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Centralismo orgânico em Lênin, a esquerda e a vida real do partido
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O Partido Comunista foi fundado em 1848 com base em uma teoria da história e em linhas gerais fundamentais de táticas que já haviam sido definidas. Nas décadas que se seguiram, Marx e Engels esculpiram, com seu trabalho poderoso e magistral, o corpo teórico fundamental do comunismo, uma doutrina que chamamos, em sua unidade orgânica, de marxismo. É uma tarefa que nunca foi concluída pela grande escola marxista e que, de fato, continua até hoje em nossa pequena, mas obstinada formação partidária.
Desde então, a organização física dos revolucionários, o Partido Comunista, passou por uma série de formas organizacionais, em uma evolução interrompida várias vezes por degenerações ruinosas. Seu próprio nome foi abandonado e depois recuperado pelo bolchevismo em 1918 e pela Terceira Internacional.
Em 1973, o Partido se viu na necessidade de confrontar sua história, para se confirmar plenamente na tradição da Esquerda Comunista (também conhecida como Esquerda Italiana), a corrente que, tendo sido fundada em 1921 como Partido Comunista da Itália (Seção da Internacional Comunista), foi deposta e depois expulsa por não querer aceitar os métodos e as políticas do stalinismo que triunfavam na Internacional.
O trabalho orgânico resultante foi publicado com o título O Partido Comunista na Tradição da Esquerda, para o qual remetemos os companheiros que pretendem aprofundar seus conhecimentos sobre a estrutura, o funcionamento e as táticas do partido. Ele também está disponível em italiano, francês e espanhol.
O texto foi compilado com base no conjunto de textos, artigos e teses que a esquerda havia produzido ao longo do meio século anterior, uma rica massa de documentos desde o primeiro pós‑guerra. Também se pretendia recorrer aos textos de Lênin, especialmente dos anos de formação do Partido Bolchevique. Mas não foi possível, na época, apoiar nossas afirmações com a rica produção teórica do camarada Lênin, que havia dedicado muitas de suas energias à construção de um verdadeiro partido revolucionário: uma abordagem que permitiu ao Partido Bolchevique conduzir as massas operárias e camponesas à vitória na revolução que atingiu seu clímax na Rússia em outubro de 1917.
Infelizmente, a necessidade de testemunhar em um tempo razoavelmente curto aos camaradas desnorteados e enganados dentro da organização, incluindo nós mesmos, que tínhamos permanecido “no mesmo caminho de sempre”, na tradição da esquerda, não permitiu a inclusão na publicação dos textos de Lênin, como pretendido. O camarada Angelo, que se encarregou da tarefa e realizou essa segunda parte do estudo, infelizmente morreu ainda jovem em 1978, e o que restou de seu trabalho foram notas (e muitos sublinhados nos volumes das Obras Completas), que se mostraram inestimáveis para iniciar o relatório que apresentamos aqui.
No entanto, nos corações e mentes de nossos camaradas, sempre houve a certeza de que nosso partido era o verdadeiro e único continuador de todo o trabalho de Lênin e dos bolcheviques, inclusive no que diz respeito à maneira de entender o partido comunista e sua vida interna.
O estudo apresentado aqui se baseia nessa convicção. Impessoal e coletivo como todos os nossos trabalhos, ele se limita a ordenar os escritos de Lênin e, ocasionalmente, de outros marxistas, por um lado, e os escritos da esquerda e as regras não escritas de conduta e trabalho do partido hoje, por outro. O resultado, como os camaradas poderão ver, se tivermos em mente as diferenças relacionadas à época histórica e à natureza do partido ao qual os escritos de Lênin foram dirigidos, é exatamente o que nos propusemos a verificar. Nem poderia ser de outra forma. Os objetivos são os mesmos, as exigências de trabalho alinhadas à política revolucionária correta são as mesmas, e a paixão que nos guiou naquela época e nos guia hoje, e que guia revolucionários de todas as geografias, grupos étnicos e idiomas, também é a mesma.
Este trabalho é especialmente dedicado aos jovens camaradas que se aproximaram
do Partido de países onde a tradição do comunismo foi esquecida, mistificada e
condenada há muito tempo. Desejamos a esses camaradas o melhor em seu trabalho,
pois, como sempre, eles trilham os passos incorruptos do marxismo revolucionário.
1. Invariância histórica do Partido Comunista
Este trabalho tem como objetivo demonstrar o que temos afirmado desde o nascimento do partido: ao lado da reivindicação de uma doutrina que permaneceu única e intangível desde a enunciação de seus fundamentos teóricos com o Manifesto do Partido Comunista de 1848, afirmamos que, assim como a doutrina foi transmitida intacta até hoje, a forma de conceber o partido da revolução comunista também é a de nossos professores.
Marx e Engels, ao longo de suas vidas, já haviam condenado severa e desdenhosamente, tanto nas formas embrionárias e subdesenvolvidas do partido no início, quanto nas formas desenvolvidas, qualquer atitude imprópria com relação à sua natureza, suas tarefas e os objetivos do comunismo. São bem conhecidas sua surpresa e repulsa diante de certas atitudes de alguns anarquistas, por exemplo, e, em seu árduo trabalho, nunca desceram a métodos indignos de luta política, contrariando a convicção e ajudando no amadurecimento coletivo do movimento mundial.
Antecipamos aqui uma tese central: O Partido Comunista trava uma luta política, mas externamente, contra seus muitos inimigos; não internamente, exceto em caso de degeneração irreparável. Dentro do partido não há polêmicas nem propaganda entre os camaradas. Lênin acabou conseguindo projetar e construir um partido que estava à altura da tarefa que o esperava, não apenas, como é evidente, do ponto de vista da teoria, mas também do ponto de vista de sua estrutura organizacional e funcionamento orgânico, aspectos que, no entanto, nunca foram abordados separadamente.
A crença de que o partido de Lênin era, na substância das diretrizes e na forma de conceber o trabalho, o mesmo que o da esquerda, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, levando em conta as diferenças óbvias de tempo e lugar, sempre foi uma crença profundamente enraizada no partido e uma consequência óbvia da homogeneidade doutrinária. Uma crença que é confirmada por uma carta que circulou internamente há mais de 50 anos, escrita pelo Centro do Partido na época:
«Nossos inimigos sempre quiseram opor Lênin à tradição da esquerda, não apenas no campo das questões organizacionais, mas em todos os campos. Nosso esforço, entretanto... sempre foi descobrir o Lênin permanente sob o Lênin contingente, para mostrar como o partido de “novo tipo” que ele foi capaz de criar em antítese à social-democracia da Segunda Internacional já representa o partido como nós o concebemos, e como um método verdadeiramente orgânico já emergiu por trás da fórmula do centralismo democrático – que deve ser visto não nas soluções individuais dadas por Lênin a problemas contingentes individuais, mas na continuidade de sua ação. Portanto, devemos lidar com essa questão dando maior importância ao método histórico e tendo em mente como se dá a transição da segunda fase de amadurecimento do partido de classe, em relação ao desenvolvimento do capitalismo, para a terceira fase, que é tanto a do imperialismo quanto a do nosso partido. Ligado a esse defeito de a‑historicidade... está o de considerar os problemas organizacionais como autônomos. Em vez disso, é preciso demonstrar como o centralismo do partido bolchevique foi alcançado por meio de uma luta pelo programa, princípios e táticas do comunismo, antes e depois do Segundo Congresso de 1903» (Carta do Centro à rede restrita, 24/3/1967).
Nosso partido, portanto, reivindica total continuidade com a mais pura tradição
revolucionária da classe trabalhadora, a partir do Manifesto do Partido
Comunista de 1848, passando pelas expressões mais ortodoxas (no sentido marxista)
das três Internacionais quanto à teoria e à ação; e se proclama herdeiro direto
do Partido Comunista da Itália, fundado em 1921 e com o qual também se orgulha
de uma continuidade física ininterrupta, no que diz respeito à organização e aos
homens, campeões por mais de um século da tradição incorrupta do comunismo
revolucionário de esquerda.
2. Confirmações reafirmadas de um grande passado
Sem nunca perder o contato com a classe trabalhadora e sua luta diária, é nossa tradição dedicar muita energia, em épocas em que as condições não são favoráveis ao ataque revolucionário direto, ao estudo das bases teóricas de nossa maneira de existir e trabalhar, tanto para reapropriá‑las continuamente quanto para perseverar no trabalho de “esculpir” nossas posições na doutrina e na tática; o que não significa “enriquecimento”, “atualização” ou, pior, “revisão”, mas sim o destaque de confirmações cada vez mais claras e detalhadas da correção de nossa maneira de interpretar o processo revolucionário.
Acreditamos firmemente que a doutrina da revolução não é “construída” por contribuições e acréscimos subsequentes, em um processo que nunca seria considerado concluído e, portanto, suscetível a contínuas “melhorias” e “atualizações”, à luz de supostas “novas condições”, até então imprevisíveis. A doutrina da revolução, que é formada com base em dados históricos, econômicos, científicos e filosóficos, e também seguindo teorizações utópicas da sociedade futura, nasceu em um único bloco na primeira metade do século XIX e viu a luz na forma do Manifesto Comunista. Nos mais de 170 anos que se seguiram a esse corpo teórico, nada de novo foi acrescentado que contradiga seus pressupostos, a não ser contínuas “esculturas” feitas por verdadeiros marxistas, que tornam o instrumento da teoria cada vez mais manejável e eficaz. O partido, portanto, para a vergonha dos hesitantes e dos duvidosos, está sempre pronto para desempenhar seu papel, com todas as ferramentas de que precisa, nenhuma excluída, para ser aplicada à força perturbadora e invencível do proletariado.
Consequentemente, o partido é, ao mesmo tempo, o guardião da doutrina e o órgão
que, de acordo com ela, terá de desempenhar um papel de liderança para a classe
revolucionária. Portanto, é importante que prestemos atenção especial a esse
órgão da classe trabalhadora, mesmo quando a classe, na grande maioria de seus
componentes, o ignora, como no momento atual.
3. A formação do Partido Bolchevique
O Partido Comunista Internacional não é apenas o herdeiro da esquerda italiana; temos a firme convicção de que não há diferenças substanciais entre a nossa maneira de entender o partido e a de Lênin, obviamente depois de ter avaliado adequadamente as diferenças históricas e ambientais entre as situações em que as duas organizações se encontraram operando. Este trabalho pretende ler a experiência de Lênin e seu partido, destacando as características que são de valor geral, as mesmas características de nosso pequeno movimento hoje.
Para entender o que o partido revolucionário significava para Lênin e interpretar corretamente sua posição, é essencial ter uma compreensão clara do contexto em que Lênin atuou, especialmente no período de definição do que seria o Partido Bolchevique, antes e depois do Segundo Congresso do Partido Trabalhista Social-Democrata Russo (RSDLP). Portanto, é necessário um breve preâmbulo histórico para que possamos definir as características dos vários atores políticos, movimentos e ideologias que circulavam na Rússia na virada dos séculos XIX e XX.
Lênin nos dá uma descrição das origens do partido na Rússia tanto na conclusão de O que deve ser feito? quanto no prefácio da coleção Doze anos (1907).
Foi na década de 1880 que o marxismo penetrou na Rússia, onde o movimento populista havia se desenvolvido. O grupo Osvobozhdeniye Truda (Emancipação do Trabalho) foi estabelecido no exterior em torno da teoria marxista e com proposições corretas sobre as táticas do proletariado na dupla revolução.
Em Que Fazer? Lênin afirma que esse grupo possuía não apenas teoria, mas também havia desenvolvido um plano tático para a perspectiva da revolução russa e a função do proletariado nela.
No primeiro período, de 1880 a 1898, a luta dos marxistas foi dirigida, acima de tudo, contra o populismo, um movimento político que se desenvolveu na Rússia entre o último quarto do século XIX e o início do século XX; seu objetivo era alcançar, por meio da propaganda e do proselitismo realizados por intelectuais entre o povo e com a ação direta terrorista, uma melhoria das condições de vida das classes mais baixas, em particular dos camponeses e servos, e a realização de um tipo de socialismo rural baseado na comunidade da aldeia russa (o mir), em contraste com a sociedade industrial ocidental. Para confrontar essa doutrina, não foram apenas os marxistas autênticos que intervieram, mas também toda uma série de atores para os quais a crítica ao populismo significava a necessidade de uma passagem para a democracia burguesa. Essa foi a era do “marxismo legal”.
A luta foi, portanto, travada em duas frentes: contra o populismo e contra o marxismo pequeno-burguês, e os primeiros escritos socialistas são dedicados a essa luta, principalmente por Lênin e Plekhanov. O ano de 1890, a estreia de Lênin na arena política, simplesmente coincide com isso: o surgimento da classe trabalhadora na Rússia. Nessa época, os marxistas russos estavam reduzidos a um pequeno grupo; o que Lênin escreve em Que Fazer? é importante: esse grupo de intelectuais já havia resolvido tudo; eles não esperaram pelas “massas”.
A primeira agitação notável dos trabalhadores ocorreu em 1896, e o grupo de intelectuais se lançou na luta, indicando ao movimento não apenas suas tarefas imediatas, mas toda a sua perspectiva até o socialismo.
Os efeitos desse movimento e dos subsequentes foram os seguintes:
– o estabelecimento de vínculos com as massas da classe trabalhadora;
– o partido se separou claramente do marxismo legal;
– a organização do partido foi formada (1898).
Lênin afirma em todas as suas obras, inclusive Que Fazer? que, de 1896 em diante, o proletariado russo nunca foi estático. A situação era que a organização partidária era inadequada para guiar o movimento dinâmico das massas trabalhadoras. Portanto, a questão crucial é colocada precisamente em Que Fazer?: o que deve ser um partido adequado para liderar o movimento dos trabalhadores? Foi diante desse exuberante movimento operário que o desvio economista se manifestou.
Esse é um primeiro traço característico que deve ser observado se realmente acreditarmos que o partido é um produto e um fator da luta de classes. As dificuldades relativas à formação de um partido revolucionário devem ser vistas na situação particular da Rússia em comparação com outros países industrializados ou em vias de industrialização. A porcentagem de trabalhadores era muito pequena e concentrada em alguns distritos industriais; o restante do vasto país era um grande campo com pequenos e médios fazendeiros (além de grandes propriedades com trabalhadores assalariados ou ex‑servos), de cujas fileiras vinha a geração que, na virada do século, constituía o proletariado industrial. A tradição sindical era quase inexistente, assim como a propaganda socialista. Os revolucionários, portanto, tiveram que falar para um público predominantemente analfabeto e desconfiado.
Essa era uma situação, no entanto, que poderia revelar aspectos positivos; de fato, nem mesmo o veneno oportunista havia penetrado tanto na classe, e era mais fácil confrontar os proletários com a realidade de suas condições e ajudá‑los a extrair indicações valiosas das lutas sobre quem eram seus amigos e quem eram seus inimigos. Por outro lado, o oportunismo de orientação burguesa de uma burguesia que tinha de ser revolucionária em relação ao absolutismo não tinha as armas típicas do oportunismo, ou tinha poucas delas: propaganda, tradições, eleitoralismo. Portanto, no início, era um oportunismo pouco equipado com ferramentas teóricas, embora estivesse evoluindo rapidamente, mesmo dentro do movimento socialista, e também graças ao desenvolvimento do oportunismo na Europa Ocidental naqueles anos.
A segunda característica que deve ser levada em conta: desde 1894‑95, a classe
trabalhadora russa nunca perdeu o contato com seu partido. Seu tamanho pode ser
deduzido dos dados de Lenin sobre os membros:
1894‑95 – Várias centenas de trabalhadores
1906 – Cerca de 33.000 membros participam do congresso de Estocolmo
1907 – 150.000 a 170.000 membros
1913 – 33,000‑50,000.
Lênin forneceu esses números em 1913, enquanto discutia com Vera Zasulic, que
afirmava que a social-democracia russa era composta por correntes intelectuais.
É natural que essa situação precise ser levada em conta ao lidar com problemas
organizacionais. Foi o próprio Lênin quem afirmou isso categoricamente no
prefácio da coleção dos Doze Anos, mencionada anteriormente.
4. Contra o localismo, a favor da centralização comunista
O congresso de 1898 criou uma organização clandestina e tentou começar a publicar um jornal ilegal, mas a liderança central foi quase que imediatamente desmantelada pela polícia, e o trabalho não pôde continuar. A organização foi reduzida a clubes, grupos locais sem nenhum vínculo estruturado entre eles e sem nenhuma continuidade de trabalho.
Lênin rejeitou o argumento, que ainda encontrava amplo apreço entre os socialistas russos, segundo o qual a maior necessidade teria sido desenvolver a rede de círculos locais e multiplicar e fortalecer a imprensa local.
Para Lênin, a questão mais urgente para o movimento não consistia mais no
desenvolvimento do antigo trabalho local e descoordenado, mas sim «na união – na
organização. Essa é uma etapa para a qual um programa é necessário. O programa
deve formular nossos pontos de vista básicos; estabelecer com precisão nossas
tarefas políticas imediatas; apontar as demandas imediatas que devem mostrar a
área de atividade agitacional; dar unidade ao trabalho agitacional, expandi‑lo e
aprofundá‑lo, elevando‑o, assim, da agitação parcial fragmentária por demandas
mesquinhas e isoladas ao status de agitação pela soma total das demandas
socialdemocratas» (Lenin, Collected Works em 45 volumes, Lawrence e Wishart,
Londres: IV, 230. No restante do texto, a simples menção de um volume e páginas
se referirá a essa coleção).
5. A revolução não é uma questão de formas de organização
Mesmo que, como veremos, a questão organizacional tenha sido a principal tarefa do momento, no entanto, uma fábula vulgar deve ser desmascarada: a de que a forma particular dada ao Partido Bolchevique, além de sua doutrina e programa, fez dele um instrumento capaz de, por si só, com sua disciplina, provocar uma revolução.
Isso não diminui a importância de como o partido se organiza, e a história do Partido Bolchevique, na situação específica da Rússia, mostra isso. Por meio de questões de organização, todas as formas de oportunismo tentam penetrar repetidamente no partido. Daí a luta incansável do partido por uma organização bem conectada com os fundamentos teóricos do marxismo.
Começou um período de dispersão e confusão, que Lênin descreve tanto em Que
Fazer? quanto no prefácio mencionado anteriormente. As características desse
período (1898‑1903) são as seguintes:
1. Os trabalhadores estão se movimentando;
2. A juventude intelectual passa cada vez mais para o marxismo e se apaixona
pelo movimento operário;
3. Está faltando qualquer organização centralizada, qualquer trabalho contínuo e
unitário;
4. O movimento dos trabalhadores, a literatura marxista legal e o revisionismo
tomam conta dos jovens revolucionários. É a era dos clubes: é assim que Lênin a
descreve;
5. As tendências terroristas e anarquistas são reavivadas como reação.
No exterior, a organização do RSDLP existia como a “União dos Social-Democratas
Russos”, da qual o “Grupo de Emancipação do Trabalho” de Plekhanov fazia parte.
Houve uma tentativa de publicação de um órgão central do partido, o Rabociaia
Gazieta; Lênin escreveu alguns artigos para ele, mas nunca foi publicado. Na
Rússia, havia apenas jornais locais e outras publicações.
6. Contra o economismo - luta econômica e luta política
Nasceu o economismo, ou seja, a tendência de superestimar a importância da luta econômica espontânea do proletariado e de subestimar suas tarefas políticas.
Quem eram os economistas e qual era seu programa, conforme resumido no Credo de 1899, mas já apresentado em um artigo da Rabociaia Mysl de outubro de 1897? Nesse último artigo, os economistas (que hoje chamaríamos corretamente, com poucas diferenças, de trabalhistas) afirmam que a “luta econômica é o caminho para novas vitórias”; “Que os trabalhadores lutem por si mesmos, e não pelas gerações futuras...”; “Trabalhadores por trabalhadores”. O partido, as perspectivas da revolução (para não mencionar o marxismo e a teoria revolucionária), não são mencionados.
A consequência do economismo é a justificativa teórica do sistema de círculos locais. O bernsteinismo está intimamente ligado ao economismo, que também desvaloriza as tarefas do proletariado na revolução burguesa e apoia a necessidade de uma “crítica” da teoria marxista no sentido reformista. O economismo permeia muitos círculos russos, criando uma mentalidade antipartido, antiorganização, antiteoria etc. Lênin imediatamente se opôs a isso com uma reunião de dezessete militantes deportados para a Sibéria, que se manifestaram pela condenação dessas posições. Lênin as demoliu em “Um protesto dos social-democratas russos”, escrito em 1899 em nome da comunidade social-democrata exilada na Sibéria:
«Não é verdade dizer que a classe trabalhadora do Ocidente não participou da
luta pela liberdade política e das revoluções políticas. A história do movimento
cartista e as revoluções de 1848 na França, Alemanha e Áustria provam o
contrário. É absolutamente falso dizer que o marxismo foi a expressão teórica da
prática predominante: a luta política predominando sobre a econômica. Pelo
contrário, o marxismo surgiu em uma época em que o socialismo não político
prevalecia (Owenismo, Fourierismo, socialismo verdadeiro) e o Manifesto
Comunista se posicionou imediatamente contra o socialismo não político. Mesmo
quando o marxismo surgiu totalmente armado com a teoria (O Capital) e organizou
a célebre Associação Internacional dos Trabalhadores, a luta política não era,
de forma alguma, a prática predominante (sindicalismo estreito na Inglaterra,
anarquismo e proudhonismo nos países românicos). Na Alemanha, o grande serviço
histórico prestado por Lassalle foi a transformação da classe trabalhadora de um
apêndice da burguesia liberal em um partido político independente. O marxismo
uniu a luta econômica e a luta política da classe trabalhadora em um único todo
inseparável; e o esforço dos autores do Credo para separar essas formas de luta
é um de seus mais desajeitados e deploráveis desvios do marxismo»... «Da mesma
forma, não pode haver sugestão de uma “mudança radical na atividade prática” dos
partidos operários da Europa Ocidental, apesar do que dizem os autores do Credo:
A enorme importância da luta econômica do proletariado e a necessidade de tal
luta foram reconhecidas pelo marxismo desde o início. Já nos anos quarenta, Marx
e Engels conduziram uma polêmica contra os socialistas utópicos que negavam a
importância dessa luta» (IV, 175‑176).
