com base na traição. Mas também tem sido relevante o fato de essas lutas espontâneas terem se concentrado em demandas por aumentos salariais ou melhorias nas condições e no ambiente de trabalho. Isso quer dizer que somente nessas lutas espontâneas, em que os trabalhadores conseguiram ultrapassar as lideranças sindicais traiçoeiras, o movimento sindical tem retomado a greve como uma forma de luta, se concentrado em reivindicações econômicas de classe e se unido acima de divisões artificiais, como filiação sindical, nacionalidade e profissão. Vimos isso na greve dos trabalhadores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Brasil e já vimos isso em 2023 na Venezuela com os trabalhadores da educação.
Na medida em que houve lutas em que os trabalhadores se mobilizaram espontaneamente, apesar da conciliação das lideranças sindicais com os patrões, vimos como os governos têm reforçado as estratégias para criminalizar os protestos dos trabalhadores, promovendo matrizes de opinião nas quais as lutas por reivindicações salariais são colocadas como parte de “planos terroristas”, “planos golpistas” ou mesmo descrevendo as greves como ações “desestabilizadoras”, de “traição contra a pátria” e de natureza “criminosa” em geral. Não é por acaso que na Venezuela foi realizado o que se chamou de “Congresso Antifascista” e que o governo está promovendo uma Lei contra o Fascismo, que já tem como precedente a legislação “contra o terrorismo” e “contra o ódio”. Em geral, em toda a América Latina, o objetivo é promover o suposto confronto entre a democracia e o fascismo, apesar de se tratar de duas faces do regime de dominação burguesa. Essa armadilha, com a qual se manipula a chamada “opinião pública”, impondo uma nova versão da polarização política entre as facções burguesas que lutam pelo controle dos governos, é na verdade dirigida contra os trabalhadores assalariados e suas organizações de luta econômica, cujo controle pelo Estado se busca aprofundar.
Os trabalhadores estão submetidos a uma “guerra psicológica” e ideológica da burguesia que, a partir dos meios de comunicação e das redes sociais, dos governos e dos diferentes partidos que convergem no parlamento e nas campanhas eleitorais, realiza operações de distração, confusão e desorientação dos trabalhadores, chamando‑os a assumir as reivindicações democrático-burguesas (defesa do voto, defesa da Constituição Nacional, etc.), à defesa da pátria, à defesa da economia nacional e à conciliação de classes com a burguesia. E é justamente nesse contexto que se destaca toda luta em que os trabalhadores conseguem escapar dessa grande coerção ideológica para assumir suas lutas econômicas.
As verdadeiras demandas econômicas da classe trabalhadora permanecem sepultadas sob as demandas democrático-burguesas e diluídas em movimentos policlassistas ou ou de orientação pequeno-burguesa e geralmente subordinadas aos interesses dos grupos políticos que disputam o controle do governo.
Nosso partido tem insistido, em sua propaganda, no apelo ao movimento dos trabalhadores para que formem em todos os países uma Frente Única Sindical de Classe, que expresse a unidade de ação na luta econômica e que ultrapasse as divisões artificiais associadas à nacionalidade e aos ofícios. Insistimos também que, nas lutas, os trabalhadores devem se unir mesmo que sejam filiados a sindicatos diferentes. Uma frente como essa deve surgir em uma atmosfera de multiplicação das lutas dos assalariados, como um meio de se libertarem das algemas da traição das Centrais Sindicais do regime. Também temos insistido na necessidade de o movimento sindical de classe assumir a agitação por uma greve geral como a única maneira de derrotar os patrões e seus governos nas lutas econômicas por reivindicações.
