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De Prometeo, nº 1, Julho de 1946 |
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O caminho a seguir (Tracciato d’impostazione) |
Por razões óbvias, este documento não contém uma demonstração do que afirma. A sua tarefa consiste em estabelecer o mais claramente possível a direção deste orgão. Limita-se a enunciar as principais linhas de força, a fim de evitar confusões e mal-entendidos, sejam eles involuntários ou organizacionais.
Antes de convencer o ouvinte, é necessário fazer com que ele entenda a nossa posição. Persuasão, propaganda e proselitismo vêm mais tarde.
De acordo com o método aqui seguido, as opiniões não são estabelecidas pelo trabalho de profetas, apóstolos ou pensadores em cujas cabeças nascem novas verdades para ganhar multidões de seguidores.
O processo é totalmente diferente. É o trabalho impessoal de uma vanguarda de grupos sociais que enucleia e torna evidentes as posições teóricas para as quais os indivíduos são conduzidos, muito antes de terem consciência disso, pelas condições reais comuns em que vivem. O método é, portanto, anti-escolástico, anti-cultural, anti-iluminista.
Na fase de desorientação teórica atual, um reflexo da desorganização prática, se o primeiro resultado de afinação da abordagem é que os aderentes se afastam e não se aproximam mais, isto não é surpreendente ou lamentável.
Cada movimento político, ao apresentar as suas teses, refere-se a precedentes históricos e, num certo sentido, a tradições recentes ou distantes, nacionais ou internacionais. O movimento de que esta revista é o órgão teórico também se refere a origens muito específicas. Mas ao contrário de outros, não parte de uma palavra revelada atribuída a fontes sobre-humanas, não reconhece a autoridade de textos escritos imutáveis, nem admite cânones filosóficos ou morais jurídicos a serem utilizados no estudo de cada questão, que se afirma serem inerentes ou imanentes à forma de pensar e sentir de todos os homens.
Os termos marxismo, socialismo, comunismo, e o movimento político da classe proletária são aceitáveis para nomear esta orientação. O problema é que todos estes termos têm sido repetidamente mal utilizados. Em 1917 Lenine considerou uma exigência fundamental a alteração do nome do partido, regressando ao nome comunista do Manifesto de 1948. Hoje em dia, o abuso imenso do nome de comunista por partidos que estão fora de qualquer linha de classe revolucionária cria uma confusão ainda maior; movimentos que são extremamente conservadores das instituições burguesas ousam intitular-se partidos do proletariado; o termo marxistas é utilizado para definir as aglomerações mais absurdas de partidos como os do anti-Francoismo espanhol.
A linha histórica aqui referida é a seguinte: o Manifesto Comunista de 1848 (também intitulado exatamente Manifesto do Partido Comunista, sem acrescentar o nome da nação); os textos fundamentais de Marx e Engels; a restauração clássica do marxismo revolucionário contra todo o revisionismo oportunista, que acompanhou a vitória revolucionária na Rússia, e os textos leninistas fundamentais; as declarações constitutivas da Internacional de Moscovo no 1º e 2º Congressos; as posições sustentadas pela esquerda nos sucessivos congressos a partir de 1922.
Limitada à Itália, a linha histórica está ligada à corrente de esquerda do Partido Socialista durante a guerra de 1914-18, à constituição do Partido Comunista de Itália em Livorno em Janeiro de 1921, ao seu congresso em Roma em 1922, às manifestações da sua corrente de esquerda dominante até ao congresso de Lyon em 1926, e subsequentemente fora do partido e do Comintern e no estrangeiro.
Esta linha não coincide com a do movimento Trotskista da Quarta Internacional. Mais tarde, Trotski, e depois Zinoviev, Kamenev, Bucharin e os outros grupos russos da tradição bolchevique, reagiram às táticas erradas que tinham defendido até 1924 e reconheceram que o desvio se estava a aprofundar ao ponto de dominar os princípios políticos fundamentais do movimento. Os trotskistas de hoje apelam à restauração desses princípios, mas não rejeitaram claramente os elementos dissolventes das manobrasinhas" falsamente definidas como bolcheviques e leninistas.
A base de qualquer investigação deve ser a consideração de todo o processo histórico que tem tido lugar até agora e o exame objetivo dos fenómenos sociais atuais. O método tem sido afirmado muitas vezes, mas muito frequentemente extravia-se no decurso da sua aplicação. A base da investigação assenta no exame dos meios de produção através dos quais os agregados humanos proporcionam a satisfação das suas necessidades, ou seja, a tecnologia de produção e, com o seu desenvolvimento, as relações económicas. Nas várias épocas, estes fatores determinam a superstrutura das instituições legais, políticas e militares e as características das ideologias dominantes.
Este método é bem definido pelas expressões de materialismo histórico, materialismo dialético, determinismo económico, socialismo científico e comunismo crítico.
O importante é sempre utilizar conclusões factuais positivas e não postular a intervenção, a fim de representar e explicar factos humanos, quer de mitos ou divindades, quer de princípios de “direito” e “ética” naturais, tais como Justiça, Igualdade, Liberdade, Fraternidade e abstrações vazias semelhantes. Mais importante ainda é não postular estes e outros preconceitos ilusórios semelhantes sem o perceber ou sem o confessar, e como resultado das irresistíveis influências da ideologia dominante, e não permitir que eles ressurjam precisamente quando se trata dos momentos mais ardentes e das decisões mais importantes.
O método dialético é o único que supera a atual contradição entre continuidade rigorosa e coerência teórica, e a capacidade de reexaminar criticamente qualquer conclusão antiga estabilizada em termos formais e cânones.
A sua aceitação não tem o carácter de uma fé, nem de uma escola pela qual um tem uma paixão ou até duma posição partidária.
As forças produtivas, que
consistem principalmente nos homens que produzem e nos seus grupos, e também nas
ferramentas e meios mecânicos que são capazes de utilizar, atuam no quadro das
formas de produção.