7. Contra a “crítica livre”
Em 1900, a organização social-democrata no exterior se dividiu, e uma parte dela passou a adotar o economismo e a liberdade de crítica. A “União dos Social-Democratas Russos no Exterior” publicou o Rabocheye Delo, que estava impregnado de economismo e bernsteinismo, mas tentou ocultá‑lo. Era a favor da reconstituição do Partido Social-Democrata Russo e da liberdade de crítica. Ele defendia a reconstituição da unidade organizacional do partido com base na teoria da “liberdade de crítica” e na prática da “ampla democracia” na organização. Plekhanov se separou da União e fundou a organização “Social Democrata”.
A necessidade de unificação organizacional foi claramente sentida, porque todo o trabalho na Rússia estava se desintegrando, arruinado pelo localismo, pela aproximação, por métodos artesanais e genéricos.
O Iskra e seu círculo entraram em campo com o problema da reconstituição do partido no final de 1900. Entre os social-democratas, havia as seguintes posições:
Os economistas reais, que nem sequer sentiam a necessidade da organização e desvalorizavam sua importância; eles eram os teóricos do que existe no momento presente.
A tendência Rabocheye Delo, uma tendência disforme que defendia a legitimidade do revisionismo e a “liberdade de crítica”, em nível teórico, e uma unificação puramente organizacional garantida pela democracia interna, em nível prático.
O Iskra, que queria basear a organização no esclarecimento líquido de posições teóricas, programáticas e táticas, e queria romper com o economismo.
O Iskra pretendia reafirmar a ortodoxia marxista e fazer do periódico o quartel-general ideológico que atuava como um elo entre todos os marxistas revolucionários; em sua primeira edição de dezembro de 1900, sua preocupação constante foi divulgada: infundir nas massas proletárias ideias e consciência social-democratas, organizar um partido forte e disciplinado de revolucionários em tempo integral e, por meio deles, criar vínculos sólidos com o movimento espontâneo dos trabalhadores. Isso é para evitar que os trabalhadores caiam no reformismo e que a intelectualidade permaneça no nível superficial de meras disputas doutrinárias.
Em junho de 1901, os representantes das organizações no exílio se reuniram em
Genebra. A unidade alcançada nessa conferência teve vida curta e,
consequentemente, o Iskra endureceu e tornou‑se cada vez mais cético quanto às
possibilidades de alcançar a unificação. Em outubro do mesmo ano, foi realizada
uma nova conferência em Zurique que, após animadas discussões, terminou com o
colapso total da esquerda. Imediatamente após o Iskra, militantes do grupo
social-democrata e outros se uniram em uma nova organização, a Liga da Social-Democracia
Revolucionária Russa. Em sua declaração programática, eles se declararam
orgulhosos de serem chamados de “sectários”.
8. Que Fazer? - um marco do marxismo
A expressão mais completa da campanha iskrista é Que Fazer? questões de um ponto
de vista coerentemente marxista:
a. Teoria, sua importância e sua invariância
b. Função do proletariado na dupla revolução: a necessidade do partido autônomo
e da luta política proletária. luta política proletária.
c. Relações entre partido e classe, entre política sindicalista e política
social-democrata, entre espontaneidade e consciência. espontaneidade e
consciência.
Finalmente, um plano de organização. São necessários os seguintes elementos:
1. um único jornal político para toda a Rússia;
2. uma organização clandestina de revolucionários profissionais, firmemente
ancorada em princípios, bem delimitada bem delimitada do exterior, ininterrupta
no tempo e conectada no espaço, cercada por toda uma série de organizações
legais e organizações legais e semilegais, especializadas em trabalho prático e
estritamente centralizadas; e
3. uma tática planejada, descendente dos princípios e que não muda da noite para
o dia.
No que diz respeito à teoria, Lênin é categórico e não hesitou em chamar Engels para testemunhar, citando‑o amplamente (V, 371‑372), para demonstrar como os próprios trabalhadores alemães, naquele exato momento na vanguarda da Europa, haviam vanguarda na Europa, haviam se aproveitado das conquistas teóricas das lutas e das consequentes elaborações teóricas das consequentes elaborações teóricas que ocorreram na França e na Inglaterra no campo da luta política e econômica.
O problema era representado pelos defensores da “liberdade de crítica”, que Lênin definiu como «liberdade para uma tendência oportunista na social-democracia, liberdade para converter a social-democracia em um partido democrático de reforma, liberdade para introduzir ideias burguesas e elementos burgueses no socialismo» (V, 355).
Que Fazer? é um texto nosso em todos os aspectos. O plano organizacional do Iskra pode ser compartilhado palavra por palavra. palavra por palavra.
Observamos que Lênin levanta a questão da delimitação rígida da organização dos revolucionários em relação a outras organizações, inclusive a dos trabalhadores. outras organizações, inclusive as dos trabalhadores. Ele também levanta a questão da especialização máxima no campo da ação prática, mas de ação prática, mas não no trabalho de estudo teórico. Observamos também que Lênin levanta a questão dos instrumentos, os meios operacionais que são realmente capazes de organizar e não são meras fórmulas organizacionais ou hierárquicas. fórmulas organizacionais ou hierárquicas. Trabalho comunitário para um jornal comunitário; organizações partidárias que estão acostumadas, pelo próprio trabalho, a reagir simultaneamente aos eventos. pelo próprio trabalho a reagir simultaneamente aos eventos, até a insurreição. O jornal como um organizador coletivo.
Os mesmos temas são retomados em Carta a Um Camarada, imediatamente após Que
Fazer? “Talvez seja possível viver sem regras”. Estamos já estamos no
centralismo orgânico.
9. Dos círculos ao Partido
O Segundo Congresso se reuniu em agosto de 1903 e teve que proceder à reunificação do partido, com base nas propostas do Iskra. Todos agora aceitavam o programa iskrista, mas Lênin observou e demonstrou que a aceitação de um programa em palavras não é suficiente se a disciplina organizacional do partido não for aceita. Essa afirmação não é mecânica, mas sim histórica e dialética em seu significado, mesmo que seja perfeitamente aceitável para nós no sentido simples e literal. Pense nisso: havia economismo até ontem, havia círculos até ontem com sua própria visão, sua própria estrutura, sua própria tradição, havia e ainda há o bernsteinismo. O Iskra martelou suas propostas durante três anos e a situação da luta material forçou lentamente todos os militantes a tomar partido abertamente pelo Iskra ou a admitir o plano do Iskra como o único válido.
Lênin não quis dizer a mesma coisa que outros com a palavra “unificação”. O significado que ele deu foi o seguinte: unidade dos círculos locais do movimento marxista, atualmente autônomos, em um partido controlado pelo centro e ideologicamente homogêneo para toda a Rússia. Disciplina única e homogeneidade ideológica: isso era “unificação”. Para alcançá‑la, ele estava pronto para rejeitar compromissos e deixar de lado todos aqueles que não aceitariam uma organização centralizada: todos os jornais que não estivessem dispostos a se fundir em um único órgão nacional, a União Socialista Judaica, se não estivesse pronto para abrir mão de sua autonomia, os revisionistas e os economistas e todos aqueles que não estivessem prontos para aceitar sem discussão o programa marxista “ortodoxo”, que ele, Plekhanov e os outros editores do Iskra preparariam para o próximo congresso.
Alguns pensavam que o primeiro requisito do partido em gestação era uma discussão prolongada, completa e livre dos princípios fundamentais. Mas para Lênin, assim como para Plekhanov, tudo isso já havia sido resolvido na Europa Ocidental pelas obras de Marx e Engels e novamente pelas de Kautsky e Plekhanov em sua ainda acalorada controvérsia com Bernstein.
O congresso foi, portanto, convocado, tendo em vista a “aceitação” do plano
iskrista. «Bem, senhores, palavras não são suficientes, são necessários fatos. E
nós, iskristas, apresentamos fatos que mostram se a sua aceitação é real ou
apenas palavras. Para os senhores que até ontem defendiam a legitimidade do que
existe, vamos colocar esta pedra de toque: todos os círculos devem ser
dissolvidos e todos os jornais suprimidos, não há mandatos imperativos para o
congresso».
10. O crucial Parágrafo 1
E o teste dá frutos.
Para você que até ontem defendia as organizações para a luta econômica e o partido como a instância superior ideal, propomos um primeiro parágrafo do estatuto que soa assim: “Um membro do partido não é apenas aquele que aceita o programa e o apoia na medida de suas forças, mas aquele que também trabalha em uma das organizações do partido. Você é realmente a favor da distinção entre partido e classe? Prove isso aceitando essas condições”. A discussão sobre o Parágrafo 1 é importante porque levanta a questão mais ampla da organização do partido. Lênin diz que:
«A definição dada em meu rascunho foi: “Um membro do Partido Trabalhista Social-Democrata Russo é aquele que aceita seu programa e que apoia o partido tanto financeiramente quanto pela participação pessoal em uma das organizações do partido”. No lugar das palavras que sublinhei, Martov propôs: “trabalhar sob o controle e a direção de uma das organizações do partido”. Minha formulação foi apoiada por Plekhanov e a de Martov pelo restante do conselho editorial (Axelrod foi seu porta‑voz no Congresso). Argumentamos que o conceito de membro do partido deveria ser reduzido para separar aqueles que trabalhavam daqueles que apenas falavam, para eliminar o caos organizacional, para eliminar a possibilidade monstruosa e absurda de haver organizações compostas por membros do partido, mas que não eram organizações do partido, e assim por diante. Martov defendia a ampliação do partido e falava de um amplo movimento de classe que precisava de uma organização ampla – ou seja, difusa – e assim por diante. É engraçado observar que, em defesa de seus pontos de vista, quase todos os partidários de Martov citaram Que Fazer? Plekhanov se opôs veementemente a Martov, apontando que sua formulação jauresista abriria as portas para os oportunistas, que ansiavam por essa posição de estar dentro do partido, mas fora de sua organização. “Sob o controle e a direção”, eu disse, na prática significaria nada mais nada menos do que sem qualquer controle ou direção» (VII, 27‑28).
Martov esperava um partido de massas, mas, ao fazer isso, abriu as portas para todos os tipos de oportunistas, tornou os limites do partido indeterminados, vagos. E isso era um sério perigo, pois não era fácil distinguir a fronteira entre o revolucionário e o tagarela ocioso: Lênin diz que um bom terço dos participantes do Congresso era de maquinadores.
Por que se preocupar com aqueles que não querem ou não podem se filiar a uma das organizações do partido, questionou Plekhanov.
«Os trabalhadores que desejam entrar para o partido não terão medo de entrar em uma de suas organizações. A disciplina não os assusta. Os intelectuais, completamente imbuídos do individualismo burguês, terão medo de entrar. Esses individualistas burgueses geralmente são os representantes de todos os tipos de oportunismo. Temos que afastá‑los de nós. O projeto é um escudo contra a entrada deles no partido, e somente por essa razão todos os inimigos do oportunismo devem votar a favor da proposta de Lênin» (Anais do Segundo Congresso, sessão de 2 (15) de agosto).
Trotski falou contra a proposta de Lênin, considerando‑a ineficaz. Lênin respondeu a ele:
«[Trotski] não percebeu uma questão básica: minha formulação restringe ou amplia
o conceito de membro do partido? Se ele tivesse feito essa pergunta a si mesmo,
teria visto facilmente que minha formulação restringe esse conceito, enquanto a
de Martov o amplia, pois (para usar a expressão correta do próprio Martov) o que
distingue seu conceito é sua “elasticidade”. E no período da vida do partido
pelo qual estamos passando agora, é exatamente essa “elasticidade” que, sem
dúvida, abre a porta para todos os elementos de confusão, vacilação e
oportunismo».
11. Firmeza organizacional, coerência tática, pureza de princípios
E os elementos instáveis são prenúncios de incertezas, desvios e pouco trabalho. O perigo pode ser grande: «A necessidade de salvaguardar a firmeza da linha do Partido e a pureza de seus princípios tornou‑se agora particularmente urgente, pois, com a restauração de sua unidade, o Partido recrutará em suas fileiras um grande número de elementos instáveis, cujo número aumentará com o crescimento do Partido» (VI, 499‑500).
Por outro lado, onde está o perigo de uma delimitação rigorosa do partido, por meio de limites específicos para a definição de social-democrata?
«Se centenas e milhares de trabalhadores que foram presos por participarem de greves e manifestações não provassem ser membros de organizações do partido, isso só mostraria que temos boas organizações e que estamos cumprindo nossa tarefa de manter em segredo um círculo mais ou menos limitado de líderes e de atrair as massas mais amplas possíveis para o movimento».
Mas o partido, um componente de vanguarda da classe trabalhadora, não pode ser confundido com toda a classe, como fez Axelrod.
«Seria melhor que dez pessoas que trabalham não se autodenominassem membros do
partido (trabalhadores de verdade não caçam títulos!) do que alguém que só fala
ter o direito e a oportunidade de ser membro do partido»... «O Comitê Central
nunca poderá exercer controle real sobre todos os que trabalham, mas não
pertencem a organizações. É nossa tarefa colocar o controle real nas mãos do
Comitê Central. É nossa tarefa salvaguardar a firmeza, a consistência e a pureza
de nosso partido. Devemos nos esforçar para elevar o título e a importância de
um membro do Partido cada vez mais alto» (VI, 500‑502).
12. Revolucionários profissionais
«Aparentemente, Lênin parecia distinguir entre simples militantes do partido e “revolucionários profissionais», cujos pequenos grupos formavam a espinha dorsal da liderança. Mostramos repetidamente que essa era a rede ilegal, não a sobreposição de um aparato burocrático de pessoas pagas ao partido. Profissional não significa necessariamente assalariado, mas sim dedicado à luta do partido pela escolha voluntária, separado de qualquer associação para a defesa de interesses coletivos, mesmo que essa continue sendo a base determinística para a própria existência do partido. Toda a gama da dialética marxista está nessa relação dupla. O trabalhador é revolucionário para o interesse de classe, o comunista é revolucionário para o mesmo propósito, mas elevado além do interesse subjetivo» (“Russia and Revolution in Marxist Theory”, 1955, Parte 2, § 37).
«A ala direita do partido russo queria recrutar os membros do partido de grupos
profissionais ou fabris de trabalhadores federados no partido; os sindicatos
eram chamados de associações profissionais pelos russos. Para fins polêmicos,
Lênin expressa a famosa frase de que o partido é, acima de tudo, uma organização
de “revolucionários profissionais”. Não perguntamos a eles: você é um
trabalhador assalariado? Em que profissão? Mecânico, caldeireiro, carpinteiro?
Eles podem ser operários de fábrica, estudantes ou até mesmo filhos de nobres; a
resposta deles será: “Revolucionário”, essa é minha profissão. Somente a
estupidez stalinista poderia dar a essa frase o significado de revolucionário
por profissão, de alguém assalariado pelo partido. Essa fórmula inútil: “Os
funcionários devem ser encontrados entre os trabalhadores ou em outro lugar?”
não teria feito nenhum progresso, porque se tratava de algo completamente
diferente» (“The Croaking about Praxis”, Il Programma Comunista, n. 11/1953).
13. Conhecimento e militância - “consciência proletária”
Assim, para os bolcheviques, o militante revolucionário é aquele que aceita (e não necessariamente conhece ou entende em detalhes) o programa e está disposto a trabalhar sob as ordens do partido: qualidades de abnegação, disposição para lutar, que qualquer proletário pode ter, mesmo que seja analfabeto. Uma aceitação do programa que pode se basear na compreensão de alguns aspectos de qualificação, às vezes apenas de slogans, mas que coincidem com suas aspirações profundas, com suas necessidades. Uma adesão baseada mais na paixão do que no intelecto. A compreensão virá com o tempo, mas nunca será completa; por outro lado, a compreensão total da doutrina nunca pode ser do indivíduo, mas do coletivo do partido, e se expressa em sua imprensa, em suas teses, em suas táticas revolucionárias. «O conhecimento doutrinário não é um fato individual, mesmo do mais culto seguidor ou líder, nem é uma condição para a massa em movimento: tem como sujeito seu próprio órgão, o partido» (“Rússia e Revolução”, cit., § 32).
Esse conceito é repetido nas Teses de 1952: «A questão da consciência individual não é a base da formação do partido: não apenas cada proletário não pode ser consciente, e muito menos culturalmente mestre da doutrina de classe, mas nem mesmo um militante individual, e essa garantia nem mesmo é dada pelos líderes. Ela só existe na unidade orgânica do partido» (“Characteristic Theses of the Party”, 1952).
«Além da influência da social-democracia, não há outra atividade consciente dos trabalhadores», diz Lênin no Segundo Congresso; e nós acrescentamos:
«É pesado, mas é assim. Portanto, a ação dos proletários é espontânea na medida
em que surge de determinantes econômicos, mas não tem a “consciência” como
condição, nem no indivíduo nem na classe. A luta de classe física é um ato
espontâneo, inconsciente. A classe atinge a consciência somente quando o partido
revolucionário se forma dentro dela, que possui a consciência teórica baseada na
relação real de classe, característica de todos os proletários. Esses, no
entanto, nunca serão capazes de possuir seu verdadeiro conhecimento – isto é, a
teoria – nem como indivíduos, nem como um todo, nem como maioria, enquanto o
proletariado estiver sujeito à educação e à cultura burguesas, isto é, à
fabricação burguesa de sua ideologia e, em termos claros, até que o proletariado
vença e... deixe de existir. Portanto, em termos exatos, a consciência
proletária nunca existirá. Existe doutrina, conhecimento comunista, e isso está
no partido do proletariado, não na classe» (Ibid., § 39).
14. Autonomia, democracia, crítica livre
Bolcheviques e mencheviques formaram duas frações organizadas de 1903 a 1906.
O congresso deveria ser uma arena de luta, e de fato foi. Como os bolcheviques estabeleceram suas condições, houve posições opostas. E onde necessariamente? Na questão organizacional. Todos aqueles que antes eram adversários do Iskra em termos teóricos, programáticos e táticos, agora gritavam contra o centralismo e a disciplina, eram a favor da autonomia e da democracia da organização; acusavam a ala revolucionária de burocratismo, de impor um “estado de sítio”. Mas todo o burocratismo de Lênin consistia em impor um estado de sítio às posições oportunistas. Todo o suposto “manobrismo” de Lênin, que, ao contrário, nunca abandonou comportamentos sinceros, fraternos e apolíticos em relação a todos os camaradas, inclusive os adversários.
Ele havia sido o campeão do envolvimento do partido nas lutas econômicas da classe trabalhadora nos anos de 1895‑1897; ainda assim, teve de destruir as posições dos economistas nos anos anteriores ao Segundo Congresso. Agora era o momento de defender o burocratismo, entendido como a negação do desejo de liberdade de crítica e de autonomia dentro do partido: o centralismo como uma necessidade primária. Isso não foi entendido por Trotski e Luxemburgo na época.
Lênin é acusado pelos opositores, especialmente Martov, de ser culpado de formalismo e burocratismo. Portanto, Lênin é forçado a defender o mecanismo democrático adotado no congresso, enquanto Martov defende a democracia de baixo para cima:
«Burocracia versus democracia é, na verdade, centralismo versus autonomismo; é o princípio organizacional da social-democracia revolucionária em oposição ao princípio organizacional da social-democracia oportunista. Esta última se esforça para proceder de baixo para cima e, portanto, sempre que possível e na medida do possível, defende o autonomismo e a “democracia”, levados (pelos excessivamente zelosos) ao ponto do anarquismo. O primeiro se esforça para proceder de cima para baixo e defende uma extensão dos direitos e poderes do centro em relação às partes» (VII, 394).
Lênin deve voltar à questão do §1:
«A minha formulação, que foi apoiada por Plekhanov, refletia uma concepção
errada, burocrática, formalista, de escritório e não social-democrata do
centralismo? Oportunismo e anarquismo, ou burocracia e formalismo? – é assim que
a questão se coloca agora, quando a pequena diferença se tornou grande» (VII,
255).
«Se a conversa sobre burocracia contém algum princípio, se não é apenas uma
negação anarquista do dever da parte de se submeter ao todo, então o que temos
aqui é o princípio do oportunismo, que busca diminuir a responsabilidade dos
intelectuais individuais para com o partido do proletariado, diminuir a
influência das instituições centrais, ampliar a autonomia dos elementos menos
firmes do partido, reduzir as relações organizacionais a uma aceitação puramente
platônica e verbal delas» (VII, 366).
Qual é a lição que podemos tirar dessa experiência dos bolcheviques? É o próprio
Lênin que nos instrui:
«É muito interessante notar que essas características fundamentais do
oportunismo em questões de organização (autonomismo, anarquismo aristocrático ou
intelectualista, caudilhismo e girondismo) são, mutatis mutandis (com as devidas
modificações), observadas em todos os partidos social-democratas do mundo, onde
quer que haja uma divisão entre uma ala revolucionária e uma oportunista (e onde
não há?)» (VII, 395).