No Brasil, destaca‑se a greve dos trabalhadores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que desde 10 de julho vêm lutando por melhores salários e condições de trabalho. No final de setembro, essa greve já estará em andamento há cerca de 11 semanas. Os trabalhadores se organizaram pela base em nível local e rejeitaram as diversas ofertas do governo. Embora alguns funcionários do sindicato tenham assinado um acordo com o empregador, isso foi rejeitado pelos trabalhadores, que permaneceram em greve. O governo tem se mantido inflexível em suas ofertas aos trabalhadores e vem declarando que os trabalhadores do INSS estão infiltrados pelo “bolsonarismo”, promovendo assim uma matriz de opinião que justifica a repressão a esse movimento, argumentando que eles estão enfrentando o “golpismo”, do qual o ex‑presidente Bolsonaro e seus seguidores têm sido acusados. Independentemente dos resultados dessa greve e das debilidades de algumas de suas reivindicações, temos visto mais uma vez como quando os trabalhadores se unem pela base e se lançam à luta, apesar da atitude passiva e conciliatória das direções sindicais, o movimento tende a se aproximar dos métodos de luta e organização da classe: debate e decisões em assembleias, greve por tempo indeterminado sem serviços mínimos, foco nas reivindicações econômicas proletárias e rompimento com qualquer tipo de divisão artificial no movimento. Enquanto o governo-patrão permanecer intransigente, é de se esperar que o movimento de luta tenda a se desgastar e, para avançar, ele precisará buscar contato com outros setores dos trabalhadores para estender a greve. Mas a agitação para a extensão da greve e o levantamento da necessidade de uma greve geral para os outros trabalhadores, que se torna uma condição necessária até mesmo para vitórias em lutas inicialmente isoladas, exige uma ruptura com as políticas oportunistas, o que por enquanto não é possível no Brasil, onde o oportunismo controla o movimento sindical.
O governo brasileiro, em cumplicidade com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem tentado utilizar medidas legais para intimidar os trabalhadores e fazê‑los recuar, como a imposição de multa diária aos sindicatos que participarem de greves e a exigência de limitar a adesão à greve a apenas 15% dos trabalhadores da categoria, garantindo um “atendimento mínimo” de 85%. A imprensa burguesa tenta colocar os usuários do serviço contra os trabalhadores do INSS, alegando repetidamente que a greve está afetando a prestação dos serviços.
Apesar dessas tentativas de intimidação, isolamento e repressão, os trabalhadores têm respondido a essa ofensiva patronal com algumas ações diretas. Merece destaque a ocupação da sede do INSS em Brasília, em 10 de setembro, liderada pela federação sindical FENASPS, que conseguiu fazer com que o governo recuasse em algumas medidas repressivas.
Na Colômbia, até agora, o governo tem conseguido, com o apoio dos palhaços traidores dos sindicatos e com o apoio dos partidos oportunistas e dos chamados movimentos sociais, manter os trabalhadores na passividade, à espera de uma oferta de reformas apresentada ao parlamento, que, no entanto, deixa de lado as demandas econômicas fundamentais dos trabalhadores.
O governo colombiano está buscando eliminar algumas das cargas que pesam sobre seu orçamento, como subsídios de diferentes tipos. A preocupação do governo em corrigir os desequilíbrios fiscais e orçamentários levou‑o a implementar muitas das políticas neoliberais que ele normalmente critica e que têm um impacto social que atingirá muitos setores que lhe deram apoio eleitoral. Nesse contexto, entre 31 de agosto e 6 de setembro, ocorreu uma “Greve dos Caminhoneiros”, que, de acordo com analistas da imprensa burguesa, colocou em risco a estabilidade do governo. Não se tratou de uma ação dos trabalhadores, mas de pequenos, médios e grandes empresários do setor de transportes. Os Ministérios de Minas e Energia, e de Finanças e Crédito Público, emitiram resoluções estabelecendo um ajuste no preço de venda ao consumidor do galão de diesel, em vigor a partir de sábado, 31 de agosto. O governo pretendia reduzir o déficit nos gastos correntes e avançar com a eliminação do subsídio ao diesel, algo que o governo anterior de Iván Duque não havia conseguido realizar. Em 6 de agosto, a greve foi suspensa, após um acordo entre o governo e os transportadores e, embora a resolução do governo tenha sido modificada e o aumento tenha sido reduzido e fracionado em duas partes, o governo conseguiu avançar com sua política de liberar os preços dos combustíveis, sem ter que considerar o impacto que isso terá sobre o transporte público usado pelos trabalhadores, bem como sobre o preço dos alimentos e dos serviços, sem que ninguém levantasse a questão dos aumentos salariais.