Estas
formas são entendidas como os arranjos, as relações de dependência em que a atividade produtiva e social tem lugar. Tais
formas incluem todos os sistemas de hierarquias (familiar, militar, teocrático, político), o Estado e todos os seus órgãos, a lei e os tribunais que a aplicam, e todas as regras e regulamentos de natureza económica e jurídica que resistem à sua infração.
Uma forma especifica de sociedade vive enquanto as
forças produtivas permanecerem
limitadas dentro dos quadros dessa formas de produção. Em certos momentos da
história, este equilíbrio tende a degradar-se. Várias causas, incluindo o
progresso tecnológico, o crescimento das populações, a expansão das
comunicações, aumentam as forças
produtivas. Estas entram em conflito com as formas tradicionais, tendem a quebrar o círculo, e quando o fazem, há uma revolução: a comunidade é ordenada em novas relações económicas, sociais e jurídicas, novas
formas
tomam o lugar das antigas.
O método dialético marxista encontra, aplica e valida as suas soluções à escala dos grandes fenómenos coletivos com um método científico e experimental (o mesmo método que os pensadores da era burguesa aplicavam ao mundo natural com uma luta que era um reflexo da luta social revolucionária contra regimes teocráticos e absolutistas, mas cuja metodologia não se atreviam a usar para aplicações sociais). Deduz soluções para o problema do comportamento do indivíduo a partir dos resultados obtidos neste campo, enquanto todas as escolas religiosas, jurídicas, filosóficas e económicas opostas avançam na direção oposta. Por outras palavras, constroem as normas de comportamento coletivo na base inconsistente deste mito do Indivíduo, seja ele apresentado como uma alma pessoal imortal, afirmado como sujeito de direito e como Cidadão, estudado como uma monada imutável de prática económica, e assim por diante (Agora que a ciência física passou da sua hipótese extremamente fértil de materiais, indivíduos indivisíveis, os átomos, definiu-os como complexos ricos, e reduziu-os não tanto a outros tipos de monadas incorruptíveis, mas a pontos de encontro de toda a dinâmica radiante dos campos energéticos externos, de modo que esquematicamente se pode dizer que não é o cosmos que é uma função daqueles, mas qualquer um é uma função de todo o cosmos).
Quem acredita no indivíduo e fala de personalidade, dignidade, liberdade, responsabilidade do homem ou do cidadão, nada deve ter a ver com o pensamento marxista. Os homens não são postos em movimento por opiniões ou confissões ou por fenómenos do chamado pensamento, pelos quais a sua vontade e ação são inspiradas. São induzidos a mover-se pelas suas necessidades, que assumem o carácter de interesses quando a mesma necessidade de material urge grupos inteiros em paralelo. Enfrentam as limitações que o ambiente e a estrutura social colocam à satisfação destas necessidades. E reagem individual e coletivamente, num sentido que na grande maioria das vezes é necessariamente determinado, antes de o jogo de estímulos e reações ter dado origem nas suas cabeças aos reflexos que são chamados sentimentos, pensamentos, julgamentos.
O fenómeno é obviamente de extrema complexidade e pode, em casos individuais, ir ao encontro da lei geral que se justifica estabelecer.
Em qualquer caso, não é correto chamar-se marxista se a consciência individual, os princípios morais, a opinião e a decisão do indivíduo ou do cidadão intervierem como a força dirigente no jogo dos factos sociais e históricos.
O contraste entre forças produtivas e formas sociais manifesta-se como uma luta entre classes com interesses económicos opostos; esta luta nas suas fases culminantes torna-se uma luta armada pelo poder político.
A classe no sentido marxista não é uma declaração estatística fria, mas uma força orgânica em ação, e aparece quando a simples concomitância de condições e interesses económicos leva à ação e luta comum.
Nestas situações, o movimento é liderado por grupos e organismos de vanguarda, cuja forma desenvolvida e moderna é o partido político de classe. A coletividade cuja ação culmina na de um partido move-se na história com uma eficiência e uma dinâmica real inatingível no círculo estreito da ação individual.
É o partido que passa a ter uma consciência teórica do desenvolvimento dos acontecimentos e uma consequente influência em acontecimentos futuros, no sentido proporcionado pelo determinante das forças produtivas e das relações entre elas.
Para efeitos de uma apresentação de princípios e diretivas, que apesar da
enorme dificuldade e complexidade das questões, não pode ser feita sem recorrer
a esquemas de simplificação, podem ser identificados três tipos históricos de
movimentos políticos em que podemos classificá-los a todos.
Os movimentos
conformista são que lutam para preservar intactas as formas e instituições em vigor, proibindo qualquer transformação, e referindo-se a princípios imutáveis, quer sejam apresentados sob uma capa religiosa, filosófica ou jurídica.
Os movimentos
reformistas são aqueles que, embora não exijam uma convulsão brusca e violenta das instituições tradicionais, sentem que as forças de produção estão a pressionar demasiado e defendem mudanças graduais e parciais da ordem existente.
Os movimentos
revolucionários (e vamos adotar o termo provisório de anti-formista) são aqueles proclamam e realizam o assalto às antigas formas, e mesmo antes de poderem teorizar as características da nova ordem, tendem a quebrar as antigas, provocando o irresistível aparecimento de novas formas.
Conformismo - Reformismo - Antiformismo.
Tal esquematizarão apresenta perigos de erro. Pode-se perguntar se a dialética marxista não leva, por sua vez, à construção de um modelo geral artificial de acontecimentos históricos, reduzindo todo o desenvolvimento a uma sucessão no domínio das classes que nascem revolucionárias, vivem reformistas e acabam por se tornar conservadoras. O termo sugestivo colocado em tal evento pelo advento, com a classe proletária e a sua vitória revolucionária, da sociedade sem classes (a conhecida saída de Marx da pré-história humana) pode parecer uma construção finalista e, portanto, metafísica como as das ideologias falaciosas do passado. Hegel, como Marx denunciou, reduziu o seu sistema dialético a uma construção absoluta, caindo inconscientemente na metafísica que tinha demolido com a sua crítica (uma reflexão filosófica da luta revolucionária burguesa).
