Partido Comunista Internacional
De “Comunismo” n.28, 1990
Natureza e Revolução Comunista
 
1. - O “declínio comum das classes em luta”
2. - O carácter de fetiche da mercadoria
3. - O corpo místico
4. - O misticismo comunista
5. - Da economia verdadeiramente grandiosa à ecologia verdadeiramente grandiosa
 
 
1. O “declínio comum das classes em luta”

O comunista revolucionário usa a hipótese da revolução e não a hipótese negativa, da qual até Marx falou, do “declínio comum das classes em luta”.

Isto não significa dizer que negamos tal possibilidade como sendo impossível, é apenas, e certamente isto é óbvio, não podemos contar apenas com uma simples negação. Isto é especialmente verdade porque estamos numa fase da história em que o pensamento burguês faz tudo o que é possível para retratar a realidade como resolúvel no “nada”: esta negação é uma de ódio à vida em geral, uma denigração, representada por nada a não ser as crises na vida.

Sempre recusámos desempenhar um papel de meros analistas, ou o papel de escavadores de sepulturas aspirantes ou a teoria da “decadência”. A atitude do revolucionário não é ver as coisas a preto e branco, nem mesmo só a preto, como ocorre entre as ideologias malucas das escolas de pensamento contemporâneas “fortes” e “fracas”. O reconhecimento da natureza dialética da realidade exclui a dialética sofistica, na medida em que esta última é abertamente errática e retórica.

Os teóricos da Entropia convenientemente gostam de representar a realidade natural e social como um sistema fechado, enquanto os apoiantes da ciência “neutra” o fazem supostamente sem qualquer dívida para com as chamadas “intrusões subjetivistas”. No presente trabalho, mostramos porque ainda estamos convencidos de que não se trata de um sistema fechado, mas sim de uma realidade aberta e infinita, perante a qual a ciência oficial é impotente devido à sua preferência pelo conforto da natureza secundária e artificial do laboratório; por outras palavras, a negação da natureza.

Em relação à fisiologia, por exemplo: é a fome que aguça a mente! O espírito deprime-a. São as classes famintas que fazem pressão nos bem alimentados que são o motor da história; embora isto não tenha de significar que os famintos derrubam automaticamente o Estado dos saciados.

Esta última noção é de facto uma simplificação feita pelos padres, uma bandeira desfraldada nas alturas de grandes lutas, de acordo com a experiência milenar dos padres, com o objetivo de colocar as classes dominantes em guarda sobre os possíveis perigos! Mas, precisamente porque a fome aguça a inteligência, esta última não pode então ser um produto natural e espontâneo. A experiência histórica e social mostra que a inteligência (teoria) é equivalente à mente e ao cérebro, ou seja, experiência dialética acumulada com todos os seus altos e baixos. Tal acumulação requer uma explicação, e afirmamos que este processo é explicado pela história da luta de classes, tal como delineada pelo materialismo histórico e dialético.

Mesmo quando a ideologia burguesa, com os seus génios mais passáveis como Nietzsche, revela o valor da fisiologia e a pobreza do espírito e da filosofia, nunca ultrapassa o herói individual, acabando assim por fornecer uma figura que pode ser facilmente mistificada por lojistas incapazes de compreender tais acrobacias que só um bailarino como Nietzsche poderia fazer... mas não sem partir o pescoço no processo!

Só o materialismo histórico e dialético do comunismo revolucionário pode propor o advento de uma fisiologia realmente profunda a nível social, ou seja, a realidade espiritual unitária, não verbal, a que chamamos Gemeinwesen. “a verdadeira comunidade (Gemeinwesen) do homem, é a natureza humana”, como disse Marx.


2. O carácter de fetiche da mercadoria

No que diz respeito à psicanálise, o fetichismo é uma patologia neurótica que deriva da exasperação da criança por estar agarrada às saias da sua mãe. Nesse caso, então, em que consiste o carácter fetichista da mercadoria? A quem é que a burguesia se apegou demasiado às saias desde a infância? Sim, é claro! À saia da Mãe Natureza, não vistas na sua expressão dialética, mas na sua expressão metafísica e abstrata.

Temos assim as leis económicas supostamente naturais dos economistas clássicos (embora não a fraca economia das epígonetas!) que, apesar de todas as provas em contrário, vêm as leis como fundamentalmente estáticas e insuperáveis.

