Partido Comunista Internacional

De Battaglia Comunista, no.39, 1949
 

Luta de classes e “ofensivas patronais”

Ontem

Os erros na prática da luta proletária e os desvios desastrosos da mesma, uma característica da Primeira Guerra Mundial, bem como da Segunda e deste período pós-guerra, estão estreitamente ligados à confusão dos pontos cardeais do método marxista.

Marx coordenou a previsão do ataque revolucionário dos trabalhadores com as leis económicas do desenvolvimento capitalista.

Aqueles que reviram o marxismo queriam encontrar defeitos na construção marxista, determinando atrasos da nossa revolução dum século. Com base nas novas condições de transporte e comunicação mundial, Marx tinha esperado um desenvolvimento mais rápido do que o da revolução burguesa. Fingem portanto que as leis económicas são falsas e que os desenvolvimentos mais recentes do regime burguês negaram a seguinte tese central: há sempre mais riqueza que se acumula num centro, e mais pobreza no outro.

Citaram, durante cinquenta anos, os números do aumento das taxas salariais, do aumento do nível de variedade dos produtos consumidos pelos trabalhadores industriais, os resultados da enorme maquinaria das reformas da previdência social que têm tendência a atuar contra a queda em fome absoluta dos trabalhadores expulsos do ciclo do trabalho, por infortúnio, doença, velhice, maternidade ou desemprego. Por outro lado, fingem que a extensão das funções do aparato central do Estado, o seu alegado controlo de abusos e excessos de especulação capitalista, a distribuição a todos os benefícios e de serviços sociais e coletivos equivale a substituir as exigências socialistas.

Na visão revisionista, tudo tende a mostrar a possibilidade “progressiva” de uma sempre melhor distribuição dos frutos da produção entre aqueles que nela participam, atolando poderosos desejos socialistas no pântano de uma campanha de filantropia viscosa para a estúpida expressão de uma “justiça social” própria de um passado teórico e literário que já existia qunado Marx o partiu aos pedaços.

Do seu idílio Arcadiano, o capitalismo foi transportado para os horrores da tragédia da corrida louca dos monopólios e do imperialismo, que terminou, em primeiro lugar, na guerra de 1914. E é óbvio que enquanto persistir, viver e crescer, cresce e espalha-se na mesma medida sofrimento e massacres, o que se reflete num regresso vigoroso dos partidos operários às posições radicais e à batalha que visa a destruição e não a reforma do sistema social burguês.

Após o novo teste, teoricamente ainda mais decisivo, da Segunda Guerra Mundial, os anos que se avizinham colocam o grave problema da falta de reação revolucionária nos métodos de ação do proletariado mundial.

A lei geral da acumulação capitalista é exposta por Marx no Volume 1 do Capital, no capítulo “A lei geral da acumulação capitalista”. O primeiro parágrafo explica que o progresso da acumulação tende a aumentar o nível dos salários. A difusão da produção capitalista em grande escala, como aconteceu no exemplo inglês entre o século XV e a primeira metade do século XVIII, e em todo o mundo durante a segunda metade do século XVIII, fez com que “se verificasse um aumento dos salários” com uma procura de um maior número de trabalhadores assalariados. É uma perda de tempo tentar refutar Marx com o facto de os salários dos escravos do capital não terem caído! De facto, imediatamente após estas palavras, Marx escreve:”Mas as circunstâncias mais ou menos favoráveis em que os assalariados se mantêm e se multiplicam em nada alteram o caráter fundamental da produção capitalista”.