Com isto, Hegel, coroando a filosofia clássica do idealismo alemão e do pensamento burguês, colocou a tese absurda de que a história da ação e do pensamento tinha de parar de cristalizar no seu sistema perfeito, na conquista do Absoluto. Tal ponto estático de chegada é eliminado pela dialética marxista.
No entanto, Engels na sua apresentação clássica do socialismo científico (em oposição ao utopismo, que confiou a renovação social à propaganda para a adoção de um projeto de sociedade melhor proposto por um autor ou uma seita) parece admitir uma regra e lei geral do movimento histórico quando usa expressões como: o movimento avança; o mundo caminha. Tais fórmulas vigorosas de propaganda não devem levar a crer que se tenha encontrado uma receita em que todos os infinitos desenvolvimentos do devir da sociedade humana possam ser encerrados, uma receita que tome o lugar das habituais abstrações burguesas da evolução, da civilização, do progresso e por ai.
O benefício maravilhoso da arma da investigação dialética é também essencialmente revolucionário; é expresso na destruição implacável dos inúmeros sistemas teóricos que de tempos a tempos cobrem o andaime da dominação das classes privilegiadas. A este cemitério de ídolos despedaçados devemos substituir não um novo mito, um novo verbo, um novo credo, mas apenas as expressões realistas de uma série de relações entre as condições factuais e os seus melhores desenvolvimentos calculáveis.
Para dar um exemplo: a correta formulação marxista não é: Um dia o proletariado irá tomar o poder político, destruir o sistema social capitalista, e construir a economia comunista; mas é: Só através da sua organização como uma classe, isto é, como um partido político, e do estabelecimento armado da sua ditadura é que o proletariado poderá destruir o poder capitalista e a economia capitalista e tornar possível uma economia não capitalista, não mercantil.
Cientificamente não podemos descartar um fim diferente da sociedade capitalista, como o regresso à barbárie, uma catástrofe mundial devido à guerra tendo, por exemplo, o carácter de uma degeneração patológica da raça (os cegos e os condenados à dissolução do tecido radioativo em Hiroshima e Nagasaki advertem este futuro possível), ou outros não dedutíveis dos factos de hoje.
O movimento revolucionário comunista desta época convulsiva deve caracterizar-se não só pela demolição teórica de todo o conformismo e todo o reformismo no mundo contemporâneo, mas também pela posição prática e tática de que já não há caminho a seguir com qualquer movimento, conformista ou reformista, nem mesmo em sectores e tempos limitados. Acima de tudo, deve basear-se na aquisição histórica irrevogável que o capitalismo burguês já esgotou todos os impulsos anti-formistas, ou seja, já não tem qualquer tarefa histórica geral de demolir formas pré-capitalistas e de resistir ao seu regresso ameaçado. Isto não nega que enquanto as poderosas forças da mudança capitalista, que aceleraram a transformação do mundo a um ritmo sem precedentes, estivessem a atuar em tais relações, o movimento de classe proletário poderia e deveria condená-las dialecticamente na doutrina e apoiá-las na ação.
Uma diferença essencial entre o método metafísico e o método dialético na história reside nisto. Todo o tipo de instituição e ordem social e política não é em si bom ou mau, para ser aceite ou rejeitado, de acordo com o exame das suas características com base em cânones e princípios gerais.
De acordo com a interpretação dialética da história, cada instituição tem tido tarefas e efeitos revolucionários, progressivos e conservadores em situações sucessivas. Trata-se, para cada posição do problema, de colocar as forças produtivas e os fatores sociais no seu lugar, deduzindo o significado do conflito político que é a sua expressão.
É metafísico declarar-se autoritário ou libertário, monárquico ou republicano, aristocrático ou democrático em princípio, e voltar na polémica aos cânones colocados fora da conjuntura histórica. Platão, na sua primeira tentativa sistemática de ciência política, já superou o absolutismo místico dos princípios, e Aristóteles seguiu-o distinguindo entre os três tipos – poder de um, de poucos, de muitos – as boas e as más formas: monarquia e tirania – aristocracia e oligarquia – democracia e demagogia.
A análise moderna, especialmente desde Marx, vai muito mais fundo.
Na fase histórica atual, quase todas as declarações políticas e propaganda utilizam os piores motivos tradicionais de todas as superstições religiosas, legais e filosóficas.
Todo este caos de ideias, uma projeção na mente dos homens contemporâneos do caos das relações de interesse numa sociedade em decadência, deve ser contrastado com uma análise dialética firme das das relações das forças reais em jogo hoje em dia.
A fim de introduzir isto, uma avaliação semelhante deve ser recordada com referência a relações bem conhecidas de épocas históricas anteriores.
Começando pelas formas económicas, não faz sentido tomar um partido geral
a favor de uma economia comum ou privada, liberal ou monopolista, individual ou
coletiva, e vangloriar-se dos méritos de cada sistema em prol do bem-estar
geral: tal coisa seria cair na utopia, que é exatamente o contrário da dialética
marxista.
O exemplo clássico do comunismo como “negação da negação” é bem
conhecido em Engels. As primeiras formas de produção humana foram comunistas,
depois veio a propriedade privada, que representava um sistema muito mais
complexo e eficiente. A partir daí, a sociedade humana volta ao comunismo. Este
comunismo moderno seria impossível se o comunismo inicial não tivesse sido
superado, derrotado e destruído pelo sistema da propriedade privada. O marxista
vê esta transição inicial como uma vantagem e não como um detrimento. O que se
diz do comunismo pode ser dito de todas as outras formas económicas como a
escravatura, a servidão feudal, a manufatura, o capitalismo industrial,
monopolista, e assim por diante.