«Não apenas na Alemanha, mas também na França e na Itália, os oportunistas são
todos partidários ferrenhos do autonomismo, de um afrouxamento da disciplina do
partido, de reduzi‑la a nada; em todos os lugares suas tendências levam à
desorganização e à perversão do “princípio democrático” em anarquismo» (VII,
397‑398).
O oportunismo em questões de organização é o desvio que o próprio Lênin denuncia várias vezes em seus escritos. «a indubitável tendência de defender o autonomismo contra o centralismo, que é uma característica fundamental do oportunismo em questões de organização» (VII, 394). «O oportunismo no programa está naturalmente conectado ao oportunismo nas táticas e ao oportunismo na organização» (VII, 396).
O democratismo é frequentemente invocado para apoiar o oportunismo. Rejeitamos os mecanismos democráticos, mas o democratismo pode aparecer de muitas maneiras disfarçadas. Qualquer brecha na maneira orgânica de trabalhar é uma porta aberta para o oportunismo, que geralmente começa com desvios em questões organizacionais. Daí nossa atenção maníaca à maneira correta de trabalhar e de se relacionar entre os camaradas.
Portanto, o burocratismo que Lênin defende em 1903‑1904 nada mais é do que o centralismo e a adesão ao princípio marxista correto, juntamente com a necessidade de uma organização forte e eficiente. Em outros lugares, é claro que Lênin denuncia o burocratismo: «Burocracia significa subordinar os interesses do trabalho aos interesses da própria carreira; significa concentrar a atenção em lugares e ignorar o trabalho em si; significa brigar por cooptação em vez de lutar por ideias. O fato de que a burocracia desse tipo é indesejável e prejudicial ao partido é inquestionavelmente verdadeiro» (VII, 362). O mesmo fará a esquerda na década de 1950, falando do funcionamento dos partidos stalinistas, que chegaram a exterminar a velha guarda da liderança partidária da Revolução de Outubro e que transformaram os partidos comunistas em servos do Estado russo e perseguidores dos verdadeiros revolucionários, com violência e falsificação descarada.
Embora a doutrina do partido seja sempre a mesma, em determinados momentos e situações o partido pode insistir mais em certas questões do que em outras.
Tudo isso é narrado por Lenin em 1904, em Um passo à frente, dois passos atrás, onde ele observa a divisão em duas alas da social-democracia como um fato positivo. Lênin observa que a divisão do partido em duas alas em conflito era característica de todos os partidos da Segunda Internacional. A divisão tem raízes na situação social do proletariado. O mesmo foi confirmado após o Quarto Congresso de 1906 (X, 422). A corrente oportunista (marxismo legal, economismo, menchevismo) representava a influência da pequena burguesia sobre o proletariado. Eis como Lênin coloca a questão:
«Em todos os países capitalistas, o proletariado está inevitavelmente conectado por mil elos transitórios com seu vizinho da direita, a pequena burguesia. Em todos os partidos operários, surge inevitavelmente uma ala direita mais ou menos claramente delineada que, em seus pontos de vista, táticas e “linha” organizacional, reflete as tendências oportunistas da pequena burguesia» (XIII, 113).
A atitude que os bolcheviques mantiveram nos anos até 1917, de tolerância dentro
do partido com correntes não ortodoxas ou incertas, varia em vista da
expectativa de um amadurecimento em uma direção radical marxista após as
experiências do movimento; caso contrário, uma diferenciação e separação nítidas
e intransigentes, sempre que a escassa clareza e as incertezas nas táticas podem
ser prejudiciais para o resultado da luta. Escolhas que, em países com um
proletariado escasso e imaturo, como a Rússia na época, são legítimas. Lênin
seria muito mais determinado após a eclosão da guerra e após a fundação da
Terceira Internacional, mesmo que não fosse suficiente para nós quando as
medidas fossem aplicadas aos partidos do Ocidente.
15. A inevitável disciplina executiva
Após o Congresso, uma parte do grupo do Iskra, que reunia todos os descontentes, recusou‑se a se dissolver e sabotou o desempenho normal de todo o trabalho do partido. A última parte do panfleto de Lênin e o epíteto de “anarquia dos grandes senhores” são dedicados a essa atitude, que não reconhecia as decisões do Congresso e a submissão da minoria à maioria. As regras formais que ainda regiam o confronto de opiniões dentro do partido previam – de acordo com o “centralismo democrático” – a submissão da minoria, que, no entanto, tinha garantida a possibilidade de expressar e argumentar livremente suas opiniões perante todo o partido. Essa discussão entre os camaradas do mesmo partido era regida por formas e costumes precisos, sempre com o cuidado de evitar lacerações e danos à organização. O partido é a equipe geral de um exército em guerra e sob fogo inimigo: sua unidade de ação e disciplina executiva não podem ser quebradas. Essa “luta ideal”, a palavra é de Lênin, entre uma “maioria” e uma “minoria”, em formas “democráticas”, teve um papel na vida do partido, é claro, desde que, devido à imaturidade histórica, o confronto entre abordagens e concepções opostas fosse inevitável.
Entretanto, isso nunca deve romper a unidade de ação, a disciplina executiva. Para Lênin, e para nós, pertencer ao partido significa trabalhar com e para o partido: «... o próprio fato de se recusar a trabalhar em conjunto nada mais é do que uma cisão» (VII, 165).
Essa “luta ideal” no RSDLP permaneceu até 1906, com várias tentativas dos bolcheviques de trazer os mencheviques de volta ao trabalho. É claro que o trabalho prático na Rússia foi muito afetado por essa situação e ficou quase que inteiramente a cargo dos bolcheviques.
Em maio de 1905, por iniciativa dos comitês bolcheviques, foi realizado o Terceiro Congresso em Londres, no qual foram definidas as táticas para a próxima revolução. Ao mesmo tempo, os mencheviques convocaram uma conferência em Genebra, onde adotaram resoluções táticas completamente opostas. Em Two Tactics of Social-democracy (Duas táticas da social-democracia), escrito em julho de 1905, Lênin ainda propõe a unificação das táticas como base para a futura unificação do partido. A tese ainda é a de que “a revolução instrui”, ou seja, ainda é possível que os mencheviques, como uma corrente com base no movimento dos trabalhadores, abandonem suas proposições, movidos pelos fatos. O panfleto foi claramente elaborado com esse objetivo em mente.
De outubro a dezembro de 1905, ocorreram grandes eventos revolucionários. Sob a pressão desses acontecimentos e de sua base efetiva na classe trabalhadora, os mencheviques apoiaram o proletariado, mesmo que de maneira incerta e hesitante. Surge a possibilidade de uma reunificação organizacional.
As duas frações foram ao Quarto Congresso (abril de 1906). O congresso foi majoritário para os mencheviques. Lênin estabeleceu as condições da unificação, mas é significativo que ele tenha reafirmado a importância da teoria:
«Em vista dos eventos formidáveis e decisivos que se aproximam na luta do povo, é ainda mais essencial alcançar a unidade prática do proletariado com consciência de classe de toda a Rússia e de todas as suas nacionalidades. Em uma época revolucionária como a atual, todos os erros teóricos e desvios táticos do Partido são impiedosamente criticados pela própria experiência, que esclarece e educa a classe trabalhadora com uma rapidez sem precedentes. Nesse momento, o dever de todo socialdemocrata é se esforçar para garantir que a luta ideológica dentro do partido em questões de teoria e tática seja conduzida da forma mais aberta, ampla e livre possível, mas que de forma alguma perturbe ou prejudique a unidade da ação revolucionária do proletariado socialdemocrata» (X, 310‑311).
Isso é importante, pois coloca a questão da disciplina na situação em que a ala revolucionária está em minoria, embora defenda a distinção mais clara e inequívoca entre as duas alas e permita amplo espaço para a liberdade de crítica interna etc.
«A resolução do Comitê Central é essencialmente errada e vai contra as Regras do Partido. O princípio do centralismo democrático e da autonomia para as organizações locais do Partido implica liberdade universal e total para criticar, desde que isso não perturbe a unidade de uma ação definida; ele exclui toda crítica que perturbe ou dificulte a unidade de uma ação decidida pelo Partido» (X, 443).
No mesmo Congresso, ocorreu uma vitória teórica a posteriori de Lênin: o famoso Parágrafo 1, que no Segundo Congresso havia sido incluído no programa do partido na formulação menchevique, foi adotado na redação de Lênin.
Nesse período (primeira parte de 1906), os bolcheviques eram a favor do boicote
à Duma (um boicote teórico, porém, porque a Duma de Witte nunca foi convocada, e
seguiu‑se um período de reação). Em vez disso, os mencheviques propuseram o
apoio a um ministro cadete; Lênin então apelou para o direito das organizações
partidárias e dos proletários do partido de discutir as decisões do Comitê
Central, especialmente se elas contradissessem as resoluções do Congresso. Em
suma, na linguagem atual, o Centro não tem o direito de agir ou mesmo teorizar
em contradição com o programa do partido.
16. A alegada “criatividade leninista”
O livro “O que deve ser feito?”, de Lênin, é, como todos sabemos, um texto fundamental para nós, marxistas revolucionários de esquerda, que somos herdeiros da esquerda comunista, mas que, no entanto, não estamos separados do marxismo de Lênin. Reconhecemos plenamente o seu trabalho teórico, pois ele se baseia nos mesmos fundamentos sobre os quais a esquerda cresceu; e a esquerda havia chegado às mesmas conclusões teóricas antes mesmo de conhecer as obras de Lênin, que, em sua maioria, só chegariam à Itália vários anos depois de sua publicação na Rússia (a primeira edição de O que deve ser feito? em italiano é de 1946, embora o texto já fosse conhecido no primeiro pós‑guerra pelos comunistas italianos em outros idiomas).
Permanece a obrigação de demonstrar a continuidade das posições, muitas vezes até uma identidade nas formulações entre nós e os bolcheviques, de calar aqueles que, imaginando uma “criatividade” teórica em Lênin, fazem da sua doutrina algo novo no panorama marxista, a ser associado a tantos outros que assolaram o movimento revolucionário do proletariado ao longo das décadas.
A lenda das inovações, das invenções táticas e teóricas, das manobras astutas de Lênin, não resiste a uma leitura honesta de seus escritos, o que tentaremos fazer aqui, pelo menos em relação a um período‑chave da formação do RSDLP (Partido Trabalhista Social Democrata Russo), o período em torno do segundo congresso do partido (1901‑1904).
A falsificação do pensamento de Lênin – que não é outra coisa senão um marxismo consistente, sempre melhor definido e, como dizemos, “esculpido” – é um trabalho que permitiu que hordas de intelectuais que orbitam nas áreas mais ou menos à “esquerda” do movimento operário, desde liberais burgueses declarados até anarquistas e stalinistas, ganhassem um salário definitivamente merecido, dados os danos causados ao mesmo movimento. Na Itália, a esfera mais importante para esse fim da esquerda foi, enquanto existiu, a do Partido Comunista Italiano, ao qual muitos historiadores, filósofos, sociólogos, etc., fizeram referência; estes, por mais de 50 anos, deram o melhor de si para refutar o marxismo fingindo exaltá‑lo. A técnica é sempre a mesma: refutamos o marxismo fingindo exaltá‑lo. A técnica é sempre a mesma: começamos reconhecendo o significado histórico de determinadas teses e posições, depois inserimos quase de passagem uma palavra venenosa que efetivamente anula sua força revolucionária. É a técnica do stalinismo, que não por acaso cunhou o vergonhoso termo “leninismo”.
Ainda não era “oportuno” falar mal de Lênin abertamente, então a difícil tarefa exigia um artesão habilidoso, um bom intelectual.
Para Lênin, assim como para nós, a teoria da revolução nasceu em um único bloco do Manifesto de 1848, e depois foi definida, esclarecida, aprofundada nos escritos subsequentes de Marx e Engels, e também nos de Lênin, nunca em contradição com os dos dois grandes mestres; pelo contrário, citando‑os com frequência, sempre que tinha de defender suposições difíceis de aceitar pelos camaradas menos bem equipados.
O “processo de elaboração” que ocorre no partido deve ser entendido no nosso sentido e no de Lênin, de confirmação da doutrina, não de revisão contínua, de adaptação a supostas condições imprevistas em que o movimento dos trabalhadores se encontraria.
Quando Lênin afirmou, em 1899, que «Pensamos que uma elaboração independente da teoria de Marx é especialmente essencial para os socialistas russos» (IV, 213), ele se referia a uma “análise concreta da situação concreta”, não a uma inovação tanto na tática quanto na teoria revolucionária. O artigo do qual a citação foi retirada, “Our Programme” (Nosso Programa), ataca precisamente os inovadores como Bernstein (que estava mais “à esquerda” do que os líderes do PCI do segundo período do pós‑guerra), ao mesmo tempo em que se defende, como devemos fazer continuamente, de acusações de “dogmatismo”. Nesse mesmo artigo, nosso Vladimir nos lembra que «a teoria de Marx (...) apenas lançou a pedra fundamental da ciência que os socialistas devem desenvolver em todas as direções». Esse é o significado da “elaboração independente” de que fala Lênin, e não o de desmantelar o marxismo, incluindo as pedras angulares e os alicerces.
Outros stalinistas evocaram uma elusiva “nova teoria marxista da revolução” de
Lênin. Nesse aspecto, eles estão em boa companhia, com os trotskistas: Mandel,
por exemplo, que escreve sobre um suposto “desenvolvimento original” da teoria
marxista por Lênin, ou outros da “extrema” esquerda, para quem nenhuma parte do
marxismo “pode ser fixada dogmaticamente, elas exigem uma contínua reelaboração
e desenvolvimento”, e uma centena de outros, de maior ou menor calibre político,
todos, no entanto, ansiosos para encontrar inovações substanciais no que eles
chamam de “leninismo”, para legitimar suas descobertas, suas inovações, sua
sujeira ideológica. A técnica de extrapolar frases do contexto e depois usá‑las
para afirmar o oposto do que a obra original defende remonta a Stalin, mas
muitos estudantes foram além do mestre na técnica da falsificação e preencheram
milhões de páginas de lixo anticomunista e anti‑proletário. Ao reafirmar os
fundamentos do marxismo em Lênin, somos, portanto, forçados a empregar citações
não muito breves e a colocá‑las no verdadeiro contexto histórico e político em
que os textos do próprio Lênin foram expressos.
17. Nenhum “partido de novo tipo”
Mas o que era o partido para nossos dois mestres fundadores? Vale a pena lembrar
aos filisteus que enchem a boca de Marx e Engels a todo momento, o que era o
partido da classe trabalhadora para eles, e de que fontes Lênin bebeu
profundamente em seus esforços para construir o partido revolucionário. O
Manifesto diz:
«De vez em quando os trabalhadores saem vitoriosos, mas apenas por um tempo. O
verdadeiro fruto de suas batalhas não está no resultado imediato, mas na união
cada vez maior dos trabalhadores».
«Essa organização dos proletários em uma classe e, consequentemente, em um partido político, está sendo continuamente perturbada pela competição entre os próprios trabalhadores. Mas ela sempre se ergue novamente, mais forte, mais firme, mais poderosa» (M‑E, Collected Works, VI 494‑495).
«Os comunistas se distinguem dos outros partidos da classe trabalhadora apenas
pelo seguinte: nas lutas nacionais dos proletários dos diferentes países, eles
apontam e trazem para a frente os interesses comuns de todo o proletariado,
independentemente de qualquer nacionalidade.
«Os comunistas, portanto, são, por um lado, praticamente, a seção mais avançada
e resoluta dos partidos da classe trabalhadora de todos os países, aquela seção
que impulsiona todas as outras; por outro lado, teoricamente, eles têm sobre a
grande massa do proletariado a vantagem de compreender claramente a linha de
marcha, as condições e os resultados gerais finais do movimento proletário. O
objetivo imediato dos comunistas é o mesmo de todos os outros partidos
proletários: a formação do proletariado em uma classe, a derrubada da supremacia
burguesa, a conquista do poder político pelo proletariado. As conclusões
teóricas dos comunistas não se baseiam, de forma alguma, em ideias ou princípios
que tenham sido inventados ou descobertos por este ou aquele aspirante a
reformador universal. Elas simplesmente expressam, em termos gerais, as relações
reais que brotam de uma luta de classes existente, de um movimento histórico que
está acontecendo sob nossos olhos» (M‑E, VI, 498‑499).
«Em sua luta contra o poder coletivo das classes proprietárias, a classe
trabalhadora não pode agir como classe a não ser constituindo‑se em um partido
político, distinto e oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes
proprietárias. Essa constituição da classe trabalhadora em um partido político é
indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e de seu fim último,
a abolição das classes» (M‑E, XXIII, 243).
«Concordamos que o proletariado não pode conquistar o poder político, a única maneira de alcançar a nova sociedade, sem uma revolução violenta. Para que o proletariado seja forte o suficiente para vencer no dia decisivo, é necessário – e isso Marx e eu apoiamos desde 1847 – que um partido específico seja formado, separado de todos os outros e oposto a eles, um partido de classe consciente de si mesmo»... «Como todos os outros partidos, o proletariado aprende, antes de tudo, com as consequências de seus erros, e ninguém pode poupá‑lo completamente desses erros» (Engels para Gerson Trier, 18 de dezembro de 1889).
«Nossas opiniões sobre os pontos de diferença entre uma sociedade futura não capitalista e a atual são conclusões estritas de fatos e desenvolvimentos históricos existentes, e não têm valor – teórico ou prático – a menos que sejam apresentadas em conexão com esses fatos e desenvolvimentos» (M‑E, XLVII, 392).
«... Todo retrocesso sofrido foi uma consequência necessária de visões teóricas equivocadas no programa original» (M‑E, XLVII, 541).
Esses poucos e escassos extratos do imenso corpo teórico que herdamos de nossos
professores são, no entanto, suficientes para estabelecer pontos firmes para
entender a natureza e o papel do partido proletário e para derrubar
antecipadamente as críticas que foram dirigidas na época contra Lênin e,
posteriormente, também contra nós:
A necessidade de o partido ser capaz de vencer na luta final contra as classes
oponentes, uma luta que será necessária e inevitavelmente violenta;
A classe só é tal se estiver organizada no partido; caso contrário, ela existe
apenas para as estatísticas, mas não para si mesma;
A consciência de classe reside apenas no partido, e não em indivíduos,
proletários ou não; e
A teoria da revolução é científica e não pode ignorar o passado, o presente e o
futuro; ela está incorporada no programa, que pode ser continuamente aprimorado
à luz de erros e experiências, mas, precisamente por ser científica, não pode
ser contradita por novos eventos.
A grandeza de Lênin não consistiu, portanto, na elaboração de um novo tipo de
partido, como os “leninistas” querem nos fazer crer, porque “tudo muda”, daí a
necessidade de descobertas, novos caminhos, elaborações “originais”. Lênin
extraiu de seu profundo conhecimento da ciência marxista o projeto de um partido
que fosse, do ponto de vista organizacional, é claro, mas no final também
teoricamente, capaz de vencer o duplo confronto na Rússia com o czarismo e com o
capitalismo vigente. Sua fórmula, nascida para o nascimento de um verdadeiro
partido marxista revolucionário adequado às condições da Rússia, é, em suas
linhas gerais, igualmente válida para todos os partidos que, na época, eram
socialistas e, depois, comunistas. É à luz do exposto que se faz necessário
avaliar o que Lênin defende em seus escritos do período de nascimento do Partido
Trabalhista Social-Democrata Russo, objetivo principal deste trabalho.
18. Marxismo dogmático versus revisionismo
Lênin começa lembrando‑nos das questões colocadas no artigo “Por onde começar?” – «o caráter e o conteúdo principal de nossa agitação política; nossas tarefas organizacionais; e o plano para construir, simultaneamente e de vários lados, uma organização militante em toda a Rússia» (V, 349).
A discussão certamente se concentra na crítica ao economismo, mas oferece a oportunidade de lançar luz sobre muitas outras questões centrais do movimento. O primeiro capítulo é intitulado “Dogmatismo e ’liberdade de crítica’”. Lênin é rápido em esclarecer o ponto mais importante para ele, o do chamado “marxismo dogmático”, do qual ele admite ser um mensageiro, ameaçado internacionalmente pela nova onda de “críticos”, por meio do revisionismo de Bernstein e outros. Nesse capítulo fundamental, Lênin denuncia o revisionismo e, em geral, a tentativa de apagar a base científica do socialismo; com “novos” argumentos, pode‑se negar ou questionar todas as pedras angulares do marxismo, inclusive a teoria da luta de classes. Para ele, essa é apenas uma nova variedade de oportunismo, disfarçada como uma expressão de liberdade, liberdade de crítica:
«“Liberdade” é uma palavra grandiosa, mas sob a bandeira da liberdade para a indústria foram travadas as guerras mais predatórias, sob a bandeira da liberdade de trabalho, o povo trabalhador foi roubado. O uso moderno do termo “liberdade de crítica” contém a mesma falsidade inerente» (V, 355).
Desde então, sabemos quantas vezes essa palavra, que não pertence ao sentido
burguês no vocabulário do marxismo, foi usada para cometer os crimes mais
atrozes. Nenhuma liberdade surgiu das guerras que custaram dezenas de milhões de
mortes, mas sim a escravização de continentes inteiros aos interesses do capital
internacional.
19. “Um grupo compacto”
Lênin conclui o capítulo com uma passagem que está entre as mais famosas de sua
literatura:
«Estamos marchando em um grupo compacto ao longo de um caminho precipitado e
difícil, segurando firmemente uns aos outros pela mão. Estamos cercados de
inimigos por todos os lados e temos de avançar quase constantemente sob seu fogo.