Na Venezuela, o efeito da campanha eleitoral sobre as lutas dos trabalhadores persiste, e eles tendem a se desmobilizar. Esse efeito tem se prolongado devido à luta das facções burguesas e de seus partidos para reconhecer ou não os resultados das eleições presidenciais de 28 de julho. Na fase pós‑eleitoral, o governo reprimiu maciçamente seus oponentes eleitorais e usou indiscriminadamente acusações, prisões e sentenças com o apoio de leis antiterroristas e “contra o ódio”. Com esse precedente de repressão e terrorismo de Estado, os trabalhadores, além de estarem distraídos com toda a ofensiva da mídia, sentem‑se assustados com a repressão quando se trata de suas lutas e reivindicações. Não há sindicatos de classe para defender os trabalhadores. As Inspetorias do Trabalho governamentais são favoráveis aos patrões e aplicam atrasos processuais e silêncio administrativo, arrastando os pés, para que o trabalhador se canse ou seja obrigado a procurar outro emprego em condições precárias para poder sustentar a si mesmo e a sua família.
O governo mantém congelados o salário-mínimo e a política de pagamentos de bônus e, assim, administra a folha de pagamento do setor público. Mas o setor privado também se baseia nessa política pública, só que paga bônus mais altos. Mas, em geral, os trabalhadores enfrentam salários que não lhes permitem cobrir o custo de vida. Nesse contexto, voltarão ao trabalho os educadores, os trabalhadores da educação, que em 2023 realizaram grandes mobilizações exigindo aumentos salariais e que, abandonados pelas federações sindicais, não conseguiram nenhum aumento. Mesmo assim, os trabalhadores da educação impuseram ao patrão, na prática, as mesmas horas de trabalho que foram implementadas durante a Covid‑19, limitadas a 2 ou 3 dias de trabalho por semana. Como não receberam aumento salarial, os funcionários da educação nos últimos anos, contratados para 36 horas semanais, têm estado trabalhando 2 ou 3 dias por semana e têm realizado diferentes atividades complementares para obter renda e complementar o salário insignificante que recebem do Ministério da Educação. Por isso, para o início das aulas em outubro de 2024, o governo espera que os trabalhadores trabalhem todos os dias da semana, ameaçando com demissão aqueles que não cumprirem o cronograma. Os trabalhadores, sempre sem o apoio das federações sindicais, encontram‑se desorganizados e, se não forem capazes de fazer uma oposição coletiva e retomar a luta por um aumento salarial, ficarão indefesos, à mercê da ofensiva patronal.
Na Argentina, em 2 de setembro, o presidente Javier Milei vetou a Lei de Mobilidade Previdenciária aprovada pelo Congresso. Desde então, os trabalhadores mais velhos têm se manifestado nas ruas, a ponto de serem submetidos a uma dura repressão por parte do governo. A Lei de Mobilidade Previdenciária propunha uma atualização mensal do valor dos pagamentos com base no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e também incluía uma compensação extra de 8,1%, para que os aposentados pudessem alinhar sua renda com a taxa de inflação de 20,6% em janeiro, mês em que o Executivo concedeu apenas um aumento de 12,5%. A lei também estipulou que a pensão mínima não deveria ser inferior ao valor de uma cesta básica para idosos e que a fórmula não poderia estar vinculada apenas ao IPC, mas deveria levar em conta os salários. O Parlamento manteve o veto do governo à Lei de Mobilidade de Pensões e, portanto, o valor mínimo da pensão permanece o mesmo (234.000 pesos) e o governo implementará o pagamento de um Bônus Compensatório de 70.000 pesos.
O governo declarou que seu veto à Lei se deve ao fato de não ter os recursos para pagar esses aumentos. Mas o governo não deixou claro se tem recursos para manter o bônus compensatório ao longo do tempo e se o ajustará de acordo com o comportamento da inflação e o custo da cesta básica. As pensões foram desvalorizadas em mais de 60% durante os governos de Macri e Fernández. Mais uma vez, o governo e o parlamento estão unindo forças para legislar contra os trabalhadores, e as confederações sindicais permanecem sem agir, nem assumir a greve geral. Enquanto isso, a onda de demissões no setor público continua e, até o final de setembro, serão anunciadas mais 65.000 demissões.
Todos os voos foram suspensos na Boeing
Em 12 de setembro de 2024, aproximadamente 32.000 trabalhadores organizados no Distrito 751 e no Distrito W24 do sindicato IAM (International Association of Machinists and Aerospace Workers – Associação Internacional de Maquinistas e Trabalhadores Aeroespaciais), funcionários da empresa Boeing, votaram de forma esmagadora pelo não à proposta provisória de acordo e votaram pelo sim à greve. Essa é a primeira vez em 16 anos que um contrato completo está na mesa para negociação. O acordo provisório incluía mudanças nos salários, assistência médica, horas extras obrigatórias e mais. O último contrato importante foi aprovado após quase dois meses de greve, embora, devido à grande rotatividade de pessoal e a uma força de trabalho inexperiente, a maioria dos membros atuais do sindicato não tenha participado dessa ação. Embora a liderança da empresa e a direção do sindicato quisessem sugerir que esse era um ótimo acordo, as bases da Boeing discordaram.