A economia mercantil, em que os objetos necessários para satisfazer as necessidades humanas deixaram, no fim da barbárie, de ser adquiridos e consumidos diretamente pelo ocupante ou pelo produtor primitivo e tornaram-se suscetíveis de serem trocados primeiro entre si, dando o nascer à forma económica da troca, e mais tarde com um equivalente monetário comum, constituiu na sua aparência histórica uma grande revolução social.
Isto tornou possível que diferentes pessoas fossem empregadas em diferentes empregos produtivos, alargando e diferenciando assim grandemente o carácter da vida social. Ao mesmo tempo, podemos reconhecer esta transição e afirmar que, após uma série de tipos de organização económica, todos baseados no princípio mercantil comum (escravatura, feudalismo, capitalismo, etc.), estamos agora a tender para uma economia não mercantil, e que a tese segundo a qual a produção é impossível fora do mecanismo da troca monetária de mercadorias é hoje uma tese conformista e reacionária.
A abolição do mercantilismo só pode ser sustentada hoje em dia e na medida em que o desenvolvimento do trabalho associado e a concentração das forças produtivas, que o capitalismo, a última economia mercantil, trouxe, torna possível quebrar os limites pelos quais todas as mercadorias circulam como mercadorias e o próprio trabalho humano é tratado como uma mercadoria.
Um século antes desta fase, uma crítica ao sistema mercantilista baseada em raciocínios filosóficos, jurídicos e morais em geral teria sido pura loucura.
Os vários tipos de agregados sociais que surgiram posteriormente, através dos quais a vida coletiva se diferenciou do individualismo animal primitivo, seguindo um ciclo imenso que tem vindo a complicar cada vez mais as relações em que o indivíduo vive e se move, não podem, tomados individualmente, ser julgados favoravelmente ou desfavoravelmente, mas devem ser considerados em relação à sucessão e ao desenvolvimento histórico que lhes tem dado uma tarefa de mudança em sucessivas transformações e revoluções. Cada uma destas instituições surge como uma realização revolucionária, desdobra-se e reforma em longos ciclos históricos, e finalmente torna-se um obstáculo reacionário e conformista.
A instituição da família aparece como a primeira forma social quando, na espécie humana, a ligação entre pais e descendentes ultrapassa em muito a época em que existe por necessidade fisiológica. Nasce a primeira forma de autoridade, que a mãe e depois o pai exercem sobre os seus descendentes, mesmo quando são indivíduos fisicamente completos e fortes. Também aqui estamos em presença de uma revolução, uma vez que surge a primeira possibilidade de uma organização da vida coletiva e se estabelece a base para os futuros desenvolvimentos que conduzirão às primeiras formas de sociedade organizada e ao Estado.
À medida que a vida social se tornava cada vez mais complexa nas longas fases sucessivas, o interesse e a autoridade de um homem sobre outro iam muito além dos limites do parentesco e do sangue. O novo agregado maior contém e regula a instituição da família, como acontece nas primeiras cidades, nos estados, nos regimes aristocráticos, depois no burguês, tudo fundado no fetiche-instituição da herança.
Quando surge a necessidade de uma economia que vai além do jogo dos interesses individuais, a instituição da família, com os seus limites excessivamente estreitos, torna-se um obstáculo e um elemento reacionário na sociedade.
Sem por isso negar a sua função, os comunistas modernos, tendo notado que o sistema capitalista já deformou e profanou a “santidade” desta instituição, lutaram abertamente contra ela e irão suprimi-la.
As várias formas de estado, como monarquia e república, alternam na
história de formas complicadas e ambas podem ter representado energias
revolucionárias, progressistas e conservadoras em diferentes situações
históricas. Embora se possa admitir em geral que o regime capitalista antes da
sua queda irá provavelmente liquidar os regimes dinástico que sobreviveram hoje,
mesmo nesta matéria não julgamos por absolutos que estão fora do espaço e do
tempo.
As primeiras monarquias surgiram como expressão política de uma divisão
de tarefas materiais: certos elementos do agregado de famílias ou tribos
primitivas assumiram – enquanto os outros se dedicavam à caça, à pesca, à
agricultura, aos primeiros ofícios – a defesa com armas contra outros grupos ou
outros povos, ou mesmo a presa armada dos bens destes últimos, e os primeiros
guerreiros e reis basearam o privilégio do poder em maiores riscos. Também aqui
estamos a lidar com o advento de formas mais desenvolvidas e complexas, que de
outro modo seriam impossíveis, e portanto com um dos caminhos que levou a uma
revolução nas relações sociais.
Em fases sucessivas, a instituição monárquica
tornou possível a constituição e o desenvolvimento de vastas organizações
estatais nacionais contra o federalismo dos satraps e escudeiros, e teve uma
função inovadora e reformadora. Dante é o grande reformador monárquico nos
primórdios dos tempos modernos.
Mais recentemente, a monarquia emprestou-se em
muitos países – mas não menos a república – para assumir as formas mais
estreitas de poder de classe da burguesia.
Pode ter havido movimentos republicanos e partidos de carácter revolucionário, outros de carácter reformista, outros de carácter claramente reacionário.
Para manter exemplos acessíveis e simplificáveis, Brutus “que expulsou Tarquin” foi um revolucionário, os Gracchi eram reformistas, que tentaram dar à república aristocrática um conteúdo conforme aos interesses dos plebeus, e os republicanos tradicionalistas como Catão e Cícero eram conformistas e reacionários, que se opunham ao grande desenvolvimento histórico constituído pela expansão do Império Romano e das suas formas jurídicas e sociais em todo o mundo. A questão é completamente distorcida quando se recorre a clichés sobre o Cesarismo, tirania ou, pelo contrário, sobre os princípios sagrados das liberdades republicanas e motivos retórico-literários semelhantes.
Entre os exemplos modernos, basta considerar as três repúblicas francesas de ’93, ’48 e ’71 como anti-formistas, reformista e conformista.
As repercussões das crises das formas económicas podem ser vistas não só nas instituições sociais e políticas, mas também nas crenças religiosas e opiniões filosóficas. Todas as posições jurídicas, confessionais ou filosóficas devem ser consideradas em relação a situações históricas e crises sociais, e têm sido revolucionárias, progressistas ou conformistas por sua vez.