Nós nos unimos, por decisão livremente adotada, com o propósito de lutar contra
o inimigo, e não de nos retirarmos para o pântano vizinho, cujos habitantes,
desde o início, nos censuraram por termos nos separado em um grupo exclusivo e
por termos escolhido o caminho da luta em vez do caminho da conciliação. E agora
alguns de nós começam a gritar: Vamos para o pântano! E quando começamos a
envergonhá‑los, eles retrucam: Que gente atrasada vocês são! Não têm vergonha de
nos negar a liberdade de convidá‑los a seguir um caminho melhor? Oh, sim,
senhores! Os senhores são livres não apenas para nos convidar, mas também para
ir aonde quiserem, até mesmo para o pântano. Na verdade, achamos que o pântano é
o lugar certo para vocês e estamos dispostos a prestar‑lhes toda a assistência
para chegar lá. Apenas soltem nossas mãos, não nos agarrem e não manchem a
grande palavra liberdade, pois nós também somos “livres” para ir aonde quisermos,
livres para lutar não apenas contra o pântano, mas também contra aqueles que
estão se voltando para o pântano!» (Ibid.)
É claro que o panfleto e a polêmica dizem respeito principalmente aos representantes do oportunismo presentes no movimento socialista russo, que afirmam que “Para uma unidade duradoura, deve haver liberdade de crítica”... “contra a ossificação do pensamento”. Lênin lembra que o próprio Engels, em várias ocasiões, criticou aqueles que queriam interpretar a teoria do socialismo das formas mais imaginativas e, acima de tudo, não científicas; e que os defensores da liberdade crítica na Rússia não são nem livres nem críticos do bernsteinismo.
O oportunismo é um dos maiores perigos para o partido: inimigo da teoria, quando se dedica à teoria, o faz para dobrá‑la a seus objetivos, muitas vezes travestidos de “senso comum”, que são sempre os de refrear as tarefas revolucionárias para favorecer propósitos contingentes, irrelevantes e muitas vezes falsos. Os oportunistas são levados a seguir servilmente os preconceitos disseminados entre os trabalhadores, a “contemplar religiosamente seus traseiros”, para usar a expressão de Plekhanov. Se o trabalhador está preocupado principalmente com questões internas da fábrica, o oportunista se torna um “trabalhista”: “As massas sempre têm razão”.
Tendo explicado em que termos podemos e devemos nos aliar aos movimentos democráticos burgueses (ou seja, mantendo a liberdade de revelar à classe trabalhadora que seus interesses e os da burguesia são opostos), o texto prossegue explicando como combater o oportunismo. «Em primeiro lugar, eles deveriam ter se esforçado para retomar o trabalho teórico que mal havia começado no período do marxismo legal e que recaiu novamente sobre os ombros dos camaradas que trabalhavam na clandestinidade. Sem esse trabalho, o crescimento bem‑sucedido do movimento era impossível» (V, p. 365)... «antes que possamos nos unir, e para que possamos nos unir, devemos antes de tudo traçar linhas de demarcação firmes e definidas» (V, 367). Portanto, é bom se unir, mas somente se você compartilhar os fundamentos essenciais do marxismo; banir o fetiche da união como um fim em si mesmo.
Segue‑se um breve capítulo, cujo título é suficiente para destacar seu significado: “Engels sobre a importância da luta teórica”. Os economistas citam, contra os “dogmáticos”, uma frase de Marx: «Cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas». Mas Lênin é rápido em rebater a tentativa de diminuir a importância da teoria, citando Marx, no mesmo documento:
«Repetir essas palavras em um período de desordem teórica é como desejar aos enlutados em um funeral muitas felicidades para o dia. Além disso, essas palavras de Marx foram retiradas de sua carta sobre o Programa de Gotha, na qual ele condena severamente o ecletismo na formulação de princípios. Se vocês precisam se unir, escreveu Marx aos líderes do partido, então façam acordos para satisfazer os objetivos práticos do movimento, mas não permitam nenhuma barganha sobre princípios, não façam “concessões” teóricas» (V, 369).
Lênin cita uma longa passagem de Engels sobre a importância da teoria e acrescenta: «Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário (...) o papel de combatente de vanguarda só pode ser cumprido por um partido que seja guiado pela teoria mais avançada» (V, 369‑370). E qual é essa teoria mais avançada? Isso já estava bem claro para Lênin em 1899: «Somente a teoria do marxismo revolucionário pode ser a bandeira do movimento de classe dos trabalhadores, e a social-democracia russa deve se preocupar com o desenvolvimento e a implementação dessa teoria e deve protegê‑la contra as distorções e vulgarizações às quais as “teorias da moda” são tão frequentemente submetidas» (IV, 180). Lênin nos lembra disso com palavras muito claras em 1920, em Comunismo de Esquerda: «... o bolchevismo surgiu em 1903 sobre uma base muito firme da teoria marxista... o bolchevismo, que surgiu sobre essa base granítica da teoria» (XXXI, 25‑26).
Mais tarde, escreveríamos,
«Se não havia utopia proletária na Rússia, é porque, quando o movimento se
desenvolveu até as pré‑condições para um partido, a teoria desse partido já
estava pronta internacionalmente e vinha de fora (...) O partido estava certo
em “importar” o instrumento e a arma já disponíveis, que é a teoria do partido.
Não há nada de idealismo nisso. O marxismo não poderia ser formado, as
descobertas que o constituem não poderiam ser alcançadas, antes que o modo de
produção burguês tivesse se espalhado e a classe proletária tivesse se formado
dentro dele, em sociedades nacionais grandes e desenvolvidas; mas, uma vez
formado, ele é válido para as zonas, os campos, que chegam tarde, e é adequado
para estabelecer qual será o processo que os espera e que se desenvolve da mesma
maneira» (“Rússia e Revolução” cit., Parte 2, § 32).
Em essência, Lenin parte da longa citação de Engels para reafirmar a primazia da teoria e do programa no entrelaçamento indissolúvel de todos os aspectos fundamentais da luta do partido: teórico, político e prático-econômico.
Lênin é sempre muito explícito ao se referir aos fundadores do socialismo moderno, nos anos anteriores ao Congresso: em 1899 (Nosso Programa), ele escreve:
«Ela [a teoria marxista] deixou clara a verdadeira tarefa de um partido socialista revolucionário: não elaborar planos para remodelar a sociedade, não pregar aos capitalistas e seus seguidores sobre como melhorar a sorte dos trabalhadores, não criar conspirações, mas organizar a luta de classes do proletariado e liderar essa luta, cujo objetivo final é a conquista do poder político pelo proletariado e a organização de uma sociedade socialista» (IV, 210‑211).
E àqueles que o acusam de negligenciar a luta econômica, ele responde:
«Todos os social-democratas concordam que é necessário organizar a luta econômica da classe trabalhadora, que é necessário continuar a agitação entre os trabalhadores nessa base, ou seja, ajudar os trabalhadores em sua luta diária contra os empregadores, chamar sua atenção para todas as formas e todos os casos de opressão e, dessa forma, deixar claro para eles a necessidade de combinação. Mas esquecer a luta política pelo econômico significaria afastar‑se do princípio básico da social-democracia internacional, significaria esquecer o que toda a história do movimento trabalhista nos ensina» (IV, 212).
No ano seguinte, ele sente novamente a necessidade de afirmar sua fé marxista, na “Declaração do Conselho Editorial do Iskra”:
«Antes que possamos nos unir, e para que possamos nos unir, devemos, antes de tudo, traçar linhas de demarcação firmes e definidas. Caso contrário, nossa unidade será puramente fictícia, ocultará a confusão predominante e impedirá sua eliminação radical. É compreensível, portanto, que não tenhamos a intenção de fazer de nossa publicação um mero depósito de várias opiniões. Pelo contrário, nós a conduziremos no espírito de uma tendência estritamente definida. Essa tendência pode ser expressa pela palavra marxismo, e não há necessidade de acrescentar que defendemos o desenvolvimento consistente das ideias de Marx e Engels e rejeitamos enfaticamente as “correções” equivocadas, vagas e oportunistas para as quais Eduard Bernstein, P. Struve e muitos outros estabeleceram a moda» (IV, 354‑355).
Portanto, em toda a sua literatura, Lênin nunca hesita em recorrer livremente a Marx e Engels para apoiar as posições que defende dentro e fora do partido, e isso não apenas no estágio de nascimento da organização, mas durante toda a sua vida; basta ler O Estado e a Revolução. Desde o período de Samara, ele costumava dizer que tinha de “consultar Marx” (a expressão é dele, citada por Trotski: The Young Lenin) quando algum argumento crítico era apresentado. Outro testemunho é de Krisov (Lénine tel qu’il fut, Souvenirs de Contemporains, 1958):
«Em geral, os debates não duravam muito, porque as questões já haviam sido estudadas anteriormente. Mas se, mesmo assim, surgia uma discussão, Lênin não impunha seu ponto de vista, tentava pesar todos os prós e contras e às vezes declarava: “Devemos adiar a decisão para a próxima reunião para pedir a opinião de Marx”».
Naquela época, como hoje, os comunistas eram censurados por viverem no passado, por não serem capazes de se renovar, por não prestarem atenção ao novo. Em “Some Reflections on the Letter from 7 Ts. 6 F» (VI, 289, 292). Lênin escreve:
«“Isso é coisa velha!”, você reclama. Sim. Todos os partidos que têm boa literatura popular têm distribuído coisas velhas (...) por décadas (...) E a única literatura popular que é boa, a única literatura popular que é adequada é aquela que pode servir por décadas (...) E tudo o que vocês têm é apenas um Iskra; afinal, isso se torna monótono! Trinta e uma edições e tudo do Iskra, enquanto com as pessoas cativantes cada duas edições de um título (de lixo) são imediatamente seguidas por três edições de outro título (de lixo). Agora, isso é energia, isso é alegria, isso é novo!» (VI, 289, 292)
Isso não é novidade para nós que, hoje, permanecemos ciosamente apegados a “bater
em pregos velhos”.
20. Sectarismo
Também não é novidade dedicar nossos ataques e nossas críticas mais aos nossos “vizinhos” e supostos “espíritos afins” do que aos inimigos declarados da classe trabalhadora, dos quais o proletariado não precisa ser ajudado a se defender; nisso encontramos um precedente ilustre no Neue Rheinische Zeitung nº 4, 1850): «Nossa tarefa é a crítica irrestrita, mais em relação aos supostos amigos do que aos inimigos declarados; e, afirmando nossa posição, desistimos de bom grado da popularidade democrática barata». Será que somos os únicos a perceber em Marx um desprezo mal disfarçado pela democracia? Sobre isso, nossa tradição verbalmente transmitida afirma: os mais próximos de nós são os piores.
Essa nossa atitude, que também foi demonstrada como sendo a do grande Lênin, muitas vezes nos rendeu o título, considerado ofensivo, de “sectários”. Bem, é um título que não rejeitamos, se isso significa o oposto do situacionista, o oportunista, aquele que busca novos caminhos, não tanto pelo bem da revolução, mas para exaltar seu ego, para poder dizer que fez uma contribuição “pessoal”, se não para perpetrar a mais miserável das traições. Tratamos do assunto em 1959 da seguinte forma:
«Bem conhecido é o sabor que todo espírito pequeno-burguês dá às objeções e críticas de nossa pesquisa para retornar à construção original do marxismo. Tomaríamos, de acordo com esses kobolds, os escritos de Marx como uma revelação na qual devemos acreditar cegamente, que seguiríamos como um dogma que não é permitido discutir, mas aceitar a priori. Renunciaríamos à preciosa luz da livre crítica individual de nosso intelecto e daqueles que nos seguem. Negaríamos que o desenrolar dos fatos históricos por mais de um século tenha sido capaz de refutar ou pelo menos modificar as posições deduzidas usando apenas os dados da história humana, antes daquele período por volta de 1850. Bem, tolos nascidos da cultura burguesa degenerada, é exatamente isso que reivindicamos e propomos! E temos o direito de fazer isso porque a nossa descoberta, o primeiro uso da formidável chave que resolveu as antíteses e os enigmas que pesavam sobre a humanidade, já continha a conquista científica e crítica segundo a qual as suas afirmações são mentiras vazias e inconsistentes» (“The Economic and Social Structure of Russia Today”, Il Programma Comunista n. 18, 1959).
Então, novamente, por que não acusar o próprio Lênin de sectarismo (como os economistas realmente fizeram em 1902), se com todas as suas alegadas manobras (sempre invocadas pelo marginal que aspira a colocar o miserável em alguma página da história) ele nunca hesitou em cortar, condenar, até mesmo zombar de todos aqueles que pretendiam adulterar os princípios fundamentais do marxismo? Uma anedota de Tatiana Lyudvinskaya (em Lénine tel qu’il fut, 1958) relata:
«Em Paris, Lênin dirigia todas as nossas atividades... A dureza e a
intransigência de Lênin contra os oportunistas incomodavam alguns camaradas. Um
deles disse a Lenin: “Por que deveríamos expulsar todos da seção? Com quem
trabalharemos?” Lênin respondeu com um sorriso: “Pouco importa se não somos muito
numerosos hoje, porque, por outro lado, estaremos unidos em nossa ação, e os
trabalhadores conscientes nos apoiarão, já que estamos no caminho certo”».
21. De onde vem a consciência?
O capítulo seguinte, “The Spontaneity of the Masses and the Consciousness of the Social-Democrats” (A espontaneidade das massas e a consciência dos social-democratas), não abandona o tema da importância da teoria. Onde reside a consciência? Os trabalhadores podem adquiri‑la em virtude de suas experiências de luta? A história nos mostrou que não é assim; a consciência revolucionária socialista só pode chegar aos proletários de fora, fora das lutas econômicas, e Lenin reafirma isso com veemência, como já foi confirmado por nossos grandes mestres:
«As ideias da classe dominante são as ideias dominantes em todas as épocas; isto é, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material tem, portanto, ao mesmo tempo, os meios de produção intelectual, de modo que, como um todo, as ideias daqueles que não têm os meios de produção intelectual estão sujeitas a ela» (M‑E, V, 44). Portanto: «[para a produção da consciência comunista] (...) a revolução não é necessária apenas porque a classe dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma, mas também porque a classe que a derruba só pode conseguir, em uma revolução, se livrar de toda a sujeira antiga e se tornar capaz de fundar a sociedade em novas bases» (M‑E, V, 38).
A doutrina do socialismo deriva das aquisições da ciência, história, economia e filosofia, que são prerrogativas das classes proprietárias, que produzem intelectuais. Os proletários podem chegar a uma consciência sindicalista, ou seja, entender que devem se organizar em sindicatos, que devem conduzir as lutas de uma determinada maneira, que podem e devem fazer solicitações ao governo para obter uma legislação melhor e, talvez, se organizar nesse sentido, mas não têm as ferramentas para ir além.
Lênin não subestima a importância da espontaneidade, pelo contrário. Ele escreve: «Há espontaneidade e espontaneidade. [Em comparação com as lutas dos anos anteriores, também do tipo ludita, as greves dos anos 90 podem até ser descritas como “conscientes”, de tal forma que marcam o progresso que o movimento da classe trabalhadora fez nesse período. Isso mostra que o “elemento espontâneo”, em essência, representa nada mais nada menos do que a consciência em uma forma embrionária» (V, 375).
Mas esperar mais das lutas espontâneas é uma submissão à espontaneidade, que tem
como única consequência o reforço da influência burguesa sobre a classe, e essa
é a consequência dos espontaneístas, não apenas os economistas da polêmica russa
da época, mas também os anarquistas e, em geral, aqueles que desprezam a teoria
em favor da adoração do macacão azul. Não há meio termo: «Como não se pode falar
de uma ideologia independente formulada pelas próprias massas trabalhadoras no
processo de seu movimento, a única escolha é a ideologia burguesa ou socialista»
(V, 384). Portanto, «(...) toda adoração da espontaneidade do movimento da
classe trabalhadora, toda depreciação do papel do “elemento consciente”, do
papel da social-democracia, significa, independentemente do fato de aquele que
deprecia esse papel desejar ou não, um fortalecimento da influência da ideologia
burguesa sobre os trabalhadores» (V, 382‑383).
22. Trabalhadores no partido
Em uma nota, Lênin esclarece, para refutar críticas fáceis e desonestas a essa tese contundente, que os trabalhadores não são excluídos do estudo e da elaboração da doutrina do partido, ou mesmo de posições de responsabilidade no próprio partido (e há muitos exemplos disso), mas esses são trabalhadores que atuam como comunistas no partido, não como trabalhadores; como homens que se elevaram à consciência marxista revolucionária e apagaram de suas mentes o lugar em que o regime de exploração burguesa os havia aprisionado. Isso independentemente do nível cultural adquirido, se eles se tornaram ou não “intelectuais”. O partido não exige qualificações acadêmicas, o que, ao contrário, o leva a ser mais cauteloso ao aceitar filiações; o partido exige a determinação de trabalhar pela revolução, com as ferramentas que se tem. O trabalhador que entra para o partido deixa de ser um trabalhador, ele se torna um comunista militante, arrancando assim «de seu coração e de sua mente a classificação sob a qual ele foi inscrito no registro dessa sociedade putrefata» (“Considerações sobre a atividade orgânica do partido quando a situação geral é geralmente desfavorável”, nº 11, 1965).
«A escola dos proletários será a revolução vitoriosa, que por enquanto lhes pede
suas mãos armadas, mas não pode lhes pedir um diploma político; mesmo aqueles
que estão inscritos no partido não são solicitados a se submeter a um “exame
cultural”. Desde as lutas na Segunda Internacional, a esquerda zombou da tese do
partido “culto”» (“The Theory of the Primary Function of the Political Party,
Only Guardian and Salvation of the Historical Energy of the Proletariat”, Il
Programma Comunista n. 21‑22, 1958).
23. Mística da adesão ao comunismo
Já vimos que para aderir ao partido são necessárias outras características além da cultura “marxista” e do conhecimento individual da nossa doutrina; são necessárias habilidades que Lênin chamou de coragem, abnegação, heroísmo, espírito de sacrifício; é para verificar essas qualidades que se faz a discriminação entre o simpatizante ou candidato e o militante, o soldado ativo do exército revolucionário; certamente não porque o simpatizante ainda não “sabe”, enquanto o militante tem consciência. Se não fosse esse o caso, toda a concepção marxista cairia por terra, porque o Partido Comunista é aquele órgão que deve, nos momentos de recuperação revolucionária, organizar milhões de homens, que não terão tempo nem necessidade de fazer nem mesmo cursos rápidos de marxismo, e que aderirão ao partido não porque sabem, mas porque sentem «instintiva e espontaneamente e sem o menor curso de estudo que possa imitar as qualificações escolares». E também porque são capazes de sonhar, como o “organizador frio”, o “racional” que Lênin espera no mesmo Que Fazer? (V, 510). Assim, a adesão responde, antes de tudo, a um impulso que vai além da racionalidade, da compreensão total, do raciocínio frio: uma escolha que nós, alunos distantes de Lênin, não hesitamos em chamar também de mística.
«O problema do conhecimento que atormentou as muitas correntes de pensamento ao longo dos séculos está resolvido para nós, já que a futura ciência universal tem hoje acesso a um partido, o único que dá nome à classe que antecipa o amanhã. Assim como o partido ainda está a meio caminho entre a ficção do indivíduo e a maravilhosa conquista “humana” da universalidade, também na história o cimento ideológico que o distingue está além dos erros antigos que derramaram a quantidade de verdade pela qual surgiram e tiveram que cair; ela lidera com um sistema de princípios que ainda pode ser chamado de mística, a última das místicas, por meio da qual muitos lutarão e cairão não apenas no sacrifício supremo da vida, mas também no sacrifício maior da alegria de verificar tudo antes de acreditar, uma alegria que só será alcançada após a vitória; a geração sobrevivente receberá esse presente da última que teve a missão de vencer a guerra, na guerra de homens contra homens» (“The Economic and Social Structure of Russia Today”, Il Programma Comunista n. 18, 1959).
Uma anedota de 1905 é interessante, quando Lênin, diante da pergunta se um padre – um não marxista – pode ser admitido no Partido Social Democrata, respondeu afirmativamente, colocando a aceitação do programa político do partido como condição para entrar no partido, mesmo quando isso não é acompanhado pela adesão à concepção geral da história subjacente ao programa. «(...) Uma organização política não pode submeter seus membros a um exame para verificar se não há contradição entre seus pontos de vista e o programa do partido» (XV, 408). Portanto, o pertencimento ao partido é verificado no curso da atividade partidária, não em um exame impossível do nível de consciência.
«Devemos chamar a atenção dos membros do partido para uma questão geral: a da
situação existente no POSDR. Como qualquer partido revolucionário, o nosso pode
existir e se desenvolver sob a única condição de que haja o desejo primordial
dos revolucionários de ajudar uns aos outros na realização do trabalho comum»
(“The Situation in the Party”, 23 de dezembro de 1910).
24. Contra a ideologia burguesa e a lei do esforço mínimo
Voltando ao tema da cultura dominante, é interessante a esse respeito uma outra passagem de Que Fazer?: «Mas por que, perguntará o leitor, o movimento espontâneo, o movimento ao longo da linha de menor resistência, leva à dominação da ideologia burguesa? Pela simples razão de que a ideologia burguesa é muito mais antiga em sua origem do que a ideologia socialista, é mais desenvolvida e tem à sua disposição um número incomensuravelmente maior de meios de disseminação» (V, 386).