As exigências iniciais do sindicato eram de um aumento de 40% durante a vigência do contrato de 4 anos, enquanto a Boeing respondeu com uma oferta de apenas 25%. À primeira vista, uma pessoa “razoável” poderia pensar que a oferta da Boeing era boa e que os trabalhadores deveriam tê‑la aceitado. No entanto, se decidirmos analisar a questão mais a fundo, poderemos entender por que os trabalhadores estão dispostos a dizer não em troca de uma chance de receber mais. Contratos ruins e prolongados, salários baixos em uma área com alto custo de vida e o desejo de restaurar o plano de aposentadoria levaram esses trabalhadores a dizer não.
Aplaudimos o desejo dos trabalhadores de fazer greve e seu voto contra o acordo provisório derrotista, contrariando a vontade do Presidente do Distrito, que disse que “recomendamos a aceitação porque não podemos garantir que conseguiremos mais em uma greve”.
É claro que não há garantia de sucesso quando somos forçados a lutar, embora sempre haja um aumento da miséria para os trabalhadores que não estão dispostos a se unir com base em seus interesses coletivos e a se posicionar contra a classe capitalista. Além da oportunidade de obter ganhos materiais com a ação coletiva, esse também é um momento de treinamento para os trabalhadores envolvidos em possíveis lutas futuras e pode ser um ponto de referência para os trabalhadores de outras indústrias, que podem ver seus irmãos e irmãs dizerem abertamente e com orgulho: “Não aceitaremos mais isso!" Os trabalhadores de todo o mundo que estão dispostos a lutar são um farol para outros que, às vezes, têm pouca ou nenhuma esperança de ter a capacidade de enfrentar os chefes ou os líderes pelegos dos sindicatos.
Seja lendo declarações de funcionários da empresa ou do sindicato, ou de seus lacaios na mídia, podemos traçar paralelos na forma como esse contrato está sendo vendido aos trabalhadores, lembrando as negociações sindicais nacionais mais recentes nas ferrovias dos EUA, não apenas observando o que esses números mostram, mas também os fatos que eles omitem. Os funcionários das empresas de ambos os setores adoram alardear o tamanho da porcentagem do aumento salarial, especialmente com relação a contratos que foram aprovados anteriormente. No entanto, um dos problemas mais óbvios com isso é o fato de que esses porta-vozes não mencionam a realidade da inflação recorde nos EUA, nem o fato de que tanto as ferrovias quanto a Boeing estão empregando menos pessoas em geral do que durante os contratos anteriores. Embora os números possam parecer impressionantes quando vistos à primeira vista, eles se tornam cada vez menos impressionantes quando se leva em conta o fato de que os contratos anteriores para a maioria dos trabalhadores sindicalizados nos EUA não têm sido nada mais que rendições nas últimas duas décadas. Trabalhadores que no passado eram claramente membros da aristocracia operária têm iniciado o processo de proletarização ou estão se tornando cada vez mais proletarizados. No caso da Boeing, a rejeição do acordo proposto é um sinal claro da vontade de lutar contra esse destino.
Não deve ser surpresa para ninguém que esteja acompanhando a situação na Boeing ver esses trabalhadores dizerem orgulhosamente não a um contrato que não vale o papel em que está escrito. Os trabalhadores do IAM votaram a favor da greve no T‑Mobile Park, em Seattle, em julho deste ano e, por uma maioria esmagadora, 99,9% dos trabalhadores foram a favor da greve se um contrato significativo não pudesse ser alcançado até o prazo final de setembro. Juntamente com a demonstração de força em Seattle, foram realizadas várias ações no local de trabalho antes da votação do contrato. Os trabalhadores de todas as instalações fizeram passeatas no local de trabalho e usaram buzinas e música para assediar os gerentes no chão de fábrica. Todas essas ações são um avanço positivo dentro da classe trabalhadora dos EUA. Quanto mais os trabalhadores assumem uma relação abertamente antagônica com a burguesia, mais claro fica que temos interesses distintos e separados. Os membros tanto da empresa quanto do sindicato tentam promover uma perspectiva que sugere que o Trabalho e o Capital podem andar alegremente de mãos dadas no futuro, que seus sucessos futuros estão inter-relacionados e que, quando um ganha, o outro também ganha.