Anti-conformista e revolucionário por excelência foi o movimento de Cristo.
A afirmação de que em todos os homens é uma alma de origem divina e destinada à imortalidade, independentemente da sua posição social ou casta, era o equivalente à revolta revolucionária contra as formas opressivas e escravizantes do antigo Oriente. Enquanto a lei admitir que a pessoa humana pode ser considerada como uma mercadoria, um objeto de compra e venda como um animal, e portanto todas as prerrogativas legais dos homens e cidadãos livres são monopólio de uma única classe, a afirmação da igualdade dos crentes foi uma palavra de luta que se chocou incessantemente contra a resistência das ordens teocráticas dos judeus, aristocratas e militares de outros Estados da antiguidade.
Após longas fases históricas e a abolição da escravatura, o cristianismo tornou-se a religião oficial e a pedra angular do Estado. Vive o seu ciclo reformista na Europa moderna como expressão da luta contra a adesão excessiva da igreja às classes sociais mais privilegiadas e opressivas.
Hoje não pode haver ideologia mais conformista do que a cristã, que já na era da revolução burguesa era a arma organizacional e doutrinal mais poderosa para a resistência dos antigos regimes.
Hoje, a poderosa rede eclesiástica e a religião, oficialmente reconciliada e acordada em todo o lado com o sistema capitalista, estão empenhadas como uma defesa fundamental contra a ameaça da revolução proletária.
Nas relações sociais atuais, uma vez que é agora uma conquista antiga que cada indivíduo seja uma empresa económica com a possibilidade teórica de ter ativos e passivos, a superstição que traça em torno de cada indivíduo o círculo fechado do equilíbrio moral de todas as suas ações e o projeta na ilusão de uma vida após a morte, não é senão a projeção no cérebro dos homens do mesmo carácter burguês da sociedade atual, fundada sobre a economia privada.
Não é possível conduzir a luta para quebrar os limites de uma economia baseada em empresas privadas e orçamentos individuais sem tomar uma posição abertamente anti-religiosa e anti-cristã.
A burguesia capitalista moderna já apresentou três fases históricas
características nos principais países.
A burguesia aparece como uma classe
abertamente revolucionária e conduz uma luta armada para quebrar as formas de
absolutismo feudal e clerical, os laços que ligam as forças de trabalho dos
camponeses à terra e os dos artesãos ao corporativismo medieval.
A necessidade
de libertação destas restrições coincide com a do desenvolvimento das forças
produtivas que, com os recursos da tecnologia moderna, tendem a concentrar os
trabalhadores em grandes massas.
A fim de dar livre desenvolvimento a estas
novas formas económicas, os regimes tradicionais devem ser derrubados à força. A
classe burguesa não só lidera a luta insurrecional, mas após a primeira vitória
implementa uma ditadura de ferro para impedir a ascensão de monarquistas,
senhores feudais e hierarquias eclesiásticas.
A classe capitalista aparece na história como uma força anti-formista e as suas energias imponentes levam-na a derrubar todos os obstáculos, materiais e ideais; os seus pensadores derrubam os velhos cânones e crenças da forma mais radical.
As teorias da autoridade por direito divino são substituídas pelas da igualdade e da liberdade política, da soberania popular, e é proclamada a necessidade de instituições representativas, afirmando que, graças a estas, o poder é expresso pela vontade coletiva livremente manifestada.
O princípio liberal e democrático nesta fase parece claramente revolucionário e anti-formalista, tanto mais que não é alcançado por meios pacíficos e legalitários, mas triunfa através da violência e do terror revolucionário, e é defendido por retornos restaurativos com a ditadura da classe vencedora.
Na segunda fase, com o sistema capitalista agora estabilizado, a burguesia proclama ser o expoente do melhor desenvolvimento e bem-estar de toda a comunidade social e passa por uma fase relativamente calma de desenvolvimento das forças produtivas, de conquista de todo o mundo habitado pelo seu próprio método, de intensificação de todo o ritmo económico. Esta é a fase progressiva e reformista do ciclo capitalista.
O mecanismo parlamentar democrático nesta segunda fase burguesa vive em paralelo com a direção reformista, com a classe dominante interessada em fazer a sua própria ordem parecer como capaz de expressar e manifestar os interesses e reivindicações das classes trabalhadoras. Os seus governantes afirmam ser capazes de os satisfazer com disposições económicas e legislativas que, no entanto, deixam as pedras angulares legais do sistema burguês em vigor. O parlamentarismo e a democracia já não têm o carácter de palavras de ordem revolucionárias, mas assumem um conteúdo reformista que assegura o desenvolvimento do sistema capitalista, impedindo choques violentos e explosões da luta de classes.
A terceira fase é a do
imperialismo moderno, caracterizada pela concentração monopolista da economia, o
crescimento dos sindicatos e dos trusts capitalistas, e o planeamento em grande
escala dirigido por centros Estatais. A economia burguesa transforma-se e perde
as características do liberalismo clássico, em que cada proprietário de empresa
era autónomo nas suas escolhas económicas e nas suas relações comerciais. Existe
uma disciplina de produção e distribuição cada vez mais rigorosa; os indicadores
económicos já não resultam da livre concorrência, mas da influência das
associações entre capitalistas primeiro, depois dos organismos de concentração
bancária e financeira, e finalmente diretamente do Estado. O Estado político,
que no sentido marxista era o comité de interesses da classe burguesa e os
protegia como órgão do governo e da polícia, tornou-se cada vez mais um órgão de
controlo e mesmo de gestão da economia.