Nesse ponto, não podemos deixar de lembrar uma regra não escrita que está sendo transmitida dentro do partido de esquerda desde seus primórdios: o caminho correto para obter os resultados corretos em nosso trabalho teórico não é o caminho do esforço mínimo, mas sim o mais longo, o que exige mais trabalho; não adotamos o método burguês, de lucro máximo com investimento mínimo; não temos pressa, não estamos buscando o resultado a todo custo.
«Uma característica fundamental do fenômeno que Lênin nomeou, marcando‑o com um ferro em brasa, com um termo que também está em Marx e Engels, oportunismo, é a preferência por um caminho mais curto, mais confortável e menos árduo, em vez de um caminho mais longo, desconfortável e cheio de dificuldades; no qual somente a correspondência da afirmação de nossos princípios e programas, i. e., de nossos propósitos supremos, é que pode ser feita. ou seja, de nossos propósitos supremos, com o desenvolvimento da ação prática imediata e direta, na situação real atual, pode ocorrer» (“Teses suplementares sobre a tarefa histórica, a ação e a estrutura do Partido Comunista Mundial”, nº 5, Il Programma Comunista n. 7, 1966).
Agora vale a pena citar uma frase curiosa, de um escrito de 1902 para circulação interna (VI, 70):
«Se o Senhor Deus decidiu nos punir por nossos pecados, obrigando‑nos a
apresentar um projeto “vira‑lata”, devemos pelo menos fazer tudo o que estiver
ao nosso alcance para reduzir as consequências infelizes. Portanto, aqueles que
são guiados, acima de tudo, por um desejo de “acabar com isso o mais rápido
possível” estão completamente errados. Pode‑se presumir que agora, diante de tal
constelação, nada além do mal virá da pressa, e nosso rascunho editorial será
insatisfatório. Não é absolutamente necessário publicá‑lo no número 4 da Zarya:
podemos publicá‑lo no número 5... Se fizermos isso, um atraso de um mês ou mais não causará nenhum dano ao partido».
25. “Fazedores de Nada”
Faz parte de nossa tradição que o jovem camarada que se aproxima do partido seja inicialmente educado com alguns lemas contundentes. Um deles é “fazedores de nada”, ou seja, pessoas que mantêm suas bundas firmemente enraizadas em suas cadeiras em vez de saírem para a rua, o que imputa um certo hábito, atitude e estado de espírito ao militante comunista, especialmente em uma época que não prevê, a curto prazo, grandes reviravoltas no movimento revolucionário de classe. A atividade do partido por muitas décadas tem sido, de fato, dedicada principalmente ao estudo e à defesa de sua teoria e normas táticas. A recomendação era particularmente necessária no período pós‑1968, quando qualquer rebelião genérica da juventude era canalizada por organizações que traiçoeiramente se referiam ao marxismo para os becos sem saída do ativismo sem futuro.
Esse desejo de não perder o “trem da história” também afetou nosso partido, no
qual muitos começaram a se perguntar se haviam cometido erros estratégicos que
os teriam excluído da festa de uma revolução que viam escapar de suas mãos. De
repente, eles queriam que novas direções táticas passassem para o partido, com o
objetivo de conquistar aquelas jovens almas pequeno-burguesas que as “velhas”
posições da esquerda rejeitavam. Não era difícil prever como isso aconteceria.
Ao apelo disciplinado de nós, os “que não fazem nada”, para que voltássemos às
atitudes comunistas tradicionais que todos nós compartilhávamos, os “apressados”
responderam com isolamento, calúnia, mentiras vulgares e desonestas e,
finalmente, com a expulsão.
26. A inversão da práxis
Voltando a Lênin, neste ponto vale a pena insistir na relação entre o movimento espontâneo do proletariado e o partido; entre os impulsos materiais que surgem espontaneamente na sociedade e a elaboração teórica revolucionária; entre a espontaneidade e a consciência. É óbvio que não haveria teoria revolucionária se não tivesse havido uma contradição entre o modo de produção e as demandas dos trabalhadores, gerando um amplo movimento de classe. Mas todo o panfleto tende a demonstrar a necessidade de um guia consciente, mesmo para um movimento amplo, para levar essa teoria à classe, para provocar uma mudança revolucionária na sociedade. E em um ponto, Lênin lembra que o componente consciente da classe, o componente que pode ser chamado de ideológico, o partido, pode desempenhar um papel ativo no desenvolvimento da luta revolucionária, e não apenas uma expectativa fatalista do “bom momento”.
«Eles não conseguem entender que o “ideólogo” é digno desse nome apenas quando precede o movimento espontâneo, aponta o caminho e é capaz, antes de todos os outros, de resolver todas as questões teóricas, políticas, táticas e organizacionais que os “elementos materiais” do movimento encontram espontaneamente (...) Dizer, entretanto, que os ideólogos (isto é, líderes politicamente conscientes [leia‑se: o Partido]) não podem desviar o movimento do caminho determinado pela interação do ambiente e dos elementos é ignorar a simples verdade de que o elemento consciente participa dessa interação e da determinação do caminho» (V, 316).
Em nosso conceito de “Reversão da Práxis”, que o partido enunciou em seu início,
de acordo com o qual o partido de classe recebe todos os estímulos e impulsos
que emanam da classe e de suas organizações imediatas; ele extrai daí a matéria-prima
para a elaboração de sua doutrina e, em seguida, reflete isso de volta para a
classe e para o trabalhador individual: dentro de certos limites, de acordo com
as situações e o equilíbrio das relações de classe, o partido pode tomar
decisões e iniciativas e influenciar o desenvolvimento da luta. A relação
dialética reside no fato de que, na medida em que o partido revolucionário é um
fator consciente e voluntário dos acontecimentos, ele também é um resultado dos
mesmos e do conflito que eles representam entre os antigos e os novos modos de
produção. Essa é uma função que desapareceria se os laços materiais com o
ambiente social e a luta de classes fossem interrompidos.
27. O plano tático invariável
O partido reiterou essa perspectiva, por exemplo, em 1967: “A continuidade da ação do partido, no fio da tradição da esquerda”, Il Programma Comunista n. 3‑5, 1967: «É impressionante como, para nós, não apenas os problemas de organização e funcionamento do partido revolucionário marxista estão entrelaçados com as questões fundamentais de doutrina, programa e tática, mas também que a solução correta do primeiro é prejudicial para a definição e solução correta do segundo».
Obviamente, o fato de o partido ser um produto do ambiente em que opera não significa que a teoria deva estar sujeita a altos e baixos de acordo com a situação externa:
«É óbvio que, embora nosso partido seja um fator nos eventos, ele é ao mesmo tempo um produto deles; esse também será o caso se conseguirmos criar um partido mundial realmente revolucionário. Agora, em que sentido os eventos são refletidos nesse partido? No sentido de que o número de nossos membros aumenta, e nossa influência sobre as massas cresce, quando a crise do capitalismo gera uma situação favorável a nós. Se, ao contrário, em um determinado momento a situação se torna desfavorável, pode muito bem ser que nossas forças sejam reduzidas em número; mas quando isso ocorre, não devemos permitir que nossa ideologia sofra com isso; não apenas nossa tradição e nossa organização, mas também nossa linha política deve permanecer intacta» (Terceira Internacional Comunista, Sexta Executiva Ampliada, Relatório da Esquerda do PC da Itália; Quinta Sessão, 23/2/1926).
Continuando a apontar como o partido deve funcionar, e partindo das observações dos economistas, Lênin mostra que não há contradição entre as duas declarações feitas sobre o Iskra:
«A social-democracia não amarra suas mãos, não restringe suas atividades a um plano ou método preconcebido de luta política; ela reconhece todos os métodos de luta, desde que correspondam às forças à disposição do partido e facilitem a obtenção dos melhores resultados possíveis sob as condições dadas» (IV, 371) e: «sem uma organização forte e capacitada para travar a luta política em todas as circunstâncias e em todos os momentos, não se pode falar de um plano de ação sistemático, iluminado por princípios firmes e executado com firmeza, que é o único digno do nome de tática» (V, 18).
Portanto, um plano tático nada mais é do que a descrição de qual deve ser a atitude do partido em determinadas situações. O partido deve trabalhar, e esse é o trabalho teórico fundamental do partido, para prever os mais variados cenários nos quais ele pode se encontrar operando; não apenas o partido como um todo, mas também o militante individual, que pode ter de tomar decisões operacionais importantes em condições em que a conexão com o Centro foi interrompida.
O erro fundamental cometido pela “nova tendência” na social-democracia russa é sua submissão à espontaneidade e sua incapacidade de compreender que a espontaneidade das massas exige um alto grau de consciência de nós, social-democratas. Quanto maior for o surgimento espontâneo das massas e quanto mais amplo for o movimento, mais rápida, incomparavelmente, será a demanda por maior consciência no trabalho teórico, político e organizacional da social-democracia» (V, 396).
“Consciência” significa “conhecimento”, e é exatamente nesse sentido que Lênin se refere ao termo. Conhecimento do mundo burguês, em sua política, em sua economia, em sua cultura, para ser capaz de prever as situações em que o partido se encontrará, para dar indicações de luta à classe trabalhadora. Nós, seus humildes alunos, aprendemos com ele a necessidade de trabalhar na escultura da teoria e na previsão de táticas a serem adotadas nas mais variadas e possíveis situações. Esse é o objetivo do trabalho dos camaradas, que periodicamente, em nossas Assembleias Gerais, é apresentado a todo o Partido; um trabalho que serve não apenas para conhecer, para saber o que fazer em determinadas circunstâncias. Sua importância está, sobretudo, em compartilhar com todos os companheiros, que saberão utilizá‑lo em um sentido revolucionário. E em uma formação contínua dos novos militantes, que adquirem nossa doutrina de forma natural, e não em ridículas escolas partidárias. «Seria um absurdo afirmar que eles são textos perfeitos, irrevogáveis e imutáveis», como escrevemos nas Teses de Nápoles de 1966: «porque ao longo dos anos o partido sempre disse que era um material em contínua elaboração, destinado a assumir uma forma cada vez melhor e mais completa». No entanto, esses textos retornam periodicamente, com novos dados e novos esclarecimentos, aos princípios que são a base de nossa doutrina, sem nunca os contradizer nem um pouco. Desse modo, os militantes, por meio da participação em reuniões periódicas, locais e gerais, estão sempre em contato com nossas posições e se sentem à vontade para torná‑las suas.
É uma antiga convicção nossa que um partido forte é aquele cujos militantes, em uma determinada situação, se comportam todos da mesma maneira, mesmo que não tenham possibilidade de se comunicar uns com os outros e com o Centro. Essa é, no entanto, a tradição do marxismo:
«O Conselho Geral sente‑se orgulhoso do papel de destaque que as filiais parisienses da Internacional tiveram na gloriosa revolução de Paris. Não, como os imbecis imaginam, como se Paris, ou qualquer outro ramo da Internacional, tivesse recebido seu mot d’ordre de um centro. Mas a flor da classe trabalhadora em todos os países civilizados que pertencem à Internacional, e que estão imbuídos de suas ideias, estão certos de que em todos os lugares do movimento da classe trabalhadora assumirão a liderança» (Segunda versão de “The Civil War in France”, M‑E, XXII, 545).
A teoria é um bloco único, como já escrevemos, que não muda, mas é esculpido, é sempre melhor definido. A tática, por outro lado, é o fornecimento de cenários nos quais a resposta do partido pode ter implicações diferentes, na presença de eventos que são difíceis de prever em detalhes; obviamente, as escolhas táticas dependem do conhecimento dos dados relacionados às várias situações. Com o passar do tempo e com o acúmulo de conhecimento com base em um registro cada vez maior de experiências de luta, o espaço para escolhas táticas é reduzido, e há comportamentos que, a partir do nível tático, que oferece escolhas, beiram a teoria geral, que é “dogmática” e intocável. Esse é o caso frequentemente citado da participação em eleições políticas em países com capitalismo maduro: a escolha foi legitimamente colocada até a década de 1920 (mesmo que para a esquerda já existisse experiência suficiente para rejeitá‑la); hoje nossa doutrina a exclui como uma posição sobre a qual não pode haver dúvida, uma posição que faz parte de nossa teoria geral.
Lênin não acreditava que havia esgotado o argumento da espontaneidade/consciência,
pois o mal‑entendido está muito enraizado no movimento socialista, não apenas na
Rússia e, acrescentamos, não apenas em 1902. Assim, o terceiro capítulo, “Política
sindicalista e política social-democrata”, ainda é dedicado à controvérsia com
os economistas, um assunto que, na verdade, permite estabelecer limites precisos
para a atividade dos revolucionários, esclarecendo seu papel em uma situação de
dupla revolução, quando a revolução democrático-burguesa ainda está por ser
feita.
28. Luta econômica e luta política
A defesa das condições econômicas da classe trabalhadora é uma tarefa necessária. Mas ela não pode ser considerada, como fizeram os economistas, a exclusiva. Ela é sua escola de guerra.
O perigo, tanto naquela época quanto agora, é que, ao se concentrar em atividades sacrossantas, mas de forma exclusiva, esquece‑se das tarefas políticas fundamentais da luta socialista revolucionária:
«A social-democracia lidera a luta da classe trabalhadora, não apenas por melhores condições para a venda da força de trabalho, mas pela abolição do sistema social que obriga os sem propriedade a se venderem aos ricos. A social-democracia representa a classe trabalhadora, não apenas em sua relação com um determinado grupo de empregadores, mas em sua relação com todas as classes da sociedade moderna e com o Estado como uma força política organizada. Portanto, não só os social-democratas não devem se limitar exclusivamente à luta econômica, como também não devem permitir que a organização de exposições econômicas se torne a parte predominante de suas atividades. Devemos assumir ativamente a educação política da classe trabalhadora e o desenvolvimento de sua consciência política» (V, 400).
Uma consciência que deve incluir, na Rússia, a luta para derrubar o regime autocrático. A luta por reformas sociais, muito importante para a classe trabalhadora, é um dos deveres da social-democracia, que, no entanto, «(...) subordina a luta por reformas, como parte do todo, à luta revolucionária pela liberdade e pelo socialismo» (V, 406).
O partido, portanto, não apenas elabora um programa e uma tática para concretizá‑lo, mas também avalia, de acordo com o momento histórico, qual é a principal atividade em que deve empenhar seus recursos e os da classe. Lênin sempre lembrava aos proletários na fábrica que, sem uma mudança política do poder estatal, suas condições não melhorariam significativamente e que essa melhoria só seria consolidada pela vitória política de seu partido, que administraria o poder em seu nome, até uma sociedade sem classes.
Lênin nunca se cansou de insistir no apoio a uma agitação política mais ampla, para evitar uma recaída no retaguardismo econômico:
«A consciência política de classe só pode ser levada aos trabalhadores de fora, ou seja, somente de fora da luta econômica, de fora da esfera das relações entre trabalhadores e empregadores... Para levar conhecimento político aos trabalhadores, os socialdemocratas devem ir a todas as classes da população; devem enviar unidades de seu exército em todas as direções... O ideal do socialdemocrata não deve ser o secretário do sindicato, mas a tribuna do povo» (V, 422‑423).
O que conta na hora de martelar o ponto que ocupa a maior parte do panfleto não é tanto a polêmica contingente, uma polêmica que, de qualquer forma, pode precisar ser ressuscitada ainda hoje, quando as atitudes do tipo economista continuam a ressurgir nos movimentos de base. O que é importante observar aqui é que Lênin, o suposto estrategista, o suposto navegador astuto entre congressos e correntes, não usa meias palavras, não confia nas palavras sutis dos políticos, mas classifica como burguês, em termos inequívocos, tudo o que não é socialista e revolucionário: «A política sindicalista da classe trabalhadora é precisamente a política burguesa da classe trabalhadora» (V, 426).
Em seguida, ele descreve as tarefas dos socialdemocratas na Rússia, naquele
período histórico, tarefas que também incluem objetivos democráticos; mas sempre
chamando‑as de tais, sempre distinguindo a atividade do partido da de outras
organizações, sempre, finalmente, lembrando claramente quais são os objetivos
finais do partido, mesmo quando ele se dirige a outras classes e estratos
sociais (camponeses, estudantes, clero, artesãos).
29. Os organismos dos trabalhadores e o partido comunista
No quarto capítulo, “O primitivismo dos economistas e a organização dos revolucionários”, Lênin começa tentando explicar o significado do termo primitivismo, retraçando a história recente dos círculos social-democratas e demonstrando como eles sempre foram perseguidos e, portanto, destruídos pela polícia, precisamente por causa de uma abordagem primitiva e amadora do trabalho; e não hesita em associar os economistas a essa tipologia, que são primitivos por subestimarem as tarefas políticas e organizacionais do movimento social-democrata. Portanto, é necessário fazer referência aos fundamentos teóricos e organizacionais de um partido revolucionário baseado na classe trabalhadora.
Primeiro, precisamos distinguir entre a organização dos trabalhadores e a organização dos revolucionários:
«As organizações dos trabalhadores para a luta econômica devem ser organizações sindicais. Todo trabalhador social-democrata deve, na medida do possível, ajudar e trabalhar ativamente nessas organizações. Mas, embora isso seja verdade, certamente não é do nosso interesse exigir que apenas os socialdemocratas sejam elegíveis para associação aos sindicatos “comerciais”, pois isso apenas reduziria o escopo da nossa influência sobre as massas. Que todo trabalhador que entenda a necessidade de se unir para lutar contra os empregadores e o governo se filie aos sindicatos. O próprio objetivo dos sindicatos seria impossível de ser alcançado se eles não unissem todos os que alcançaram pelo menos esse grau elementar de compreensão, se não fossem organizações muito amplas. Quanto mais amplas forem essas organizações, mais ampla será nossa influência sobre elas – uma influência devida não apenas ao desenvolvimento “espontâneo” da luta econômica, mas ao esforço direto e consciente dos membros do sindicato socialista para influenciar seus companheiros» (V, 454).
Assim, o sindicato, porque não é outra coisa quando se trata de associações corporativas, deve ser composto apenas por trabalhadores; os trabalhadores social-democratas devem trabalhar lá, mas não se deve esperar que haja unanimidade política dentro dele; esse princípio sacrossanto, que, como explica Lênin, permite sindicatos muito grandes e fortes, cria um ambiente particularmente favorável para o trabalhador revolucionário realizar sua propaganda. Esses foram os anos em que a miragem do sindicalismo revolucionário estava surgindo, na França (Sorel), na Itália, na América do Sul, nos EUA (I.W.W.), um experimento que, depois de algumas décadas, revelaria seu fracasso, mas que atormentou o movimento trabalhista, impedindo ou dificultando o desenvolvimento de partidos revolucionários de fé marxista. Lênin previu essa degeneração do movimento, que poderia surgir justamente dos economistas. Quanto aos sindicatos do regime, como os famosos promovidos por Sergei Zubatov, ele não estava preocupado:
«Continuem assim, senhores, façam o melhor que puderem! Sempre que colocarem uma armadilha no caminho dos trabalhadores (seja por meio de provocação direta ou pela desmoralização “honesta” dos trabalhadores com a ajuda do “estruvismo”), faremos com que sejam desmascarados. Mas sempre que vocês derem um passo real à frente, mesmo que seja o mais “tímido ziguezague”, nós diremos: Por favor, continue! E o único passo que pode ser um verdadeiro avanço é uma extensão real, ainda que pequena, do campo de ação dos trabalhadores. Toda extensão desse tipo será vantajosa para nós e ajudará a acelerar o advento de sociedades legais do tipo em que não serão os agentes provocadores que estarão detectando os socialistas, mas os socialistas que estarão ganhando adeptos» (V, 456).
Portanto, se esses sindicatos governamentais e de regime quiserem ter seguidores entre os trabalhadores, eles terão de mostrar que merecem, embora devam fazer isso dentro da lei; mas, ao fazer isso, eles criam condições favoráveis para a atividade revolucionária e sindical dos socialdemocratas. Além disso, os trabalhadores que constituem sindicatos secretos também terão de ser ajudados, porque a verdadeira luta, mesmo nos sindicatos, exige atividade clandestina; essa também é uma tarefa fundamental dos revolucionários.
O importante é não falar aos trabalhadores de forma genérica, irrealista ou improvisada; isso seria demagogia, diz Lênin, e, a longo prazo, isso nos afastaria da estima do proletariado. O orador deve saber do que está falando.
Tanto a luta sindical quanto a luta política exigem organização, mas as duas
esferas são muito diferentes, assim como os métodos de organização, e não apenas
em um regime policial como o do início do século XX na Rússia. O partido deve
contar com revolucionários profissionais, não com políticos amadores e, dessa
forma, estará mais bem defendido contra as perseguições policiais, e sua
propaganda e agitação serão realmente eficazes. A necessidade da ilegalidade
leva à centralização do trabalho clandestino, mas isso “de forma alguma implica a centralização de todas as funções do movimento» (V, 465). O partido, nesse
sentido, não se dá regras esquemáticas fixas, mas adapta sua organização às
condições em que opera.
30. Trabalhadores e intelectuais no partido
É, portanto, uma questão de formar revolucionários, mas também devemos ser capazes de extrair das fileiras da classe, e não apenas dos intelectuais:
Nosso primeiro e mais urgente dever é ajudar a formar revolucionários da classe trabalhadora que estarão no mesmo nível, no que diz respeito à atividade do partido, que os revolucionários entre os intelectuais (enfatizamos as palavras “no que diz respeito à atividade do partido”, pois, embora necessário, não é tão fácil nem tão urgentemente necessário elevar os trabalhadores ao nível dos intelectuais em outros aspectos). A atenção, portanto, deve ser dedicada principalmente a elevar os trabalhadores ao nível de revolucionários; não é nossa tarefa descer ao nível das “massas trabalhadoras” como os economistas desejam fazer» (V, 470).
