Partido Comunista Internacional


BRICS
Não será um mundo multipolar que curará as feridas do capitalismo


De 22 a 24 de outubro, a 16ª cúpula dos chefes de Estado dos países do BRICS, acrônimo pelo qual são chamadas as principais economias emergentes do mundo, foi realizada na cidade russa de Kazan. Estamos falando de um grupo de países que, após as recentes admissões, representa cerca de 50% da população e mais de 35% do PIB mundial. Eles controlam cerca de 42% da produção mundial de petróleo. Com US$ 10,4 trilhões, 21,6% do comércio global, até o final de 2023 eles ficam em segundo lugar, depois da União Europeia.

Mas o que eles realmente são e o que representam? Eles surgiram em 2009, com a união dos primeiros 4 Estados fundadores – Brasil, Rússia, Índia e China (BRICs) – aos quais a África do Sul (BRICS) foi adicionada um ano depois, crescendo posteriormente para 10 países, o BRICS+, no início de 2024, com a adição do Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, enquanto a Argentina, com a eleição de Milei em novembro de 2023, retirou-se do projeto por enquanto, pois ainda está envolvida em negociações com o FMI sobre os termos de pagamento de sua dívida, que chega a cerca de US$ 45 bilhões.

A partir de 1º de janeiro de 2025, a Indonésia, o quarto país mais populoso do planeta, passa a fazer parte da lista, enquanto Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão entram como “membros parceiros”. A ampliação dessa “aliança” parece ter como objetivo promover uma economia que concorra com a do imperialismo em declínio dos Estados Unidos e seus aliados, por meio do uso em transações internacionais de uma moeda que substitua o dólar e da fundação de um banco alternativo ao FMI e ao Banco Mundial, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).

A estratégia é resumida em alguns objetivos principais: maior cooperação fiscal e alfandegária entre os países membros, maior influência no cenário financeiro internacional e cooperação entre os sistemas bancários dos países membros. O NDB, que concede empréstimos a economias emergentes, principalmente nos setores de construção, infraestrutura e fornecimento de energia, foi criado em julho de 2014 na 6ª Cúpula em Fortaleza, Brasil, e vem fornecendo financiamento desde o final de 2016. Cada um dos cinco países fundadores tem uma participação igual no capital, que, junto com o dos outros membros, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Egito e Uruguai, chega a US$ 50 bilhões. Nenhum membro tem poder de veto. Atualmente, os ativos totalizam US$ 30 bilhões e financiam uma centena de projetos, com o objetivo de atingir US$ 350 bilhões até 2030, superando o FMI, que administra US$ 110 bilhões, e o Banco Mundial, com US$ 98 bilhões.

A concretização dessa perspectiva também é atestada por um estudo recente da Goldman Sachs sobre o crescimento global até 2075, que vê os países do BRICS+ em forte expansão em comparação com o Ocidente. A atual presidente da associação, Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil, que permanecerá no cargo até 2025, declarou repetidamente que “a bolha da dívida de US$ 87 trilhões dos países desenvolvidos é um lastro pesado e um bloqueio ao desenvolvimento dos países emergentes e mais pobres”. A solução para o problema é clara: “o aumento das taxas de juros nos mercados internacionais e a depreciação excessiva das moedas dos países emergentes alimentam um ciclo vicioso de dívidas. A discrepância entre a dívida em moeda forte e a renda gerada por projetos locais cria um obstáculo ao investimento e ao desenvolvimento”.

O problema poderia ser superado concedendo ao NDB 30% de seu financiamento em moedas locais. Isso permitiria que a influência dos capitalismos emergentes fosse expandida em detrimento do imperialismo hegemônico no mercado internacional, tudo dentro das regras do mercado, sem alterar as leis do capitalismo e suas consequências devastadoras. A cúpula de Kazan, sob a presidência de Vladimir Putin, contou com a participação não apenas dos estados-membros, mas também de um grupo de observadores candidatos de 36 países. Além de questões econômicas e financeiras, a cúpula tratou de questões em aberto na arena internacional, que foram finalmente resumidas em 134 pontos em 43 páginas. Xi Jinping, Narendra Modi e Erdoğan (a Turquia é o único país da OTAN que se candidatou à adesão) não tiveram dificuldade em apertar a mão de Putin, desassociando-se da ordem de Washington de “isolar a Rússia”. Essa insinuação foi aceita passivamente pela UE, com as exceções da Hungria e da Eslováquia, o que acabou sendo um desastre para as economias europeias e não para a Rússia, com a Alemanha também em recessão devido ao aumento dos preços das matérias-primas (commodities), e em favor da economia dos EUA, que substituiu parcialmente a Rússia como fornecedora de gás natural.