Aqui está uma citação da liderança da IAM que explica exatamente como eles veem seu relacionamento com a Boeing: “Em última análise, amamos esta empresa e não poderíamos estar mais orgulhosos do trabalho que fazemos ou dos produtos que construímos”.
Nada poderia estar mais longe da realidade. O sucesso dos trabalhadores dependerá da compreensão de sua posição em um movimento histórico. Sabemos que, nessa relação parasitária dentro da sociedade de classes, o que é bom para o peru não é bom para a perua. Quando se adota essa perspectiva colaboracionista promovida pela liderança do IAM, a única vitória é das empresas e dos burocratas sindicais. Quando a liderança das organizações de luta dos trabalhadores esconde suas garras, a empresa se sente encorajada e tentará constantemente obter mais com menos, seja cortando salários e benefícios ou ameaçando com a perda de empregos ao mandá‑los para outro lugar. Aplaudimos os trabalhadores da Boeing por se unirem para defender seus interesses imediatos, mas isso também deve ser acompanhado por uma rejeição dessa perspectiva colaboracionista. Os trabalhadores e seus patrões não ganham juntos. Quando os trabalhadores conquistam salários mais altos ou melhores condições de trabalho, isso reduz diretamente o lucro acumulado para a empresa. Essa distinção real entre produtores e exploradores está no cerne da sociedade de classes e nunca será desfeita pelos desejos de “líderes” românticos do movimento operário.
Os trabalhadores só vencerão no sentido histórico quando se unirem, sob a liderança de uma organização revolucionária de luta, o Partido Comunista Internacional, com o objetivo explícito de desferir o golpe mortal na sociedade de classes. É claro que nem toda batalha é de tamanha importância, mas os trabalhadores devem se conscientizar da situação em que se encontram e reconhecer que o antagonismo, e não se render, é a resposta para os males da sociedade de classes. Devemos tentar construir organizações de luta de classes que reconheçam abertamente a relação antagônica entre Trabalho e Capital e que estejam preparadas para organizar e defender o maior número possível de trabalhadores. Quando os líderes sindicais falam poeticamente sobre o amor que sentem pelos patrões, eles deveriam levar um chute na porta!
Greve dos estivadores nos EUA
Em 1º de outubro de 2024, mais de 40.000 trabalhadores em 36 portos representados pela Associação Internacional de Estivadores (ILA) entraram em greve pela primeira vez desde 1977. A greve ocorreu após o impasse das negociações salariais entre a ILA e a USMX. A ILA é formalmente o equivalente na Costa Leste do que o ILWU é na Costa Oeste dos EUA, que quase teve um locaute de 22.000 pessoas em 29 portos do Pacífico em 2023 por causa de demandas semelhantes.
Salários e uma luta contra a automação
A United States Maritime Alliance (USMA) é um grupo de poderosas empresas de navegação, unidas como uma frente para lidar com as negociações com o sindicato, que representa os trabalhadores portuários da Costa Leste e do Golfo do México. A ILA e a USMX têm um processo de negociação fechado, no qual poucas informações chegam e saem, mas o que foi dito publicamente é que o sindicato inicialmente pediu um aumento salarial de 77% durante a vigência do contrato de seis anos. O USMX respondeu com uma oferta de apenas 50%. Essa disputa salarial, juntamente com uma briga sobre automação e royalties de contêineres de transporte, foi a gota d’água e, depois que o USMX recebeu um aviso de greve, conforme exigido por lei, a ILA manteve sua palavra e interrompeu quase todo o trabalho na Costa Leste às 12h01 da terça-feira, 1º de outubro. Infelizmente, temos que especificar quase todos os itens acima porque o sindicato, autodeclarando‑se o sindicato I Love America (“Eu Amo os EUA”), não interromperá as cargas militares dos EUA nem interromperá qualquer navio de cruzeiro que precise atracar ou partir. É impressionante ver que um dos sindicatos mais poderosos dos Estados Unidos atualmente tenha decidido não tocar nas joias da coroa dos EUA, ou seja, o alimento físico de um império global brutal e parques temáticos flutuantes com iogurte congelado ilimitado.