Lenin sempre reconheceu que, do ponto de vista organizacional, o papel da classe trabalhadora viva é decisivo, uma classe que, por razões econômicas objetivas, se distingue das outras na sociedade capitalista por sua aptidão para a organização. Que Fazer? enfatiza que, sem o contato com a classe trabalhadora, a organização dos revolucionários teria sido um brinquedo, uma aventura, um símbolo vazio, e que somente quando há uma «classe verdadeiramente revolucionária que espontaneamente se levanta para a luta» é que a organização que o partido defende para o momento do ataque proletário faz sentido.
Mas, para fazer isso, precisamos de pessoas reais que se dediquem a criar essa organização.
Revolucionários de profissão, verdadeiros militantes, disciplinados e não
fanfarrões, uma vanguarda enraizada na classe e capaz de dirigi‑la: esses são os
membros do partido para Lênin. Além das situações contingentes, Lênin luta
contra o oportunismo em questões organizacionais: os membros do partido não
devem ser faladores, ou seja, revolucionários em palavras, mas sim militantes
que não participam do movimento apenas de vez em quando, quando têm vontade, “para
ir às reuniões nas noites livres”.
31. Conspiração e terrorismo
Até mesmo o terrorismo, que ainda estava ganhando apoio, foi associado ao pântano espontaneísta:
«Os economistas e os terroristas de hoje têm uma raiz comum, a saber, a subserviência à espontaneidade (...) O caminho para o inferno é pavimentado com boas intenções e, nesse caso, as boas intenções não podem evitar que alguém seja espontaneamente atraído “ao longo da linha de menor resistência”» [aqui, mais uma vez, o conceito que sempre compartilhamos] «(...) os apelos ao terror e os apelos para emprestar à própria luta econômica um caráter político são apenas duas formas diferentes de fugir do dever mais urgente que agora recai sobre os revolucionários russos, ou seja, a organização de uma agitação política abrangente» (V, 418, 420).
Contra os apóstolos da conspiração, Lênin é explícito:
«Sempre protestamos e, é claro, continuaremos a protestar contra o confinamento
da luta política à conspiração. Mas isso não significa, é claro, que negamos a
necessidade de uma forte organização revolucionária» (V, 475).
«Somente uma organização centralizada e militante, que realize de forma
consistente uma política socialdemocrata, que satisfaça, por assim dizer, todos
os instintos e anseios revolucionários, pode proteger o movimento contra ataques
impensados e preparar ataques que prometam sucesso» (V, 477).
32. A seleção orgânica de líderes
Para as acusações de falta de democracia interna, a resposta é simples: vocês pedem uma grande democracia em uma situação de atividade clandestina, em vez de um segredo estrito e uma seleção rigorosa!
No entanto, também está claro que Lênin não se refere a um princípio democrático absoluto, mas ao mecanismo banal pelo qual os camaradas do partido são eleitos para as várias funções. Eleger não significa apenas votar, mas escolher, selecionar. E as palavras de Lênin, devidamente compreendidas, referem‑se não à defesa do mecanismo, mas à substância do funcionamento orgânico do partido.
Aqui, Lênin se dirige aos russos, para quem os partidos europeus também devem
ser um exemplo de organização. Ele diz a eles que em um país que não é feudal,
mas burguês e democrático, onde existe liberdade de expressão, o partido pode
funcionar de acordo com suas próprias formas, onde aqueles que concorrem a um
cargo são conhecidos por todos. Gostaríamos de enfatizar aqui:
«... consequentemente, todos os membros do partido, conhecendo todos os fatos,
podem eleger ou se recusar a eleger essa pessoa para um determinado cargo no
partido. O controle geral (no sentido literal do termo) exercido sobre cada ato
de um homem do partido no campo político traz à existência um mecanismo de
operação automática que produz o que em biologia é chamado de “sobrevivência do
mais apto». A “seleção natural” por meio de publicidade total, eleição e controle geral oferece a garantia de que, em última análise, cada figura política estará “em seu devido lugar”, fará o trabalho para o qual está mais bem ajustado por seus poderes e habilidades, sentirá os efeitos de seus erros sobre si mesmo e provará diante de todo o mundo sua capacidade de reconhecer erros e evitá‑los...»
Lênin continua a se referir a um regime não democrático, como o russo da época. Mas a história logo confirmaria que os comunistas revolucionários desfrutariam de muito pouca “democracia” na Alemanha, na Itália... Suas palavras, corretamente compreendidas, superam e negam até mesmo a adoção do mecanismo democrático dentro do partido.
Mas em um regime como o russo, uma “democracia ampla” «... não é nada mais do
que um brinquedo inútil e prejudicial. É um brinquedo inútil porque, de fato,
nenhuma organização revolucionária jamais praticou, ou poderia praticar, a
democracia ampla, por mais que desejasse. É um brinquedo nocivo porque qualquer
tentativa de praticar “o princípio democrático amplo” simplesmente facilitará o
trabalho da polícia na realização de batidas em larga escala, perpetuará o
primitivismo predominante e desviará os pensamentos dos trabalhadores práticos
da tarefa séria e urgente de se treinarem para se tornarem revolucionários
profissionais para a elaboração de regras detalhadas de “papel” para sistemas
eleitorais. Somente no exterior, onde muitas vezes se reúnem pessoas sem
oportunidade de realizar um trabalho realmente ativo, essa “brincadeira de
democracia” poderia se desenvolver aqui e ali, especialmente em pequenos grupos».
33. Confiança total e fraterna entre os revolucionários
«O único princípio organizacional sério para os trabalhadores ativos de nosso movimento deve ser o mais rigoroso sigilo, a mais rigorosa seleção de membros e o treinamento de revolucionários profissionais. Dadas essas qualidades, algo ainda maior do que o “democratismo” nos seria garantido, a saber, a confiança mútua, completa e camarada entre os revolucionários. Isso é absolutamente essencial para nós, porque não há como substituí‑lo por um controle democrático geral na Rússia.
Seria um grande erro acreditar que a impossibilidade de estabelecer um controle “democrático” real [as aspas são de Lenin] torna os membros da organização revolucionária totalmente fora de controle. Eles não têm tempo para pensar sobre formas de democratismo de brinquedo (democratismo dentro de um corpo próximo e compacto de camaradas no qual prevalece a confiança mútua e completa), mas têm um senso vivo de sua responsabilidade, sabendo, como sabem por experiência própria, que uma organização de revolucionários reais não vai parar por nada para se livrar de um membro indigno. Além disso, há uma opinião pública bastante desenvolvida nos círculos revolucionários russos (e internacionais) que tem uma longa história e que pune severa e impiedosamente todo desvio dos deveres de camaradagem (e o “democratismo”, real e não o de brinquedo, certamente faz parte da concepção de camaradagem). Leve tudo isso em consideração e você perceberá que essa conversa e essas resoluções sobre “tendências antidemocráticas” têm o odor de mofo das brincadeiras com generais que são feitas no exterior» (V, 479‑481).
É evidente aqui que, com o “verdadeiro democratismo”, Lênin não quer dizer nada além da unidade orgânica do partido.
Não muito diferente é o que o partido escreve em 1922, nas Teses de Roma, I, 4:
«O anúncio dessas declarações programáticas e a nomeação dos homens a quem são
confiados os vários cargos na organização do partido são formalmente realizados
por meio de uma consulta, democrática na forma, das assembléias representativas
do partido, mas na realidade eles devem ser entendidos como um produto do
processo real que acumula elementos de experiência e realiza a preparação e a
seleção de líderes, moldando assim tanto o conteúdo programático quanto a
constituição hierárquica do partido».
A organicidade que deve orientar o partido quando se trata de escolher os
camaradas a quem confiar as responsabilidades do partido também é visível no
comentário que Lênin faz sobre a escolha dos componentes do conselho editorial
do Iskra, ou seja, dos camaradas que constituiriam o “centro” do partido:
«O antigo conselho de seis era tão ineficaz que nunca, em todos os seus três
anos, se reuniu com força total. Isso pode parecer incrível, mas é um fato.
Nenhuma das quarenta e cinco edições do Iskra foi composta (no sentido editorial
e técnico) por ninguém além de Martov ou Lênin. E nenhuma vez uma questão
teórica importante foi levantada por alguém que não fosse Plekhanov. Axelrod não
fez trabalho algum (ele não contribuiu literalmente com nada para o Zarya e
apenas três ou quatro artigos para todas as quarenta e cinco edições do Iskra).
Zasulich e Starover apenas contribuíram e aconselharam, mas nunca fizeram nenhum
trabalho editorial de fato. Quem deveria ser eleito para a liderança política,
para a presidência, era tão claro quanto a luz do dia para todos os delegados do
Congresso, depois de um mês de sua realização» (VII, 31).
Essas citações esclarecem o pensamento de Lênin, que está totalmente de acordo com o modo de existência do partido atual. Em primeiro lugar, o desprezo pela democracia, um “brinquedo” de “burlesco geral”. Em segundo lugar, o funcionamento do partido é apresentado como o de uma equipe na qual o camarada se encontra na função que é organicamente mais adequada a ele: o que a esquerda chamou de “centralismo orgânico” desde seu início e que nosso partido ainda pratica. Os camaradas têm seu lugar orgânico no partido; “consideração fraterna” e “confiança” entre os camaradas; processos igualmente orgânicos de identificação de falhas ou traições reais. É o problema das “garantias”, que já enfrentamos muitas vezes em nossos textos. O democratismo invocado como uma cura para tudo é “uma forma de primitivismo” e, portanto, agora (já em 1902!) de oportunismo.
Também em sua “Carta a um camarada sobre nossas tarefas organizacionais”, de
1902, Lênin não invocou estatutos ou normas organizacionais de tipo democrático,
mas identificou a solução para os problemas de eficiência e capacidade
operacional nas relações fraternas entre camaradas e, como último recurso, no
apelo ao órgão central, que para ele obviamente representava a doutrina do
partido, o corpo da teoria da revolução, o único instrumento decisivo para
resolver todas as questões que pudessem surgir.
34. Não ame ninguém, ame todos
Imediatamente após o Segundo Congresso, em vez de criticar Martov por ter deixado o escritório editorial e prefigurar uma cisão (que viria a ocorrer), Lênin concluiu seu “Relato do Segundo Congresso do R.S.D.L.P.” com um lembrete a todos os camaradas sobre os verdadeiros valores do trabalho partidário, muito mais do que formalismos burocráticos e democráticos:
«O movimento social-democrata russo está passando pela última e difícil transição dos círculos para um partido, do filistinismo para a realização do dever revolucionário, da ação por meio de escândalos e da pressão dos círculos para a disciplina. Qualquer pessoa que valorize o trabalho e a ação do partido no interesse do movimento trabalhista socialdemocrata se recusará a tolerar sofismas tão infelizes como um boicote “legítimo” e “leal” aos órgãos centrais; não permitirá que a causa sofra e que o trabalho seja paralisado porque uma dúzia de indivíduos está descontente com o fato de eles e seus amigos não terem sido eleitos para os órgãos centrais; ele não permitirá que os funcionários do partido sejam submetidos a pressões privadas e secretas por meio de ameaças de não colaboração, boicotes, corte de fundos, escândalos e histórias mentirosas» (VII, 34).
Isso não significa, entretanto, que as relações entre os camaradas devam ser
guiadas pelo “sentimentalismo”, um aspecto sobre o qual ele se debruça ao contar
a experiência de seu primeiro encontro com Plekhanov (IV, 342), do qual saiu
decepcionado com a pessoa, mas fortalecido em sua determinação de ir em frente
mesmo assim. Em “Politique d’abord”, de 1952, o partido chegou às mesmas
conclusões:
«Uma experiência longa e trágica deveria, portanto, ter ensinado que, na
atividade partidária, devemos utilizar cada militante de acordo com suas
atitudes e possibilidades particulares, mas que “não devemos amar ninguém” e
estar prontos para descartar qualquer pessoa, mesmo que ela tenha passado onze
meses na prisão em cada ano de sua vida. Devemos ser capazes de tomar a decisão
sobre as opções de ação diante de eventos importantes fora da “autoridade”
pessoal de mestres, líderes e executivos, e com base nas normas preestabelecidas
de princípio e ação de nosso movimento: um esforço extremamente difícil, como
todos sabemos, mas sem o qual não se pode ver como um movimento poderoso pode
ressurgir».
35. Hierarquia interna e tomada de decisões
A prova da consideração de Lênin pela democracia interna pode ser encontrada no
que Trotski relata em My Life; foi no início do II Congresso:
«(...) um dos pontos importantes no esquema de organização era a relação a ser
estabelecida entre o órgão central (o Iskra) e o Comitê Central que funcionaria
na Rússia. Cheguei ao exterior com a crença de que o conselho editorial deveria
ser subordinado ao Comitê Central. Essa era a atitude predominante da maioria
dos seguidores do Iskra. “Isso não pode ser feito”, objetou Lênin. A correlação
de forças é diferente. Como eles podem nos guiar da Rússia? Não, isso não pode
ser feito. Nós somos o centro estável, somos mais fortes em ideias e devemos
exercer a orientação a partir daqui. «Então isso significará uma ditadura
completa do conselho editorial? perguntei. “Bem, o que há de errado nisso?”,
retrucou Lênin. Na situação atual, tem de ser assim”».
Não é o respeito pelas regras democráticas que mantém o partido no caminho certo, mas a adesão completa e obstinada à doutrina marxista! E Lênin, sozinho, personificou isso naquela época. A doutrina estava no órgão central, ou seja, no partido histórico; como o melhor trabalho revolucionário pode resultar de uma consulta democrática, ou pior, de uma mediação entre diferentes correntes, o que infelizmente existia no partido de Lênin?
Lênin é muito claro sobre isso novamente em 1920, quando a Oposição dos
Trabalhadores exigiu que as decisões fossem tomadas com base na representação
proporcional no Comitê Central e nos vários comitês municipais. E que a
democracia deveria ser utilizada para resolver problemas operacionais:
«A representação proporcional é essencial para a convocação de uma conferência
do partido como um órgão de direção ou um congresso do partido. Quando, no
entanto, se trata de estabelecer um órgão executivo encarregado da condução do
trabalho prático, a representação proporcional nunca foi aplicada e dificilmente
pode ser considerada justificada... a consideração decisiva deve ser que vocês,
membros desta Conferência, devem ter um conhecimento pessoal de cada candidato e
dar preferência ao grupo que se espera que trabalhe harmoniosamente, e não o
princípio da proporcionalidade na eleição de um órgão executivo, um princípio
que nunca foi aplicado e que dificilmente seria correto aplicar no momento»
(XXXI, 428).
Já vimos que, para Lênin, a democracia interna era inevitável, mas também que, quando se trata de decisões operacionais, e até mesmo quando se trata de declarar as posições fundamentais do partido, a democracia é um enfeite inútil e até mesmo prejudicial, do qual o grande Vladimir estava disposto a prescindir.
Nós, graças à experiência de outras décadas de contrarrevolução e traição dos
chamados leninistas, nos livramos completamente da democracia, em todas as suas
formas. No partido, é costume afirmar o paradoxo de que a democracia poderia ter
significado se, ao mesmo tempo, os vivos, os mortos e as crianças das gerações
futuras pudessem votar!
36. As garantias
Como o corpo do partido é formado com base na adesão voluntária, a “garantia” de
que a disciplina mais rigorosa seja obtida deve, portanto, ser buscada na
definição clara das regras táticas únicas e obrigatórias para todos, na
continuidade dos métodos de luta e na clareza das regras organizacionais. Em “Marxism and Authority” (1956), escrevemos:
«Vamos apenas lembrar as garantias que tantas vezes propusemos e ilustramos,
também no Diálogo com os Mortos. Doutrina: O Centro não tem a faculdade de
alterá‑la em relação ao que foi estabelecido, desde o início, nos textos
clássicos do movimento. Organização: única internacionalmente, não varia para
agregações ou fusões, mas apenas para admissões individuais; os membros
organizados não podem se juntar a outros movimentos. Táticas: as possibilidades
de manobra e ação devem ser previstas por decisões de congressos internacionais
com um sistema fechado. Na base, não é possível iniciar ações não organizadas
pelo Centro: O Centro não pode inventar novas táticas e movimentos, sob o
pretexto de novos fatos. A ligação entre a base do partido e o centro se torna
uma forma dialética. Se o partido exerce a ditadura da classe no estado e contra
as classes contra as quais o estado age, não há ditadura do centro do partido na
base. A ditadura não é negada com uma democracia mecânica interna formal, mas
com o respeito a esses laços dialéticos».
37. Um jornal político para toda a Rússia
Além disso, contrapor o trabalho local ao trabalho nacional indica, naqueles que defendem o primeiro, uma forma de primitivismo. O trabalho local também definha por não haver um plano de atividade nacional, aspecto que Lênin esclareceria melhor no quinto e último capítulo, embora na realidade gaste muitas páginas demonstrando com dados históricos o que argumenta. Em vez de apoiar a imprensa local, há a necessidade de um órgão de âmbito nacional, “especializado” no trabalho sindical e na agitação.
Propor um “plano para um jornal político para toda a Rússia” foi uma resposta às críticas dos primitivistas. Era um órgão que coletaria ponto a ponto as contribuições de todos os comitês e círculos (eles ainda não eram seções de um único partido). Para Lênin, um jornal para toda a Rússia se aproxima muito de sua ideia de centro do partido; na estrutura do órgão de imprensa, incluindo sua distribuição, sua leitura pelos camaradas e sua propaganda, Lênin retrata um embrião do partido, especialmente no regime policial da época. A necessidade fundamental e urgente é a de um partido marxista e revolucionário, com uma base teórica sólida, compartilhada por toda a organização, precisamente por meio de um órgão em torno do qual o trabalho de todos os militantes é coagulado e toma forma.
Portanto, nada a ver com debates e desfiles de opiniões, mas com um jornal digno
do partido comunista; depois de um lembrete da necessidade de se definir antes
de aderir, na “Declaração do Conselho Editorial do Iskra”, Lênin esclarece sem
possibilidade de mal‑entendidos:
«Não temos a intenção de fazer de nossa publicação um mero depósito de várias
opiniões. Pelo contrário, nós a conduziremos no espírito de uma tendência
estritamente definida. Essa tendência pode ser expressa pela palavra marxismo, e
não há necessidade de acrescentar que defendemos o desenvolvimento consistente
das ideias de Marx e Engels [nossa “escultura”!] e rejeitamos enfaticamente as “correções”
equivocadas, vagas e oportunistas para as quais Eduard Bernstein, P. Struve e
muitos outros estabeleceram a moda» (IV, 354‑355).
Uma vez que isso tenha ficado claro, para que deveria servir o jornal?
«Não devemos apenas ter clareza sobre a natureza da organização necessária e seu objetivo preciso, mas devemos elaborar um plano definido para uma organização, de modo que sua formação possa ser realizada sob todos os aspectos»... «Um jornal é o que mais precisamos; sem ele, não podemos conduzir aquela propaganda e agitação sistemática e abrangente, consistente em princípio, que é a tarefa principal e permanente da social-democracia em geral e, em particular, a tarefa premente do momento, quando o interesse pela política e pelas questões do socialismo foi despertado entre os estratos mais amplos da população»... «Pode‑se dizer, sem exagero, que a frequência e a regularidade com que um jornal é impresso (e distribuído) podem servir como um critério preciso de quão bem esse setor fundamental e mais essencial de nossas atividades militantes está sendo construído».
«O papel de um jornal, entretanto, não se limita apenas à disseminação de ideias, à educação política e ao alistamento de aliados políticos. Um jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo, ele também é um organizador coletivo»... «Com a ajuda do jornal, e por meio dele, uma organização permanente tomará forma naturalmente, que se envolverá não apenas em atividades locais, mas em trabalho geral regular, e treinará seus membros para acompanhar cuidadosamente os eventos políticos, avaliar seu significado e seu efeito sobre os vários estratos da população e desenvolver meios eficazes para que o partido revolucionário influencie esses eventos. A mera tarefa técnica de abastecer regularmente o jornal com exemplares e promover a distribuição regular exigirá uma rede de agentes locais do partido unido, que manterão contato constante entre si, conhecerão a situação geral, se acostumarão a desempenhar regularmente suas funções detalhadas no trabalho de toda a Rússia e testarão sua força na organização de várias ações revolucionárias. Essa rede de agentes formará o esqueleto exatamente do tipo de organização de que precisamos» (V, 20‑23).
«O ponto principal é que não há outra maneira de formar organizações políticas
fortes a não ser por meio de um jornal para toda a Rússia»... «Todos, sem
exceção, falam agora da importância da unidade, da necessidade de “reunir e
organizar”; mas, na maioria dos casos, o que falta é uma ideia definida de por
onde começar e como realizar essa unidade»... «Continuo a insistir que só
podemos começar a estabelecer contatos reais com a ajuda de um jornal comum,
como a única empresa regular em toda a Rússia, que resumirá os resultados das
mais diversas formas de atividade e, assim, estimulará as pessoas a marcharem
incansavelmente por todos os inúmeros caminhos que levam à revolução, da mesma
forma que todos os caminhos levam a Roma. Se não quisermos a unidade apenas no
nome, devemos providenciar para que todos os círculos de estudo locais designem
imediatamente, digamos, um quarto de suas forças para o trabalho ativo pela
causa comum»... «Em muitos casos, essas forças estão sendo esvaziadas em
trabalhos locais restritos, mas, sob as circunstâncias que estamos discutindo,
seria possível transferir um agitador ou organizador capaz de uma extremidade do
país para a outra, e a ocasião para fazer isso surgiria constantemente.