E este carácter fundamental, de que trata a lei geral, não é determinado, segundo Marx, apenas através da relação trabalhador-patrão, mas através da relação entre as duas classes. A sua composição varia continuamente. Na classe burguesa, a riqueza acumulada concentra-se enquanto se divide entre um número sempre menor de mãos e, especialmente, num número cada vez menor de grandes empresas. O ponto final desta perspetiva é claramente expresso: “Numa dada sociedade, esse limite seria alcançado no instante em que o capital social total estivesse reunido nas mãos, seja de um único capitalista, seja de uma única sociedade de capitalistas.” (ibid.) Engels acrescenta numa nota que em 1890 esta previsão de 1874 foi verificada pelos “mais recentes trusts americanos e ingleses”. Kautsky, ainda um radical nessa altura, repete vinte anos mais tarde que o fenómeno se espalhou pelo mundo capitalista. Lenine desenvolve desta forma, em 1915, a teoria completa do imperialismo. A escola marxista de hoje tem materiais para completar o texto clássico com estas palavras “...ou também do Estado capitalista nacionalista, liderados por Hitlers, Attlees ou Stalins”.

Do outro lado da trincheira social, Marx segue, nesta análise central, como em todo o seu trabalho, não a oscilação dos salários, mas a composição da população não capitalizada e a sua distribuição variável no exército de reserva industrial. E ele constrói a sua lei geral no sentido de que, com a difusão e acumulação do capitalismo, seja qual for o nível de remuneração dos trabalhadores assalariados temporariamente empregados nas empresas, aumenta o número absoluto e relativo de todos aqueles que permanecem em reserva, daqueles que nem sequer têm os produtos do seu próprio trabalho.

Na quarta parte do mesmo capítulo, ele consegue enunciar a lei, conhecida como a lei da miséria crescente: “A grandeza proporcional do exército industrial de reserva acompanha, pois, o aumento das potências da riqueza. Mas quanto maior for esse exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior será a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do martírio de seu trabalho. Por fim, quanto maior forem as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior será o pauperismo oficial”.

A miséria e o pauperismo são, para o economista filisteu, o facto de não ter de comer. De acordo com o monge católico mencionado por Marx (ibid.), a caridade separa, segundo os modernos conquistadores da América, é a UNRRA. A miséria para Marx é o que faz, pela incessante “expansão e contração” da empresa burguesa, o proletário lazarento entrar e levantar-se do túmulo da falta diária de meios, e esta miséria cresce porque o número daqueles que se encontram presos dentro da alternativa, morrer a trabalhar pelo capital ou morre de fome, aumenta tremendamente.

O argumento essencial dos revisionistas de Marx era que ele tinha começado nesta matéria para rever o Marx de 1848 enquanto escrevia O Capital. Isto é prova de que eles nunca compreenderam nada, porque em O Capital, Marx cita nesta passagem o seu trabalho anterior, incluindo o próprio “Manifesto”, “A Miséria da Filosofia” escrito contra a “A Filosofia da Miséria” de Proudhon de 1847. Ele observa imediatamente antes da frase “Este carácter antagónico da acumulação capitalista”, “Estas relações só produzem riqueza burguesa, ou seja, a riqueza da classe burguesa, enquanto aniquilam continuamente a riqueza dos membros que compõem esta classe e produzem constantemente um proletariado em constante crescimento”.

É um ponto central do marxismo, até mesmo o mais central, e é mais do que nunca no curso histórico de 1847-1874-1949.

O proletário é o indigente, ou seja, o sem-propriedade, o sem reservas e não o mal pago. A frase é encontrada por Marx num texto de 1754 que diz que quanto mais um país tem proletários, mais rico é. Marx define o proletário da seguinte forma: o empregado assalariado que produz o capital e o valoriza, e que é atirado para a rua assim que se torna supérfluo para as exigências do “Sr. Capital”. Com a sua sagacidade, Marx ri-se de um autor que fala do “proletário da floresta primitiva”. De facto, o habitante deste lugar é o seu próprio dono, não é um proletário, “porque se fosse, isso significaria que a floresta o exploraria em vez de ele a explorar”.

O lugar da pior barbárie é esta floresta moderna que faz uso de nós, esta floresta de chaminés e baionetas, máquinas e armas, de estranhas bestas inanimadas que se alimentam de carne humana.
 