Esta concentração de poderes económicos
nas mãos do Estado só pode ser confundida com uma mudança da economia privada
para a economia coletiva se ignorarmos deliberadamente que o Estado
contemporâneo apenas expressa os interesses de uma minoria e que cada Estado
realizado dentro dos limites das formas mercantis conduz a uma concentração
capitalista que reforça, em vez de enfraquecer, o carácter capitalista da
economia. O desenvolvimento político dos partidos da classe burguesa nesta fase
contemporânea, como foi claramente estabelecido por Lenine na sua crítica ao
imperialismo moderno, conduz a formas de opressão mais rigorosas, e as suas
manifestações são vistas no advento de regimes que são definidos como
totalitários e fascistas. Estes regimes constituem o tipo político mais moderno
de sociedade burguesa e estão a difundir-se através de um processo que se
tornará cada vez mais claro em todo o mundo. Um aspeto concomitante desta
concentração política consiste na predominância absoluta de alguns estados muito
grandes, em detrimento da autonomia dos estados médios e pequenos.
O advento desta terceira fase do capitalismo não pode ser confundido com um regresso às instituições e formas pré-capitalistas, uma vez que é acompanhado por um aumento vertiginoso da dinâmica industrial e financeira, qualitativa e quantitativamente desconhecido no mundo pré-burguês. O capitalismo repudia efetivamente o quadro democrático e representativo e estabelece centros de governo absolutamente despóticos. Em alguns países, já teorizou e proclamou a constituição do partido totalitário único e a centralização hierárquica; noutros, continua a utilizar palavras de ordem democráticas agora vazias de conteúdo, mas prossegue inexoravelmente na mesma direção.
A posição essencial para uma avaliação precisa do processo histórico contemporâneo é esta: a era do liberalismo e da democracia terminou, e as reivindicações democráticas, que já eram de carácter revolucionário, progressista e reformista, são agora anacrónicas e puramente conformistas.
Correspondendo ao ciclo do mundo capitalista, temos um do movimento
proletário.
Desde o início da formação de um grande proletariado industrial,
começa a ser construída uma crítica às declarações económicas, legais e
políticas burguesas e a descoberta é teorizada que a classe burguesa não liberta
e emancipa a humanidade, mas substitui o seu próprio domínio de classe e
exploração pelo de outras classes que a precederam.
No entanto, os trabalhadores
de todos os países não podem deixar de lutar ao lado da burguesia pelo derrube
das instituições feudais e não caem nas sugestões de um socialismo reacionário
que, com o espectro do novo mestre capitalista implacável, chama os
trabalhadores para uma aliança com as classes monárquica e latifundiários
feudais.
Mesmo nas lutas que os jovens regimes capitalistas levam a cabo para
contrariar os retornos reacionários, o proletariado não pode recusar o seu apoio
à burguesia.
Uma formulação inicial da estratégia de classe do proletariado nascente é a perspetiva de realizar movimentos anti-burgueses sobre o impulso da mesma luta insurrecional travada ao lado da burguesia, conseguindo a libertação imediata da opressão feudal e da exploração capitalista.
Uma manifestação embrionária pode ser rastreada até à grande revolução francesa com a Conspiração dos Iguais de Babeuf. O movimento era teoricamente imaturo, mas a lição histórica da repressão implacável da burguesia Jacobina vitoriosa contra os trabalhadores que tinham lutado ao lado dele e pelos seus interesses continua a ser significativa. Na véspera da onda burguesa e revolucionária nacional de 1848, a teoria da luta de classes já estava amadurecida, sendo claras as relações entre a burguesia e o proletariado à escala europeia e mundial.
No Manifesto, Marx planeou tanto uma aliança com a burguesia contra os partidos da restauração monárquica em França e o conservadorismo prussiano, como uma evolução imediata no sentido de uma revolução que visa a conquista do poder pela classe trabalhadora. Mesmo nesta fase histórica, o esforço de revolta dos trabalhadores é implacavelmente reprimido, mas é preciso afirmar que a doutrina e a estratégia de classe correspondentes a esta fase estão no claro caminho histórico do método marxista. As mesmas situações e as mesmas avaliações acompanham a grandiosa tentativa da Comuna de Paris, com a qual o proletariado francês, tendo derrubado Bonaparte e garantido a vitória da República burguesa, tenta mais uma vez tomar o poder e oferece, embora durante alguns meses, o primeiro exemplo histórico dum governo operário.
O significado mais marcante deste desenvolvimento reside na aliança incondicional anti-proletária dos democratas burgueses com os conservadores e com o próprio exército vitorioso prussiano para matar a primeira tentativa da ditadura do proletariado.
Na segunda fase, em que o reformismo nos quadros da economia burguesa é
acompanhado por uma utilização mais ampla de sistemas representativos e
parlamentares, surge uma alternativa de significado histórico para o
proletariado.
Do ponto de vista teórico, surge a questão interpretativa da
doutrina revolucionária construída como crítica das instituições burguesas e de
toda a sua defesa ideológica: a queda do domínio da classe capitalista e a sua
substituição por uma nova ordem económica terá lugar com um choque violento, ou
poderá ser conseguida através de transformações graduais e da utilização do
mecanismo legalitário parlamentar?
De um ponto de vista prático, coloca-se a
questão de saber se o partido da classe proletária já não se deve ou não
associar à burguesia contra as forças dos regimes pré-capitalistas, que agora
desapareceram, mas com uma parte avançada e progressista da própria burguesia,
que está melhor preparada para reformar a ordem.
No interlúdio idílico do mundo capitalista (1871-1914), desenvolveram-se correntes revisionistas do marxismo, falsificando as suas orientações e textos fundamentais, e construiu-se uma nova estratégia, segundo a qual vastas organizações económicas e políticas da classe trabalhadora permearam e conquistaram instituições por meios legais, preparando uma transformação gradual de toda a máquina económica.
As polémicas que acompanham esta fase dividem o movimento operário em tendências opostas; embora o programa do ataque insurrecional para quebrar o poder burguês não seja geralmente apresentado, os marxistas de esquerda resistem vigorosamente aos excessos das táticas colaboracionistas a nível sindical e parlamentar, à intenção de apoiar os governos burgueses e à participação dos partidos socialistas nas coligações ministeriais. Foi nesta altura que começou a gravíssima crise do movimento socialista mundial, provocada pela eclosão da guerra em 1914 e a mudança da maioria dos líderes sindicais e parlamentares para a política de colaboração e apoio nacional à guerra.