Começando com viagens curtas para tratar de assuntos do partido, às custas do
partido, os camaradas se acostumariam a ser mantidos pelo partido, a se tornarem
revolucionários profissionais e a se capacitarem como verdadeiros líderes
políticos»... «Em torno do que, em si, ainda é um esforço muito inócuo e muito
pequeno, mas regular e comum, no sentido pleno da palavra, um exército regular
de lutadores experimentados se reuniria sistematicamente e receberia seu
treinamento. [para despertar todo o povo]... É com isso que devemos sonhar!» (V,
499‑509).
38. A boa tática e o bom partido
Quais são os traços característicos dessa organização? A capacidade de prever em
suas linhas principais o curso dos acontecimentos:
«Aqueles que fazem da agitação política nacional a pedra angular de seu programa,
de suas táticas e de seu trabalho organizacional, como faz o Iskra, correm o
menor risco de perder a revolução. As pessoas que agora estão empenhadas em toda
a Rússia em tecer a rede de conexões que se espalhou a partir do jornal de toda
a Rússia não apenas não perderam os eventos da primavera, mas, pelo contrário,
nos deram a oportunidade de prevê‑los (...) E se viverem, não perderão a
revolução, que, antes de mais nada, exigirá de nós experiência em agitação,
capacidade de apoiar (de maneira social-democrata) todos os protestos, bem como
dirigir o movimento espontâneo, protegendo‑o dos erros dos amigos e das
armadilhas dos inimigos».
Flexibilidade:
«Somente essa organização garantirá a flexibilidade exigida de uma organização
social-democrata militante, ou seja, a capacidade de se adaptar imediatamente às
condições de luta mais diversas e que mudam rapidamente».
Desprezo pela pressa, impaciência, típicos da sociedade burguesa (veja também
acima):
«A menos que sejamos capazes de conceber táticas políticas e um plano
organizacional para o trabalho durante um período muito longo, assegurando, no
próprio processo desse trabalho, a prontidão de nosso partido para estar em seu
posto e cumprir seu dever em todas as contingências, sempre que a marcha dos
acontecimentos for acelerada – a menos que consigamos fazer isso, seremos apenas
aventureiros políticos miseráveis. Somente Nadezhdin, que começou ontem a se
descrever como um social-democrata, pode esquecer que o objetivo da social-democracia
é transformar radicalmente as condições de vida de toda a humanidade e que, por
essa razão, não é permitido que um social-democrata seja “perturbado” pela
questão da duração do trabalho».
Cumprir todos os deveres do partido:
«... a revolução deve ser considerada... como uma série de explosões mais ou
menos poderosas que se alternam rapidamente com períodos de calma mais ou menos
completa. Por essa razão, o conteúdo principal da atividade de nossa organização
partidária, o foco dessa atividade, deve ser o trabalho que é possível e
essencial tanto no período de um surto mais poderoso quanto no período de calma
completa»... «Nosso sábio não consegue ver que é precisamente durante a revolução que precisaremos dos resultados de nossas batalhas teóricas com os críticos para podermos combater resolutamente suas posições práticas!»
Estruturação orgânica do trabalho:
«Mas uma rede de agentes que se formaria no decorrer da criação e distribuição
do jornal comum não teria de “sentar e esperar” pelo chamado para um levante,
mas poderia realizar a atividade regular que garantiria a maior probabilidade de
sucesso no caso de um levante. Essa atividade fortaleceria nossos contatos com
as camadas mais amplas das massas trabalhadoras e com todas as camadas sociais
que estão descontentes com a autocracia».
Portanto:
«Em uma palavra, o “plano para um jornal político para toda a Rússia”, longe de
representar os frutos do trabalho de trabalhadores de poltrona, infectados com
dogmatismo e livresco (...) é o plano mais prático para a preparação imediata e
completa do levante, sem, ao mesmo tempo, perder de vista por um momento sequer
o trabalho cotidiano urgente» (V, 513‑516).
A mera tarefa técnica de guardar, disseminar e entregar, etc. o jornal precisa
de estruturas em nível central que garantam a organização correta desse órgão e
dos curadores em grupos locais.
39. Centralismo comunista versus dispersão de classe na sociedade burguesa
Em última análise, é uma questão de criar uma organização como premissa e não como resultado do processo revolucionário; ou, se preferir, como resultado de um processo revolucionário já avançado que começou com o nascimento e a oposição da burguesia e do proletariado há muitos séculos.
Os mencheviques não entenderam isso em 1903, quando se separaram do grupo majoritário que se referia a Lênin. Uma carta de Axelrod a Kautsky, de 6 de junho de 1904, é bastante explícita sobre o assunto. Em resumo, Axelrod acreditava que a situação na Rússia não estava madura para o nascimento de um partido organizado, estruturado com o objetivo de tomar o poder. Ele ridicularizou a perspectiva organizacional de Lênin como “...uma caricatura trivial e lamentável do sistema autocrático-burocrático do nosso Ministério do Interior”. “Fetichismo organizacional”, que causaria o “mal‑entendido” que levou à cisão. Mas em um ponto ele viu claramente, embora tenha interpretado de forma errada: «As divergências entre nós sobre os problemas organizacionais surgiram pela primeira vez de forma clara e concreta apenas com referência aos métodos e procedimentos utilizados por Lenin e seus apoiadores para impor praticamente o “centralismo”, o que todos nós admitimos...» Esses mesmos métodos e procedimentos são a única garantia real tanto do funcionamento correto do partido quanto da manutenção de sua ortodoxia.
O panfleto termina com um breve resumo dos três estágios da social-democracia na
Rússia e com a esperança de que haja um quarto, com a saída da crise e o
fortalecimento do marxismo militante. Lênin esperava que assim fosse, e sabemos
que isso aconteceria graças, acima de tudo, ao seu trabalho poderoso e
incansável, cujo objetivo principal é criar uma organização digna desse nome.
Assim, ele conclui Um passo à frente, dois passos atrás:
«Em sua luta pelo poder, o proletariado não tem outra arma senão a organização.
Desunido pelo domínio da competição anárquica no mundo burguês, esmagado pelo
trabalho forçado para o capital, constantemente empurrado de volta para as “profundezas
inferiores” da mais absoluta destituição, selvageria e degeneração, o
proletariado pode, e inevitavelmente se tornará, uma força invencível somente
por meio de sua unificação ideológica nos princípios do marxismo, reforçada pela
unidade material da organização, que solda milhões de trabalhadores em um
exército da classe trabalhadora. Nem o domínio senil da autocracia russa nem o
domínio senescente do capital internacional serão capazes de resistir a esse
exército. Ele cerrará cada vez mais firmemente suas fileiras, apesar de todos os
ziguezagues e retrocessos, apesar das frases oportunistas dos girondistas da
social-democracia atual, apesar da exaltação autossatisfeita do espírito
retrógrado do círculo, e apesar dos enfeites e do estardalhaço do anarquismo
intelectualista» (VII, 412‑413).
40. Centralismo orgânico
Embora ele tenha atuado em uma época e em um ambiente em que o método democrático ainda não havia demonstrado claramente ao partido o quanto era inadequado para seu funcionamento, o que vimos até agora demonstra, para aqueles que querem entender, que Lenin, com base em sua observação crítica dos mecanismos de funcionamento dos partidos socialistas, tomou partido por um modo de ser do partido que agora podemos definir como “orgânico” e “centralista”. Se o centralismo e a disciplina organizacional são as condições para a existência do partido comunista como tal, essa condição não pode ser obtida com os mesmos mecanismos dos partidos burgueses. Mesmo em seu funcionamento, o partido da classe trabalhadora é forçado a ser revolucionário.
O modo de ser do partido será formulado pelos camaradas de esquerda desde o nascimento do Partido Comunista da Itália, Seção da Terceira Internacional.
Nos anos que se seguiram, a experiência da contrarrevolução stalinista foi a prova clara de que o centralismo orgânico era o único método para dar ao partido uma chance de sobreviver, mesmo organizacionalmente, em períodos de refluxo revolucionário. Enunciado novamente em 1926, no Terceiro Congresso do P.C.d’I. (Lyon), o centralismo orgânico foi reafirmado em todos os momentos decisivos do partido: no período pós‑guerra, em 1952, em 1965 e em 1973. É somente graças a uma adesão próxima, quase fanática, à nossa forma de trabalhar que o partido ainda está ativo e em boa saúde 68 anos após sua reconstituição em 1952, onde “em boa saúde” significa estar seguro sobre as pedras fundamentais doutrinárias de Marx, Engels, Lênin e a esquerda.
O que é, então, o centralismo orgânico? Certamente não nos negaremos aqui a apresentar uma série de regras, um código, um regulamento ou, pior ainda, um estatuto. Em vez disso, relembraremos alguns dos pilares de nossa forma de trabalho, já parcialmente delineados no texto anterior, citando o partido em vários momentos de sua existência. Sem esquecer que nossa história nos ensina que a aquisição de nosso método não pode derivar de descrições livrescas, por mais detalhadas que sejam; o camarada domina o método de trabalho do partido trabalhando dentro dele, em seu ambiente “ferozmente antiburguês”, que reúne todos os tipos de camaradas e de gerações, com a dificuldade adicional de que, em nosso caso, ele deve se livrar de uma massa de peso morto cultural-ideológico, encharcado com o mito do indivíduo, da pátria e da divindade, com o qual os meios ilimitados da sociedade burguesa envenenaram o fundo de sua alma.
No entanto, primeiro é preciso esclarecer que as formas internas de
comportamento do Partido Comunista não respondem a mandamentos, cânones
estéticos ou normas morais abstratas, mas são os ensinamentos de um passado
doloroso que viu em sua negação o veneno administrado ao partido para acompanhar
sua degeneração até o ponto de sua passagem para o inimigo. Além disso, uma vida
orgânica interna coerente, entre camaradas que “se dão as mãos”, é um
coeficiente de força, um fato material, que vem antes da consciência e do afeto,
uma disciplina que, na guerra social, dá ao partido aquela unidade efetiva de
intenção e movimento que é negada a todo organismo e instituição burguesa.
41. “Centralismo democrático”
Quais seriam as regras formais “sagradas” – que para Lênin não eram como tais – que garantiriam o funcionamento do centralismo democrático, que todos os esquerdistas opõem ao centralismo orgânico? As diferenças presentes no interior do partido só podem ser resolvidas em uma relação de forças, tendo como consequência a luta política; o direito proclamado de se organizar em tendências e frações; a formação de grupos de pressão tendo em vista as eleições de dirigentes e congressos, regularmente convocados; a eleição de órgãos dirigentes com a contagem de votos; a verificação periódica da linha política do partido por meio da possibilidade concedida às minorias de se tornarem maioria.
O centralismo democrático, levantado como um princípio contra Lenin, sanciona o princípio não marxista da reconstrução contínua da teoria e da tática, em congressos periódicos, com base em supostas mudanças nas condições sociais, econômicas e políticas da sociedade, condições que, obviamente, variam de país para país, se não forem realmente moduladas para áreas específicas dentro de cada país. As “escolhas” não são determinadas com base em um programa invariável, nem com base em evidências históricas e científicas, mas com base na maioria reunida em torno de uma determinada solução.
Lênin, embora não pudesse evitar algumas dessas regras, e até mesmo apresentá‑las como um primeiro instrumento contra a dispersão e a indisciplina dos círculos, foi continuamente acusado de impedir, com seu centralismo excessivo, o desenvolvimento da democracia interna do partido.
Em 1972, comparamos os dois centralismos da seguinte maneira (Introdução às
teses após 1945, de In Defence of the Continuity of the Communist Programme, p.
130):
«Na verdade, a questão do centralismo orgânico em oposição ao centralismo
democrático está longe de ser... terminológica. Em sua natureza contraditória, a
segunda fórmula reflete, no substantivo, a aspiração ao partido único mundial,
como sempre esperamos, mas reflete no adjetivo a realidade de partidos ainda
heterogêneos em formação histórica e base doutrinária (...)
«A nosso ver, por outro lado, o partido se apresenta com caracteres de
centralidade orgânica porque não é uma “parte”, ainda que a mais avançada, da
classe proletária, mas seu órgão, sintetizador de todos os seus impulsos
elementares como de todos os seus militantes, venham eles de que direção vierem,
e isso se deve à posse de uma teoria, um conjunto de princípios, um programa,
que ultrapassa os limites do tempo atual para expressar a tendência histórica, o
objetivo final e a forma de trabalho das gerações proletárias e comunistas do
passado, do presente e do futuro, e que ultrapassam as fronteiras da
nacionalidade e do estado para incorporar os interesses dos trabalhadores
revolucionários de todo o mundo; Isso, acrescentamos, também em virtude de uma
previsão, pelo menos em termos gerais, do desenrolar das situações históricas e,
portanto, da capacidade de estabelecer um corpo de diretrizes e regras táticas
que são obrigatórias para todos (obviamente, não sem considerar os tempos e as
áreas de “revolução dupla” ou, em vez disso, de “revolução proletária pura”,
também prevista e implicando um comportamento tático muito preciso, mesmo que
diferente). Se o partido está de posse dessa homogeneidade teórica e prática
(posse que não é garantida para sempre, mas uma realidade a ser defendida com
unhas e dentes e, se necessário, reconquistada a cada vez), sua organização, que
é ao mesmo tempo sua disciplina, nasce e se desenvolve organicamente na linha
unitária do programa e da ação prática, e expressa em suas diferentes formas de
realização, na hierarquia de seus órgãos, a perfeita adesão do partido ao
complexo de suas funções, nenhuma excluída».
42. O centralismo da esquerda
Temos uma primeira enunciação em 1922 (“O Princípio Democrático”):
«A democracia não pode ser um princípio para nós: o centralismo
indiscutivelmente é, uma vez que as características essenciais da organização
partidária devem ser a unidade de estrutura e ação. Para expressar a
continuidade da estrutura partidária no espaço, o termo centralismo é suficiente,
mas para introduzir a ideia essencial de continuidade no tempo – a continuidade
histórica da luta que, superando sucessivos obstáculos, avança sempre em direção
ao mesmo objetivo – proporemos dizer, ligando essas duas ideias essenciais de
unidade, que o partido comunista baseia sua organização no “centralismo orgânico”».
Em 1926, em uma situação de recuo e perda da bússola revolucionária por parte do
partido internacional, da qual estávamos perfeitamente cientes, a esquerda
reiterou a importância da correta gestão do partido:
«II.5 - ... Os partidos comunistas devem alcançar um centralismo orgânico que,
embora inclua o máximo possível de consultas à base, garanta a eliminação
espontânea de qualquer agrupamento que comece a se diferenciar. Isso não pode
ser alcançado por meio das prescrições formais e mecânicas de uma hierarquia,
mas, como diz Lênin [em Left‑wing Communism, ed.], por meio de uma política
revolucionária correta» (Projeto de Teses apresentadas pela Esquerda no Terceiro
Congresso do P.C.d’I., Lyon, 1926).
Em resumo, o partido deve ser uma estrutura centralizada, com a existência de
diferentes órgãos e de um órgão central capaz de coordenar, dirigir e ordenar
toda a rede; disciplina absoluta de todos os membros da organização na execução
das ordens dadas pelo centro; nenhuma autonomia para seções ou grupos locais; E
a atividade interminável de estudo, de esculpir a doutrina, que é peculiar ao
partido, não tem apenas um valor teórico, é também, e acima de tudo, uma
necessidade organizacional, a fim de ser capaz de expressar a qualquer momento a
“política revolucionária correta”.
43. Como o partido é estruturado de acordo com Lênin
Não muito diferente é o que Lênin defende em “Carta a um camarada sobre nossas
tarefas organizacionais” (VI, 234, 249‑250):
«... o jornal pode e deve ser o líder ideológico do partido, desenvolvendo
verdades teóricas, princípios táticos, ideias organizacionais gerais e as
tarefas gerais de todo o partido em um determinado momento» (...)
«E não é simplesmente porque o trabalho revolucionário nem sempre se presta a
uma forma organizacional definida que as Regras são inúteis. Não, uma forma
organizacional definida é necessária, e devemos nos esforçar para dar essa forma
a todo o nosso trabalho, na medida do possível. Isso é permitido em uma extensão
muito maior do que geralmente se pensa, e é possível não por meio de Regras, mas
única e exclusivamente (devemos continuar reiterando isso) por meio da
transmissão de informações exatas para o centro do partido; é somente então que
teremos uma forma organizacional real conectada com responsabilidade real e
publicidade (interna do partido)».
Como vimos em O que deve ser feito? lembramos que, quando Lênin diz jornal,
revista, Iskra (quando ele está nele), ele se refere ao centro do partido, que
em 1902 era, acima de tudo, o centro ideológico e doutrinário do partido. Toda
referência ao órgão central significa uma referência ao marxismo ortodoxo,
conforme apresentado aos vários círculos pelo trabalho teórico do próprio Lênin
e dos outros membros do Iskra. Portanto, ele já estava falando da ditadura do
programa, e não dos homens, embora saibamos que naquele momento a verdadeira
doutrina revolucionária residia no trabalho de um indivíduo; aliás, um aspecto
negativo, como um índice da vulnerabilidade do partido, seria manifesto após a
morte prematura do grande Vladimir, quando uma clara derrota militar teria sido
historicamente mais desejável, em vez de um triunfo da contrarrevolução que
surgiu por meio de uma degeneração do partido russo, da Internacional e de todas
as seções nacionais.
44. Trabalho conjunto e unânime para evitar divisões
Reunimos outro testemunho de Lênin, que, como veremos, coincide com a maneira de
trabalhar da esquerda:
«À pergunta – “o que não deve ser feito?” (o que não deve ser feito em geral e
o que, em particular, não deve ser feito para evitar uma cisão), minha resposta
é, em primeiro lugar Não esconda do partido o surgimento e o crescimento das
causas potenciais de uma cisão, não esconda nenhuma das circunstâncias e eventos
que constituem essas causas; e, além disso, não as esconda não apenas do partido,
mas, na medida do possível, do público externo também... Ampla publicidade –
esse é o meio mais seguro, o único meio confiável de evitar as cisões que podem
ser evitadas e de reduzir ao mínimo o dano das cisões que não são mais evitáveis»
(“Carta ao Iskra”, VII, pp. 115‑116).
Novamente em 1920, em uma conferência do partido, enquanto ainda lutava contra os exércitos de brancos, confrontado com as dificuldades colocadas pela Oposição Operária, Lênin, embora admitisse que aqueles camaradas apresentavam alguns pontos positivos, insistiu acima de tudo que todo o partido estivesse envolvido na solução do problema; mas, ao mesmo tempo, ele lembrou que há um programa, que deve ser respeitado a todo custo, se não quisermos sucumbir ao inimigo.
«A oposição (...) sem dúvida contém um bom elemento, mas quando ela se transforma em uma oposição pela oposição, certamente devemos acabar com ela. Perdemos muito tempo com discussões, brigas e recriminações, e precisamos acabar com tudo isso e tentar chegar a um acordo para trabalhar de forma mais eficaz. Devemos fazer certas concessões (...) mas devemos conseguir tornar nosso trabalho harmonioso, pois, caso contrário, não poderemos existir quando estivermos cercados de inimigos no país e no exterior» (XXXI, 424).
Portanto, a adesão estrita aos pilares programáticos, com critérios bem conhecidos, sempre repetidos a todos, não apenas nas reuniões da seção, mas também na imprensa; resolver os problemas coletivamente, após o que a disciplina executiva total, sem reclamações sobre a falta de democracia.
É em torno desse núcleo inseparável e muito duro, doutrina-programa-tática, uma herança coletiva e impessoal do movimento, que nossa organização está cristalizada, e o que a mantém unida não é o nó do “centro organizador”, mas o fio único e uniforme que liga “líderes” e “base”, “centro” e “periferia”, comprometendo‑os com a observância e a defesa de um sistema de fins e meios, nenhum dos quais é separável do outro. Nessa vida real do partido comunista – não de qualquer partido, mas apenas dele, já que é comunista de fato e não de nome – o quebra-cabeça que assombra o democrata burguês: quem decide: o “topo” ou a “base”, a maioria ou poucos? Quem “comanda” e quem “obedece”? (...)
«A generosa preocupação dos camaradas de que o partido funcione de forma
organizacional, segura, linear e homogênea deve, portanto, abordar – como o
próprio Lenin advertiu na “Carta a um camarada sobre nossas tarefas
organizacionais” – não uma busca por estatutos, códigos e constituições, ou pior,
por personalidades de temperamento “especial”, mas sim a melhor maneira de
contribuir, cada um e todos, para o desempenho harmonioso das funções sem as
quais o partido deixaria de existir como força unificadora e como guia e
representação da classe, que é a única maneira de ajudá‑la a resolver, dia a dia, “por si mesma” – como em Que Fazer?, onde o jornal é mencionado como um “organizador
coletivo” – seus problemas de vida e ação. Aqui está a chave para o “centralismo
orgânico”, aqui está a arma segura na batalha histórica das classes, não na
abstração vazia das alegadas “normas” de funcionamento dos mecanismos mais
perfeitos ou, pior, na miséria dos julgamentos de homens que, por seleção
orgânica, se viram lidando com eles» (“The Continuity of Party Action on the
Thread of the Left’s Tradition”, Il Programma Comunista, n. 3‑5/1967).