A mercadoria torna-se um fetiche porque a burguesia hipostatiza a “Grande Mãe”, e cada vez que a vê degradada e ofendida (pela sua própria mão) afirma que violá-la é uma impossibilidade (a conceção imaculada). É como se dissesse: a mercadoria é sagrada, não há outra alternativa.

Temos insinuado a natureza patológica e doentia neurótica de tal atitude, mas devemos também sublinhar os aspetos fenomenológicos deste estado de coisas: de que forma é que a burguesia se agarra exatamente às saias do fetiche da mercadoria? Respondemos que é ao considerar o regime mercantil como a fronteira e o único instrumento para a estabilização das energias sociais: Na realidade, porém, devido à sua incapacidade congénita, o mercado é a negação da economia da espécie, e a burguesia é incapaz de fundar uma economia verdadeiramente grandiosa que equivale a chegar a uma verdadeira fisiologia – um conhecimento do corpo – porque renuncia à teoria da “corporeidade” por considerá-la uma abstração. O verdadeiro conhecimento do corpo reside em resolver o intercâmbio homem-natureza de acordo com uma integração recíproca que equivale, em termos materiais, à “naturalização do homem e à humanização da natureza”.


3. O “corpo místico”

Por outro lado, as prefigurações passadas das sociedades “comunistas” (ou seja, classistas!) são expressões ideologicamente invertidas da necessidade do comunismo. A alusão ao “corpo místico” (deixando de lado as interpretações espiritualistas das classes dominantes) indica a exigência, sempre insatisfeita, das espécies de se proverem em conjunto de acordo com a fórmula comunista “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”.

Só o comunismo consegue perceber no processo dialético da luta de classes a alavanca necessária para a realização do regime das espécies sociais; um regime em que indivíduo e sociedade formam uma unidade coerente sem todas as contradições da sociedade burguesa e mesmo de todas as sociedades de classes. Nas sociedades de classe, o máximo que podemos esperar é uma refeição comunitária simbólica, mas não uma realidade fisiológica genuína do corpo místico, significando literalmente um corpo que vê sem olhos como o mystes da Grécia Antiga, o adivinho que vê melhor cego do que os comuns mortais com vista.


4. O misticismo comunista

Disto podemos concluir que a única sociedade capaz de misticismo é o comunismo.

Mas, longe da interpretação cínica sonhada pelas escolas do pensamento analítico burguês, isto não significa confusão ou indiferenciação, mas sim Gemeinwesen, ou seja, ordem que existe de facto (ou seja, não ordem abstrata). Ou seja, a realidade da espécie, realizada e ainda em expansão, na qual a vida é realmente capaz de se produzir e reproduzir de acordo com um plano, não como e com um fim em si mesma, mas como um modo de vida real. A espécie é mística porque é capaz de se ver a si própria sem encontrar uma contradição entre o hic et nunc, embora na maioria das vezes isto seja tomado como significando a sobrevivência da sociedade de classes e o seu futuro como o desenvolvimento “natural” das suas premissas, em vez do sol que ainda está por nascer.

Sempre reivindicámos que a única realidade que pode viver este tipo de vida projetado (e experimenta-o no seu dia-a-dia) durante o domínio da sociedade de classes, é o Partido.

Por conseguinte, é neste sentido que o partido tem o seu próprio “misticismo” compreendido no sentido da capacidade de ver... de olhos fechados; a sua capacidade de ver mais do que o olho individual de militantes individuais, de viver este modo de vida nas suas relações internas.

O partido tem a vantagem de uma visão geral e total, o partido é o comunismo a desenrolar-se diante dos nossos olhos.


5. Da economia verdadeiramente grandiosa à ecologia verdadeiramente grandiosa

Desde a diferenciação das leis de desenvolvimento da sociedade burguesa até ao socialismo.

A sociedade capitalista mostrou-se incapaz de conceber uma economia realmente grandiosa, não consegue fazer acontecer nem localizar as suas leis dialéticas, e é uma blasfémia quando afirma estar a traçar um plano para uma ecologia em grande escala com o imaginário de uma suposta “respiração”, de uma grande respiração rítmica que alegadamente corresponde ao sânscrito: ser = respirar  = ser vivo que respira em toda a sua extensão. Apenas no comunismo a alta filosofia e a existência se convergem para um circuito orgânico que liga o comer (hoje considerado trivial e indigno do espírito) com o sopro do espírito, concebido sublimemente como verdadeiramente digno do ser completo, isto é, Deus.

Não é por nada que a palavra Deus em italiano, “Dio”, é equivalente em termos etimológicos ao ser vivo ou aquele que respira eternamente.