Na terceira fase, o
capitalismo - devido à necessidade de continuar a desenvolver a massa de forças
produtivas e, ao mesmo tempo, de evitar que estas rompessem o equilíbrio da sua
ordem – foi forçado a renunciar a métodos liberais e democráticos, levando ao
mesmo tempo à concentração em aglomerações estatais muito poderosas, tanto de
domínio político como de controlo rigoroso da vida económica. Também nesta fase,
o movimento dos trabalhadores é apresentado com duas alternativas.
No campo
teórico, deve afirmar-se que estas formas mais estreitas de domínio de classe do
capitalismo constituem a fase necessária mais evoluída e moderna que atravessará
para chegar ao fim do seu ciclo e esgotar as suas possibilidades históricas. Não
são um aperto transitório dos métodos políticos e policiais, após o qual podemos
e devemos voltar às formas da suposta tolerância liberal.
No campo tático, a
questão de saber se o proletariado deveria iniciar uma luta para trazer o
capitalismo de volta às suas concessões liberais e democráticas é falsa e
ilusória, uma vez que o clima de democracia política já não é necessário para o
futuro aumento das energias produtivas capitalistas, o que é uma condição prévia
indispensável para a economia socialista.
Esta questão na primeira fase
revolucionária burguesa não foi apenas colocada pela história, mas também
resolvida numa luta concomitante das forças do terceiro e quarto estados, e a
aliança entre as duas classes foi uma etapa indispensável no caminho para o
socialismo.
Na segunda fase, a questão de uma ação concomitante entre a
democracia reformista e os partidos dos trabalhadores socialistas foi
legitimamente colocada, e se a história provou a solução negativa defendida pela
esquerda marxista revolucionária contra a da direita revisionista e reformista,
esta última, antes da degeneração fatal de 1914-18, não podia ser chamada de
movimento conformista. Acreditava na plausibilidade de uma viragem lenta da roda
da história, ainda não tentou virá-la para trás. Que isto seja reconhecido pelos
Bebels, os Jaurès e os Turati.
Na fase atual do imperialismo mais ganancioso e
das guerras mundiais ferozes, a questão de uma ação paralela entre a classe
socialista proletária e a democracia burguesa já não surge historicamente;
apoiar uma resposta afirmativa já não representa uma alternativa, uma versão,
uma tendência do movimento operário, mas cobre a mudança total para o
conformismo conservador.
A única alternativa a ser colocada e resolvida é outra
completamente diferente da anterior. Dado que o desenvolvimento e o
desdobramento do mundo e do regime capitalista são realizados no sentido
centralista, totalitário e “fascista”, deverá o movimento proletário aliar as
suas forças a este movimento, que se tornou o único aspeto reformista da ordem e
dominação burguesa? Poderá esperar inserir a ascensão do socialismo neste
inexorável avanço do Estatismo capitalista, ajudando-o a dispersar a última
resistência passatista dos liberais e liberais, os piores conformistas
burgueses?
Ou deveria o movimento proletário, duramente atingido e disperso por
não ter sido capaz, na fase das duas guerras mundiais, de abandonar a
colaboração de classe, reconstituir-se fora deste método, fora da ilusão do
reaparecimento de ordens burguesas pacíficas penetráveis por meios legais, ou
mais vulneráveis à investida das massas (duas formas, estas, igualmente
perigosas do derrotismo de todo o movimento revolucionário)?
O método dialético
marxista leva à conclusão negativa da questão da aliança com as novas formas
burguesas centralizadoras modernas, pelas razões que historicamente se desdobram
das mesmas que levaram ontem a combater a aliança com o reformismo da fase
democrática e pacifista.
O capitalismo, a premissa dialética do socialismo, já
não precisa de ser ajudado a nascer (afirmando a sua ditadura revolucionária)
nem a crescer (no seu arranjo liberal e democrático).
Concentra inevitavelmente
a sua riqueza económica e força política em unidades monstruosas na fase
moderna.
O seu transformismo e reformismo asseguram o seu desenvolvimento e, ao
mesmo tempo, defendem a sua preservação.
O movimento operário não estará sujeito
ao seu domínio apenas se se colocar fora do domínio de ajudar as necessárias
evoluções do capitalismo, reorganizando as suas forças fora destas perspetivas
ultrapassadas, sacudindo o peso das tradições do velho método, denunciando – já
com uma fase histórica inteira de atraso – o seu acordo tático com todas as
formas de reformismo.
No final da Primeira Guerra Mundial, o problema mais candente da história contemporânea passou para a fase atual: a crise do regime czarista russo, a estrutura do estado feudal sobrevivente em pleno desenvolvimento capitalista.
A posição da esquerda marxista (Lenine, bolcheviques) já estava estabelecida há muitas décadas na perspetiva estratégica de liderar a luta pela ditadura proletária em simultâneo com a de todas as forças anti-absolutistas para o derrube do império feudal.
A guerra permitiu realizar este grande plano e concentrar a transição do poder da dinastia, da aristocracia e do clero, através de um parêntese dos governos dos partidos burgueses democráticos, para a ditadura do proletariado no ciclo muito acelerado de nove meses.
As questões e alinhamentos mundiais relacionados com a luta de classes, a guerra pelo poder e a estratégia da revolução dos trabalhadores receberam um poderoso impulso deste grande acontecimento.
No curto ciclo, a estratégia e as táticas do partido proletário passaram por todas as fases: luta ao lado da burguesia contra o antigo regime; luta contra a burguesia assim que o estado feudal entrou em colapso e tentou construir o seu próprio; rutura e luta contra todos os partidos reformistas e gradualistas do próprio movimento operário, levando ao monopólio exclusivo do poder pela classe trabalhadora e pelo partido comunista. As repercussões históricas sobre o movimento operário tiveram o carácter de uma estrondosa derrota para as tendências revisionistas e colaboracionistas, e em todos os países os partidos proletários foram empurrados para o campo da luta armada pelo poder.