Frivolidades à parte, a ousadia da ILA garantiu a eles um acordo provisório após três dias, que inclui um aumento de 61,5% durante a vigência do contrato. No entanto, esse não é o fim do processo de negociação, o trabalho foi retomado nos portos, mas pode parar novamente em meados de janeiro. O acordo apresentado dizia respeito apenas à negociação salarial e a outra questão crítica da automação ainda não foi abordada. O atual presidente da ILA, Harold Daggett, foi muito explícito ao dizer que uma linguagem mais forte deve ser incluída no contrato sobre automação, pois ele quer um acordo que não permita nenhuma nova automação significativa nos portos enquanto o contrato estiver sendo ratificado. Portanto, se o Sr. Daggett mantiver suas palavras, é bem possível que vejamos esse poderoso sindicato com uma resolução de Ano Novo para entrar em greve em 16 de janeiro.
Essa grande greve em um setor tão importante colocou a ILA sob os holofotes de outras organizações trabalhistas. Com essa nova atenção da mídia, vários outros sindicatos, incluindo o ILWU, o Sindicato dos Trabalhadores Portuários da Holanda e o Sindicato Industrial das Bermudas, emitiram declarações de solidariedade à ILA. Agora, a esta altura, a greve já terminou, portanto, qualquer aplicação prática dessa “solidariedade” é nula e sem efeito. No entanto, vale a pena perguntar se, caso a ILA tivesse ficado em greve por mais tempo, esses sindicatos teriam recusado cargas provenientes dos portos da ILA, entrado em greve também ou diminuído o ritmo de trabalho em solidariedade? A resposta provavelmente é não, mas uma maior solidariedade prática e uma capacidade compartilhada de lutar deve ser algo pelo qual lutamos em nossos sindicatos e em todas as lutas dos trabalhadores. Seja lutando por demandas que abrangem toda a classe, unindo as lutas de diferentes trabalhadores ou tentando criar um sindicato de classe, esses são aspectos práticos pelos quais o movimento operário nos EUA deve se esforçar e, embora essas declarações de solidariedade sejam praticamente irrelevantes neste momento, elas são um microcosmo para um desenvolvimento positivo dentro da classe.
A necessidade de unificar os trabalhadores através de sindicatos e de diferentes locais de trabalho torna‑se incrivelmente óbvia em uma luta como essa. Quanto maior seria o golpe desferido contra o capital se os trabalhadores, não apenas de um lado do continente, estivessem em greve, mas de ambos os lados? Quanto mais os trabalhadores poderiam ganhar se não apenas os trabalhadores portuários estivessem unificados, mas os ferroviários, os caminhoneiros e os marinheiros tivessem contratos unificados e entrassem em greve ao mesmo tempo? É preciso lutar por essa unidade entre as classes e ela deve transcender as fronteiras nacionais. Os trabalhadores da América do Norte, do sul do México até a ponta do Canadá, devem se unir para defender seus interesses imediatos e construir uma classe unificada. A burguesia não tem escrúpulos em apertar a mão de seus “inimigos”, sejam eles outros governos ou diferentes empresas com as quais concorre, quando essa unificação lhe permite continuar sua dominação sobre a classe trabalhadora. Os trabalhadores desses diferentes setores devem se unir para que a luta não beneficie apenas a eles, mas a toda a classe em sua luta dentro da sociedade de classes. Essa unidade será a própria base sobre a qual um novo mundo poderá ser construído. Um mundo construído com base na necessidade e em uma verdadeira liberdade. Uma antítese dessa “liberdade” que temos em nossa atual era capitalista global, a liberdade de dividir a sociedade entre aqueles que trabalham e aqueles que tomam o produto do trabalho. Uma liberdade que permite que um número cada vez menor de indivíduos tenha uma vida maravilhosa, enquanto o restante deve sustentar e ser grato por sua subserviência à classe dos proprietários. O Partido Comunista Internacional incentiva alegremente os trabalhadores não apenas a lutar por seus interesses imediatos, mas também a lutar por um mundo em que essa divisão seja superada. Isso só poderá acontecer quando os trabalhadores de todas as raças, setores e credos estiverem unidos em todo o mundo.
Coreia do Sul
Acabaram 50 anos de colaboração de classe na Samsung
A greve na fábrica da Samsung Electronics em Giheung, ao sul de Seul, durou de 7 de julho a 5 de agosto.