Isso confirma que todas as alianças entre Estados burgueses são fictícias e determinadas pelas necessidades voláteis do momento. Hoje, muitos países não têm intenção de romper com a Rússia por causa de seu peso estratégico e como fornecedora de matérias-primas, energia e até mesmo armas. A participação do secretário-geral da ONU, António Guterres, foi mais um sinal de mudança na linha política dessa organização mundial de ladrões. Ainda sobre a questão ucraniana, foi apoiada a convocação da China e do Brasil para uma conferência internacional com a participação da Rússia e da Ucrânia, que já havia sido rejeitada por Zelensky com o argumento de que não incluía a manutenção da integridade territorial ucraniana. No Oriente Médio, condenou-se Israel e expressou-se preocupação com o prolongamento da guerra no Líbano, cuja integridade territorial deve ser “mantida” com a “cessação” dos ataques ao pessoal da UNIFIL.

Com a invasão da Ucrânia e o agravamento da crise de guerra internacional com o massacre de Gaza, a cúpula de Kazan deu novo impulso ao projeto BRICS, que cada vez mais se apresenta como uma alternativa ao equilíbrio internacional pós-Segunda Guerra Mundial. No entanto, apesar dos tons tranquilizadores e conciliatórios sobre a paz, um mundo “multipolar” mais justo e equitativo para os capitalismos emergentes, os BRICS, liderados por Pequim e Moscou, não podem deixar de se esforçar para substituir a hegemonia dos EUA, seu verdadeiro objetivo.

Dentro do grupo encontram-se a Índia e o Brasil, que nem sempre têm as mesmas posições antiocidentais que a Rússia e a China. Persiste uma rivalidade histórica e estratégica entre a China e a Índia, com disputas territoriais que levaram a confrontos ao longo da fronteira do Himalaia há apenas quatro anos, com várias mortes de ambos os lados. Ao mesmo tempo, os dois países mantêm uma competição estratégica no Oceano Índico. Délhi, que almeja competir com a fábrica global da China, é membro do Quad, uma aliança estratégica com os EUA, o Japão e a Austrália cujo principal objetivo é combater qualquer hegemonia de Pequim no Indo-Pacífico.

Uma possível ampliação acrescentaria novos problemas críticos. A entrada do Irã, com a Arábia Saudita aguardando, inevitavelmente levará a novas tensões no grupo sobre questões cada vez mais complexas do Oriente Médio, como evidenciado pelas frentes opostas no mais recente abismo sírio, onde os capitalismos regionais e outros empregam forças interpostas. Se para a burguesia é um quebra-cabeças difícil de resolver, para o marxismo revolucionário a questão é simples: em qualquer aliança no capitalismo, a concorrência entre os estados burgueses leva inevitavelmente ao confronto, comercial e militar. As mesmas regras dos mercados de capital e da concorrência se aplicam tanto no Ocidente quanto no Oriente.

A Europa também criou seu próprio banco e uma união regulatória e alfandegária para lidar melhor com a concorrência no mercado mundial, mas isso não impediu que cada nação fizesse valer seus próprios interesses. A concorrência entre as burguesias individuais é impossível de se erradicar e nunca poderá trazer uma paz duradoura para a humanidade. Em tempos de crise econômica, a concorrência não pode mais ser pacífica. Muito menos pode libertar a classe trabalhadora da escravidão salarial, cuja exploração continua brutal tanto no Oriente quanto no Ocidente, tanto no Norte quanto no Sul, em capitalismos antigos ou novos. Nos países mais avançados do BRICS+, como China e Índia, Brasil e Rússia, as diferenças sociais permanecem inalteradas, assim como na Europa ou nos EUA, e os trabalhadores são solicitados a fazer grandes sacrifícios para o “bem do país”. Amanhã, eles serão solicitados a se imolar na guerra geral que o capitalismo está preparando.

Não será um mundo multipolar, outra fábula criada para enganar os trabalhadores, que curará as feridas do capitalismo, mas a luta de classes cada vez mais ampla e unida entre os trabalhadores ocidentais e dos BRICS+ por suas próprias demandas econômicas primeiro e pelo estabelecimento do estado de ditadura comunista depois.