Mas a estratégia e tática russas foram mal interpretadas e mal aplicadas noutros países, onde queriam esperar por um regime Kerensky conseguido através de uma política de coligação para dar o golpe fatal com uma conversão ousada.
Esqueceu-se assim que esta sucessão de movimentos estava muito ligada à emergência tardia do Estado político próprio do capitalismo, que existia há décadas ou mesmo séculos noutros países europeus, e que era tanto mais forte quanto mais evidente era a sua estrutura jurídica democrático-parlamentar. As alianças nas batalhas insurrecionais entre bolcheviques e não-bolcheviques, e também as que visavam evitar certas tentativas de retorno à restauração feudal, foram o último exemplo possível numa escala histórica de tais relações de forças políticas; que a revolução proletária na Alemanha, por exemplo, teria tido o curso tático da revolução russa se tivesse emergido, como Marx esperava, da crise de 1848, enquanto que em 1918-1919 só poderia ter sucesso se o partido revolucionário comunista tivesse forças suficientes para subjugar o bloco de kaiseristas, burgueses e social-democratas no poder na República de Weimar.
Quando o primeiro exemplo do tipo de governo totalitário burguês ocorreu em Itália com o fascismo, a falsa abordagem estratégica fundamental de entregar ao proletariado a luta pela liberdade e garantias constitucionais no seio de uma coligação anti-fascista manifestou o engano total do movimento comunista internacional em relação à estratégia revolucionária de lidar com a direita.
Confundir Mussolini e Hitler, reformadores do regime capitalista no sentido mais moderno, com Kornilov ou com as forças de restauração e a Santa Aliança de 1815, foi o maior e mais ruinoso erro de julgamento e marcou o abandono total do método revolucionário.
A fase imperialista, economicamente madura em todos os países modernos, na sua forma política fascista apareceu e aparecerá numa sucessão determinada pelas relações contingentes de força entre Estado e Estado e entre classe e classe nos vários países do mundo. Esta transição poderia ser mais uma vez bem recebida como uma oportunidade para ataques revolucionários ao proletariado; No entanto, não no sentido de destacar e esbanjar as forças da sua vanguarda comunista no objetivo ilusório de impedir a burguesia no seu movimento de sair das formas legais com a absurda exigência de restauração das garantias constitucionais e do sistema parlamentar, mas, pelo contrário, aceitando o fim histórico deste instrumento de opressão burguesa e o convite a lutar fora da legalidade para tentar quebrar todos os outros andaimes, policiais, militares, burocráticos, legais do poder capitalista e do Estado.
A mudança dos partidos comunistas para a estratégia do grande bloco
antifascista, exasperados com as palavras de colaboração nacional na guerra
anti-alemã de 1939-1945, de movimentos
partisanistas, de comités de libertação nacional, até à vergonha da
colaboração ministerial, marcou a segunda derrota desastrosa do movimento
revolucionário mundial. Este não pode ser reconstituído, em teoria, organização
e ação, sem o levar para fora e contra a política que hoje une os partidos
socialistas e Estalinistas. O novo movimento tem de depender de diretivas que
são a antítese precisa das palavras difundidas por aqueles movimentos
oportunistas, cujas posições – como é evidente à luz de uma crítica dialética –
são ao mesmo tempo o sinal – por palavras – do movimento mundial que se
autodenomina anti-fascista, e que em vez disso estão totalmente inseridas – de
facto – no devir num sentido fascista da organização social.
O novo movimento
revolucionário do proletariado, característico da época imperialista e fascista,
depende das seguintes diretivas:
1) Negação da perspetiva de que, após a derrota da Itália, Alemanha e Japão, se abriu uma fase de regresso geral à democracia; afirmação, pelo contrário, de que o fim da guerra é acompanhado de uma transformação no sentido e com o método fascista do governo burguês nos Estados vitoriosos, mesmo e especialmente se nele participarem partidos reformistas e “de operários”. Recusa em apresentar como exigência à classe proletária o - ilusório - regresso às formas liberais.
2) Declaração de que o regime russo atual perdeu o seu carácter proletário, em paralelo com o abandono da política revolucionária por parte da Terceira Internacional. Uma involução progressiva levou as formas económicas, sociais e políticas na Rússia a retomarem as estruturas e características burguesas. Este processo não é julgado como um regresso a formas pré-históricas de tirania autocrática ou pré-burguesa, mas como a realização, por um caminho histórico diferente, do mesmo tipo de organização social avançada apresentada pelo capitalismo de Estado em países com um regime totalitário, e em que o planeamento em grande escala oferece o caminho para desenvolvimentos impressionantes e dá um elevado potencial imperialista. Face a esta situação, portanto, não é a exigência de que a Rússia regresse às formas de democracia parlamentar interna, que estão em dissolução em todos os países modernos, mas que o partido comunista revolucionário totalitário também se erga na Rússia.
3) Rejeição de qualquer apelo à colaboração de classe nacional e à solidariedade patriótica, apelo a que ontem se derrubem os chamados regimes totalitários e se lute contra o Eixo, e hoje pela reconstrução legalitária do mundo capitalista arruinado pela guerra.
4) Rejeição das manobras e táticas da frente única, ou seja, o convite aos auto-denominados partidos socialistas e comunistas, que agora nada têm de proletário, para abandonarem a coligação governamental a fim de criar a chamada unidade proletária.
5) Uma luta profunda contra qualquer cruzada ideológica tendente a mobilizar as classes trabalhadoras de diferentes países em frentes patrióticas na nova possível guerra imperialista, pedindo-lhes que lutem por uma Rússia Vermelha contra o capitalismo anglo-saxão ou que apoiem a democracia ocidental contra o totalitarismo Estalinista, numa guerra que será apresentada como anti-fascista.