Hoje

A situação de todos os sem-reservas, reduzidos a tal estado porque, dialecticamente, eles próprias são uma reserva, tem sido terrivelmente agravada pela experiência da guerra. O carácter hereditário da pertença a uma classes económicas implica que ser sem-reservas é ainda mais grave do que estar sem vida. Após a passagem das chamas da guerra, após os bombardeamentos de áreas inteiras, os trabalhadores, nada menos do que na altura de todos os outros desastres, perdem não só, muito provavelmente, o seu emprego, mas veem mesmo essa reserva mínima de propriedade móvel que constitui as partes de uma casa rudimentar destruída. Os títulos de posse sobrevivem parcialmente a toda a destruição material, porque são os direitos sociais sancionados pela exploração de outras pessoas. E para escrever novamente em letras ardentes a lei marxista do antagonismo, há a outra observação acessível a todos, que a indústria da guerra e da destruição é a que traz os maiores lucros e as maiores concentrações de riqueza em mãos cada vez menos numerosas. Para os outros que nada perdem, há a indústria da reconstrução e a floresta de negócios e o plano Marshall e o ERP cujos grandes chacais são os dignos Administradores supremos.

As guerras lançaram, portanto, sem ambiguidade, milhões e milhões de homens para as fileiras daqueles que já não têm nada a perder. Eles deram o golpe de misericórdia ao revisionismo. A palavra do marxismo radical deve ressoar de forma aterradora: os proletários, na revolução comunista, não têm nada a perder a não ser as suas correntes.

A classe revolucionária é aquela que nada tem a defender e que já não pode acreditar nas conquistas com que é enganada nos períodos entre guerras.

Tudo foi comprometido pela infame teoria da “ofensiva burguesa”.

A guerra deveria ter dado lugar à iniciativa e à ofensiva daqueles que nada têm, contra a classe que tudo tem e tudo domina. Pelo contrário, foi apresentada fraudulentamente como um trampolim para ações da classe dominante, visando retirar do proletariado benefícios inexistentes e ganhos desatualizados.

A práxis do partido revolucionário foi trocada por uma práxis de defesa, de proteção e de exigências de “garantias” económicas e políticas que supostamente foram obtidas para a classe proletária, que eram na realidade precisamente garantias e ganhos da burguesia.

O Manifesto tinha gravado este ponto central, não só na sua frase final, o resultado de uma análise de todo o complexo social que anos de lutas e experiências tinham desenvolvido, mas também noutra das que Lenine definiu como as passagens esquecidas do marxismo.

“Os proletários só podem conquistar as forças produtivas sociais abolindo o seu próprio modo de apropriação até aqui e com ele todo o modo de apropriação até aqui. Os proletários nada têm de seu a assegurar, têm sim de destruir todas as seguranças privadas e asseguramentos privados.

Para a Itália, foi o fim do movimento revolucionário quando – por ordem de Zinoviev que ainda vivia, que pagou muito caro por este erro irremediável – lançaram todas as suas forças na defesa de “garantias” como a liberdade parlamentar e o respeito pela Constituição.

O carácter da ação dos comunistas é a iniciativa, e não a resposta às chamadas provocações. A ofensiva de classe, não a defensiva. A destruição das garantias, não a sua preservação. No grande sentido histórico, é a classe revolucionária que ameaça, é ela que provoca: e é ela que deve preparar o Partido Comunista, e não o entupimento, aqui e ali, de supostas fugas na velha banheira da ordem burguesa, que deve, pelo contrário, ser afundada diretamente.

O problema do regresso dos trabalhadores de todos os países à linha da luta de classes depende da recuperação da ligação entre a crítica do capitalismo e os métodos da luta revolucionária.

Enquanto as lições dos erros desastrosos do passado não forem usadas, a classe trabalhadora não escapará à proteção odiosa daqueles que afirmam salvá-la das supostas ameaças e provocações que poderão surgir amanhã e que apresentam como intoleráveis. Há pelo menos um século que o proletariado tem diante de si e acima dele aquilo que não pode tolerar e que, à medida que o tempo passa, tornar-se-á, de acordo com a lei de Marx, cada vez mais intolerável.