De acordo com dados da OCDE, a Coreia do Sul é um dos países com o maior número médio de horas de trabalho por ano: 1.915, mais do que as 1.791 dos Estados Unidos e as 1.349 da Alemanha. Os trabalhadores da Samsung denunciaram a carga excessiva de trabalho, o excesso de horas de trabalho, as demissões sem justa causa, a falta de segurança que levou a várias mortes e o agravamento das condições de saúde.
Essa condição de intensa exploração é agravada pela desaceleração da economia coreana, cuja produção industrial, que vinha crescendo a uma taxa média anual de 2,3% desde 2007, caiu 2,6% em 2023 em comparação com o ano anterior.
A intensa industrialização começou na Coreia do Sul no início da década de 1970. Esse capitalismo nacional, agora totalmente maduro, está entrando em sua fase senil. Isso é confirmado pelo declínio demográfico: “A taxa de fertilidade do país, a mais baixa do mundo, continua a despencar: em 2023, ela atingiu uma nova baixa histórica de 0,72” (“Avvenire”, 28 de fevereiro).
A Samsung Electronics está entre os principais fabricantes do mundo no setor e a maior divisão do grupo, que é o maior Chaebol do país, um termo usado na Coreia do Sul para se referir a conglomerados industriais de propriedade de um único capitalista ou de uma única família.
A greve – acompanhada de várias manifestações, a maior delas contando com a presença de 2.000 trabalhadores – embora derrotada, rompeu a paz social que reina na mais importante empresa desse capitalismo nacional e deve ser saudada como um sinal positivo para a retomada da luta de classes.
Foi a primeira greve na história da Samsung Electronics, fundada em 1969 e com uma tradição de forte paternalismo corporativo, que impediu a formação de qualquer sindicato até 2010.
A greve envolveu 6.000 trabalhadores de um total de 120.000, dos quais 31.000 eram membros do sindicato que promoveu a luta. Tratou‑se, portanto, de uma greve minoritária que, apesar do grande número de participantes, não foi suficiente para derrubar o colosso empresarial.
A notícia de um aumento excepcional nos lucros – que aumentaram em até 15 vezes, especialmente em decorrência das vendas de chips de computador necessários para a Inteligência Artificial – foi um elemento importante para empurrar o sindicato e os trabalhadores à ação de luta.
O sindicato NSEU (National Samsung Electronic Union) – que foi fundado há apenas 5 anos e se tornou o maior sindicato da empresa – havia promovido uma primeira greve de um só dia em junho, abertamente com o desejo de não interromper a produção, mas lançar um sinal e pedir a abertura de negociações. As exigências dos trabalhadores organizados no NSEU são: um aumento salarial de 5,6%, um bônus de produção proporcional ao nível de lucros e um dia adicional de férias.
Diante da intransigência da empresa, o NSEU convocou uma greve de três dias, de 7 a 10 de julho, dessa vez alegando que a ação afetaria sim a produção. A recusa da empresa em entrar em negociações levou a uma continuação indefinida da greve.
A Samsung concordou em negociar, mas nada aconteceu. No início de agosto, Son Woo‑mok, presidente da NSEU, declarou: “Vinte e cinco dias após o início da greve, ainda não temos nada em mãos. Como dirigente sindical, sinto‑me responsável pelo fato de não termos conseguido nenhum resultado para os afiliados que entraram em greve sem receber nenhum salário”. A greve terminou em 5 de agosto.
Porém, oito dias depois, em 13 de agosto, o NSEU convocou uma nova greve de quatro dias a partir de 16 de agosto. O vice‑presidente do sindicato, Lee Hyun‑kuk, disse: “Essa greve pretende causar danos à empresa". Entretanto, mesmo essa nova greve não parece ter sido forte o suficiente para surtir algum efeito.
Dada a escassez de informações disponíveis, só podemos dar diretrizes gerais:
– Qualquer luta fechada dentro da esfera da empresa será fraca e todos os esforços devem ser feitos para uni‑la às greves dos trabalhadores de outras empresas e categorias; ou seja, é necessário romper com o sindicalismo corporativo: a luta dos trabalhadores deve tornar‑se um problema social e, portanto, político, e não corporativo;
– As reivindicações salariais devem ser separadas dos lucros da empresa: os aumentos devem ser exigidos nos salários, não como bônus de produção; os trabalhadores devem defender seus salários independentemente do desempenho da empresa e, em escala geral, da economia nacional, que nada mais é do que o capitalismo nacional.