45. Como garantir a disciplina
O partido funciona graças ao trabalho dos homens; quais são as garantias de que esses homens não trairão ou cometerão erros? A objeção dos pequeno-burgueses é evidente: quem impedirá os indivíduos de fazerem o que quiserem, de desobedecerem, porque em cada indivíduo, mesmo militante no partido, há o germe do individualismo, da autoexaltação, do anarquismo etc.? Quem impedirá que os indivíduos levantem problemas pelo simples fato de fazê‑lo, ou que façam críticas? A esquerda já respondeu há mais de 50 anos a objeções desse tipo, e a resposta soa assim: em um organismo, como o partido, que é formado com base na participação voluntária em combate e sacrifício, juntos em uma trincheira comum, essas manifestações individuais devem permanecer raras exceções e podem ser facilmente resolvidas.
Diferente é o caso das dissensões e dos episódios de indisciplina que surgem, se multiplicam e crescem em vez de diminuir e tender a desaparecer; nem que seja pelo fato de que, em vez de atrair indivíduos saudáveis que estão dispostos a se livrar de suas coceiras individualistas, o partido começa a atrair bocas altas e tolos. E isso também é resolvido não apenas perseguindo os tagarelas, mas procurando as razões pelas quais o partido orgânico os atrai, e o remédio está em tornar a aparência do partido tão nítida e clara em todas as suas manifestações teóricas e práticas a ponto de desencorajar qualquer adesão que não seja a daqueles que estão dispostos a se tornar um verdadeiro militante da revolução.
A solução nunca está, nem para Lênin nem para a esquerda, em intensificar as redes burocráticas e as repressões organizacionais, que sempre declaramos que podemos muito bem dispensar, da mesma forma que dispensamos a contagem de cabeças individuais.
«A arte de prever como o partido reagirá às ordens, e quais ordens obterão uma boa resposta, é a arte da tática revolucionária: Isso só pode ser confiado ao uso coletivo da experiência adquirida em ações passadas, resumidas em regras claras de ação... Como o partido é perfectível e não perfeito, não hesitamos em dizer que muito tem de ser sacrificado pela clareza e pelo poder de persuasão das diretrizes táticas, mesmo que isso envolva uma certa esquematização... Não é apenas o bom partido que faz a boa tática, mas a boa tática que faz o bom partido, e a boa tática só pode ser aquela compreendida e escolhida por todos em seus fundamentos» (“Projeto de Teses Apresentadas pela Esquerda no Terceiro Congresso do P. C.d’I”, Lyon, 1926).
A garantia de obediência às ordens centrais pela base não é mais dada pela observância dos artigos de um estatuto ou de um código, mas porque eles são os esperados, pois pertencem ao patrimônio comum do partido. A hierarquia do partido não precisa mais ser eleita pela base, nem ser nomeada de cima para baixo, porque o único critério de seleção continua sendo o de ser capaz de realizar as várias funções do órgão partidário. O fato de haver no centro um determinado camarada em vez de outro não pode mudar nada na direção política do partido, nem em suas táticas; pode influenciar a maior ou menor eficiência central, mas a designação dos militantes mais adequados nas várias funções torna‑se um fato “natural e espontâneo” que não precisa de nenhuma sanção específica.
O partido é uma organização “voluntária”, não no sentido de que ele é aderido por livre escolha racional, o que negamos, mas no sentido de que todo militante «é materialmente livre para nos deixar quando quiser» e que «nem mesmo após a revolução concebemos o acesso forçado em nossas fileiras». Quando se está na organização, exige‑se que se observe a mais estrita disciplina na execução das ordens centrais, mas a transgressão dessa regra não pode ser eliminada pelo centro, exceto pela expulsão dos infratores. O centro não dispõe, para ser obedecido, de nenhuma outra sanção material.
O que pode manter o militante na linha de frente e torná‑lo leal e obediente às ordens que recebe? Certamente não são os artigos de um código penal, mas o reconhecimento de que essas ordens pertencem a uma base comum, são consistentes com os princípios, objetivos, programa e plano de ação aos quais ele aderiu. Na medida em que o órgão partidário sabe como se mover sobre essa base histórica, como adquiri‑la, como permear toda a sua organização e sua atividade com ela, as condições reais para a disciplina mais absoluta podem ser estabelecidas. Na medida em que isso ocorre, os casos de indisciplina, não atribuíveis a questões individuais, tornam‑se menos frequentes e o partido adquire um comportamento unívoco na ação. O trabalho para criar uma organização verdadeiramente centralizada, capaz de responder em todos os momentos a disposições unitárias, portanto, consiste essencialmente no contínuo esclarecimento e esculpimento das pedras angulares da teoria, do programa e da tática, e na contínua conformidade com elas da ação do partido, de seus métodos de luta.
«Devemos ter um partido comunista absolutamente homogêneo, sem diferenças de opinião e diferentes agrupamentos dentro dele. Mas essa afirmação não é um dogma, não é um princípio a priori; é um fim pelo qual podemos e devemos lutar, no curso do desenvolvimento, que levará à formação do verdadeiro partido comunista, sob a condição, isto é, de que todas as questões ideológicas, táticas e organizacionais tenham sido corretamente colocadas e resolvidas... A disciplina, então, é um ponto de chegada, não um ponto de partida, não uma plataforma que seja de alguma forma indestrutível. Além disso, isso corresponde à natureza voluntária da entrada em nossa organização. Portanto, o remédio para os frequentes casos de falta de disciplina não pode ser buscado em algum tipo de código penal do partido» (“Report of the Left at the Fifth Session of the Sixth Enlarged Executive of the Communist International”, 23/2/1926).
Tampouco fazem sentido as medidas de terror ideológico e organizacional, que lembram as práticas sombrias do stalinismo destruidor de partidos. Nossas teses suplementares sobre a tarefa histórica, a ação e a estrutura do partido comunista mundial afirmam, em Il Programma Comunista:
«Outra lição que podemos tirar dos acontecimentos na vida da Terceira Internacional... é a da vaidade do “terror ideológico”, um método horrível no qual se tentava substituir o processo natural de difusão de nossas doutrinas por meio do contato com a dura realidade em um ambiente social, com a doutrinação forçada de elementos recalcitrantes e confusos, seja por razões mais poderosas do que o partido e os homens ou devido a uma evolução defeituosa do próprio partido, humilhando‑os e mortificando‑os em congressos públicos abertos até mesmo ao inimigo, mesmo que tivessem sido líderes e expoentes da ação partidária durante importantes episódios políticos e históricos... Dentro do partido revolucionário, à medida que ele se move inexoravelmente em direção à vitória, a obediência às ordens é espontânea e completa, mas não cega ou compulsória. De fato, a disciplina centralizada, conforme ilustrado em nossas teses e na documentação de apoio associada, é equivalente a uma perfeita harmonia entre os deveres e ações das bases e os do centro, e as práticas burocráticas de um voluntarismo antimarxista não substituem isso» (“Supplementary Theses on the Historical Task, the Action and the Structure of the World Communist Party”, 1966).
«O partido que certamente veremos ressuscitar em um futuro brilhante será
constituído por uma vigorosa minoria de proletários e revolucionários anônimos,
que podem ter funções diferentes, como os órgãos de um mesmo ser vivo, mas todos
estarão ligados, no centro e na base, à norma que está acima de todos os membros,
inflexível, de respeito à teoria; de continuidade e rigor na organização; de um
método preciso de ação estratégica cuja gama de eventualidades permitidas é
extraída, em seus vetos invioláveis, da terrível lição histórica das devastações
do oportunismo. Em tal partido, finalmente impessoal, ninguém poderá abusar do
poder, precisamente por causa de sua característica inimitável, que o distingue
no fio ininterrupto que se originou em 1848» (“The Theory of the Primary
Function of the Political Party, Only Safekeeping and Salvation of the
Historical Energy of the Proletariat”), Il Programma Comunista n. 21‑22, 1958).
46. Como dividir os deveres
Já em 1924, em “Lenin on the Path of Revolution” (Lênin no caminho da revolução),
em uma conferência realizada para comemorar sua morte, havíamos destacado o
papel do indivíduo no partido:
«A organização no partido, que permite que a classe seja verdadeiramente tal e
viva como tal, apresenta‑se como um mecanismo unitário no qual os vários “cérebros”
(certamente não apenas os cérebros, mas também outros órgãos individuais)
realizam diferentes tarefas de acordo com suas atitudes e potencialidades, todos
a serviço de um propósito e de um interesse que progressivamente se une mais e
mais intimamente “no tempo e no espaço” (essa expressão conveniente tem um
significado empírico e não transcendente).
«Portanto, nem todos os indivíduos têm o mesmo lugar e o mesmo peso na
organização: como essa divisão de tarefas é implementada de acordo com um plano
mais racional (e o que é o caso hoje para a classe partidária será o caso amanhã
para a sociedade) que exclui que aqueles que se encontram em posições mais altas
sejam considerados privilegiados em relação aos outros. Nossa evolução
revolucionária não vai em direção à desintegração, mas à conexão cada vez mais
científica dos indivíduos entre si.
«É anti‑individualista, pois é materialista; não acredita na alma ou em um
conteúdo metafísico e transcendente do indivíduo, mas inclui as funções do
indivíduo em uma estrutura coletiva, criando uma hierarquia que se desenvolve no
sentido de eliminar cada vez mais a coerção e substituí‑la pela racionalidade
técnica. O partido já é um exemplo de um corpo coletivo sem coerção.
«Esses elementos gerais da questão mostram que ninguém melhor do que nós está
além do significado banal de igualitarismo e democracia “numérica”... Em
conclusão, se o homem, o “instrumento” excepcional, existe, o movimento o
utiliza: mas o movimento ainda vive de qualquer maneira quando não se encontra
uma personalidade tão eminente».
Partindo do pressuposto de que a doutrina não deve ser discutida, que o programa não é discutido, que não há discussão sobre os aspectos fundamentais do plano tático, as relações internas assumem a forma de um trabalho de responsabilidade conjunta de todos os membros do partido, com o objetivo de encontrar, com base em um patrimônio comum a todos, as soluções mais adequadas para os vários problemas.
De tudo isso decorre a importância do trabalho em comum; todos os camaradas devem trabalhar, isso é óbvio, mas, na medida do possível, os camaradas devem trabalhar em todas as áreas; não deve haver especializações, separações entre aqueles que fazem um determinado trabalho e aqueles que fazem outro, mesmo que seja óbvio que não somos idênticos, como não seremos mesmo no comunismo pleno.
«Toda a arte de dirigir uma organização secreta deve consistir em fazer uso de
tudo o que for possível, em “dar a todos algo para fazer”, ao mesmo tempo em que
se mantém a liderança de todo o movimento, não em virtude de ter o poder, é
claro, mas em virtude de autoridade, energia, maior experiência, maior
versatilidade e maior talento» (VI, 240).
47. Impessoalidade e anonimato
O trabalho conjunto é o ponto de apoio da natureza orgânica do trabalho no partido; os camaradas abordam seu trabalho sem qualquer personalismo ou carreirismo. Na época de Lênin, isso não era possível, mas desde 1952 nunca publicamos os nomes dos companheiros que escrevem relatórios, artigos e teses. Não se trata de uma escolha moral ou estética, mas corresponde ao fato inegável de que nosso trabalho não é mais individual, até porque qualquer estudo não pode ignorar o que está em nossa doutrina, o que foi escrito anteriormente por outros camaradas, nem sua atividade passada, sejam eles os grandes Marx e Lênin ou camaradas obscuros que contribuíram por um dia, um ano ou uma vida inteira; até mesmo camaradas que acabaram abandonando o partido e o marxismo, a quem pertencem algumas das citações que listamos. A revolução, escrevemos, se erguerá novamente, mas de forma anônima. Sobre o fato de que nossa missão está acima de qualquer indivíduo, Lenin permite que o camarada Rusov fale:
«“Estamos ouvindo discursos estranhos da boca de revolucionários”, observou o camarada Rusov com justiça, “discursos que estão em desarmonia acentuada com os conceitos de trabalho do partido, ética do partido”. O principal argumento com o qual os oponentes da eleição de trios defendem sua posição equivale a uma visão puramente filistina dos assuntos do partido» [grifo meu]... «Se adotarmos esse ponto de vista, que é filistino e não do partido, teremos que considerar em cada eleição: será que Petrov não ficará ofendido se Ivanov for eleito e ele não, será que algum membro do Comitê Organizador não ficará ofendido se outro membro, e não ele, for eleito para o Comitê Central? Onde isso vai nos levar, camaradas? Se nos reunimos aqui com o propósito de criar um partido, e não de nos entregarmos a elogios mútuos e sentimentalismo filisteu, então jamais poderemos concordar com essa opinião. Estamos prestes a eleger oficiais e não se pode falar em falta de confiança em qualquer pessoa que não tenha sido eleita; nossa única consideração deve ser os interesses do trabalho e a adequação da pessoa ao cargo para o qual está sendo eleita» (VII, 312‑313).
Embora, como mencionado acima, não fosse possível para Lênin escrever anonimamente em uma época em que ele próprio encarnava a doutrina marxista e seu partido não era totalmente homogêneo em termos teóricos, ele, no entanto, evitava qualquer culto à sua pessoa, como pode ser visto em vários testemunhos, como o de Andreev (Lénine comme il fut, 1958):
«Nem em reuniões, nem em conferências, nem na imprensa, Lênin tolerou qualquer elogio, nenhuma exaltação de seus méritos pessoais; ele se opôs ao culto à personalidade, alheio aos marxistas, e sempre esteve sinceramente indignado com suas mínimas manifestações. O partido e as massas sempre se colocavam em primeiro plano ao analisar os eventos históricos ou as tarefas a serem executadas. A extrema modéstia de Lênin se manifestava em tudo e sempre».
Aqui é fácil traçar o paralelo com nossos maiores mestres.
48. A falsa solução das expulsões
O centralismo orgânico exclui o nascimento de frações. A atividade de um partido saudável não exige, e portanto não justifica, a constituição de frações que competem por sua direção. Assim como é sintoma de um grave mal‑estar o fato de que na periferia se formem frações para a conquista da liderança do partido, também o é o fato de que o centro se conceba como uma fração, entre cujas funções estaria a manutenção de seu cargo.
O nascimento de frações, que nos antigos partidos socialistas poderia ser um fato necessário e muitas vezes útil quando gerado por movimentos em defesa do marxismo e, portanto, progressivo na evolução do partido histórico, é, quando ocorre no partido atual, um fenômeno patológico.
Esse é especialmente o caso quando a fração que se afasta da política revolucionária justa é a que pertence ao Centro, como aconteceu em 1972‑1973. Após esse evento, um grupo de camaradas, que continuou “no mesmo caminho de sempre” e que agora faz parte do Partido Comunista Internacional, foi expulso em 1973 da organização de então. Mas, na verdade, foi a fração do Centro que deixou o partido, o partido histórico, enquanto o formal enfrentava uma degeneração inevitável.
Em 1972, os camaradas da seção de Florença escreveram uma carta ao Centro,
relacionada à expulsão de toda uma seção estrangeira, que relatamos porque ela
fornece mais esclarecimentos importantes sobre o que é o centralismo orgânico:
«Não importa qual camarada ou grupo de camaradas esteja em um determinado
momento, ou em um determinado problema, neste ou naquele dos dois lados. São os
dois lados que nunca devem existir dentro do partido. É o modo de vida do
partido que se baseia precisamente na negação absoluta da existência de lados e
de que um deve lutar contra o outro. Se um único camarada ou um grupo de
camaradas não perceber uma situação ou um problema ou persistir em um erro, todo
o partido estará comprometido em esclarecer, esculpir e reiterar uma linha
impessoal, pois a fraqueza de um ponto do partido é a fraqueza de todo o partido,
a falta de clareza de toda a organização. E sempre dissemos que, se um camarada
não tem ideias claras, isso significa que o partido não se esforçou o suficiente
para esclarecê‑las, que é necessário mais trabalho de todo o partido. Essa é a
única maneira pela qual o partido pode viver e funcionar... Esse é o método
orgânico que é nosso e que reivindicamos, porque é o único método que nos
permite viver como uma organização em que não há camaradas que entendem, nem
outros que não entendem, nem camaradas que cometem erros, nem outros que não
cometem erros, mas há apenas camaradas que, para o bem ou para o mal, trazem sua
contribuição para a batalha comum contra o inimigo de classe e dão a essa
batalha toda a sua força.
«Por essa razão, não compartilhamos o tom triunfalista e as declarações da última circular, na qual se afirma que a última assembleia geral encerrou a batalha contra o surgimento de ideologias antimarxistas, etc. As tendências antimarxistas estavam lá, é claro, mas a ênfase não deve ser colocada tanto na vitória alcançada quando conseguimos eliminá‑las do partido, mas na derrota que sofremos quando elas conseguiram penetrar em nosso interior, destruindo energias preciosas e demolindo uma parte de nossa organização. Certamente não devemos nos congratular por tê‑los expulsado, mas sim refletir sobre por que eles conseguiram penetrar em nosso interior e trabalhar para tornar o partido mais forte e mais impermeável a essas influências destrutivas. Devemos julgar que nossas defesas eram fracas demais para impedir que o inimigo as desmantelasse e trabalhar para fortalecer e melhorar essas defesas. Essa é a lição que devemos aprender com a crise que o partido sofreu».
No entanto, a atitude do partido em relação às frações era clara desde 1926 e
continuamente reafirmada nas teses:
«Levantar o problema das frações como um problema moral, do ponto de vista de um
código penal, não é a linha de ação correta. Existe algum exemplo na história de
um camarada formando uma fração para sua própria diversão? Isso nunca aconteceu.
Existe algum exemplo histórico de oportunismo se insinuando no partido por meio
de uma fração, da organização de frações servindo como base para uma mobilização
derrotista da classe trabalhadora e do partido revolucionário sendo salvo graças
à intervenção dos matadores de frações? Não. A experiência mostrou que o
oportunismo sempre se infiltra em nossas fileiras sob o pretexto de unidade. É
de seu interesse influenciar a maior massa possível e, portanto, é por trás da
tela da unidade que ele apresenta suas propostas mais enganosas. Além disso, a
história das frações mostra que, se as frações não honram os partidos em que
foram formadas, elas honram aqueles que as formaram... O nascimento de uma
fração mostra que algo deu errado no partido. Para remediar o mal, é necessário
buscar as causas históricas que deram origem a ele, que deram origem à fração e
que a levaram a tomar forma. As causas estão nos erros ideológicos e políticos
do partido. As frações não são a doença, mas apenas o sintoma, e se você quiser
tratar um organismo doente, terá de tentar descobrir as causas da doença, não
combater os sintomas» (“Relatório da Esquerda na Quinta Sessão da Sexta
Executiva Ampliada da Internacional Comunista”, 23 de fevereiro de 1926).
As lições das derrotas causadas pela degeneração do centro são as que mais nos
fortaleceram na aplicação do centralismo orgânico. E essas são as derrotas mais
dolorosas e mais desastrosas para o partido. Desde a derrota dos partidos da
Segunda Internacional até a do centro de Moscou, que destruiria o impulso
revolucionário internacional para algemar os movimentos dos trabalhadores aos
interesses do Estado russo.
49. Partido e frações
A esquerda nunca hesitou em expor com a maior franqueza as objeções que o
comportamento do centro causava. Foi assim no Partido Socialista Italiano; foi
assim na Internacional e até mesmo antes do próprio Stalin. Quando os camaradas
da esquerda foram forçados, em 1925, a dissolver o Comitê Intesa, eles
obedeceram, mas declararam:
«Diante de uma imposição material, lembramos, acima de tudo, de permanecer em
nosso posto como soldados do Partido Comunista e da Internacional, que
manteremos com vontade de ferro, sem jamais renunciar à oposição, por meio de
críticas incansáveis, aos métodos que consideramos estar em conflito com o
interesse e o futuro de nossa causa» (“Un documento indegno di comunisti”,
L’Unità, 18 de julho de 1925).
Em “The Opportunist Danger and the International” (Stato Operaio, julho de
1925), escrevemos, sem diplomacia:
«Acreditamos na possibilidade de que a Internacional caia no oportunismo... Os
mais gloriosos e brilhantes precedentes históricos não podem garantir um
movimento, mesmo e acima de tudo um movimento revolucionário de vanguarda,
contra a possibilidade de revisionismo interno. As garantias contra o
oportunismo não podem consistir no passado, mas devem estar presentes e ser
oportunas em todos os momentos.
«Não vemos inconvenientes sérios em uma preocupação exagerada com o perigo
oportunista. É claro que a crítica e o alarmismo feitos por diversão são muito
lamentáveis, mas... é certo que eles não terão meios de enfraquecer o movimento
de forma alguma e serão facilmente superados. Embora o perigo seja muito sério
se, ao contrário, como infelizmente aconteceu em tantos precedentes, a doença
oportunista estiver crescendo antes que alguém tenha ousado, em algum lugar, dar
o alarme vigoroso. A crítica sem erro não causa nem um milésimo do dano causado
pelo erro sem crítica.
«O camarada Girone coloca a questão de forma simples e clara quando diz que tudo
o que os líderes da Internacional dizem e fazem é um assunto sobre o qual
reivindicamos o direito de discutir, e discutir significa ser capaz de duvidar
que algo foi dito e feito errado, independentemente de qualquer prerrogativa
atribuída a grupos, homens e partidos. É uma questão de repetir a apologia
sagrada da liberdade de pensamento e crítica como direito do indivíduo? Não, é
claro, trata‑se de estabelecer a forma fisiológica de funcionamento e trabalho
de um partido revolucionário, que deve conquistar, não preservar as conquistas
do passado, invadir os territórios do inimigo, não fechar o seu próprio com
trincheiras e cordões sanitários».
Portanto, para evitar cisões e frações, e até mesmo a mera perda de militantes
individuais, o partido tem à sua disposição o único instrumento da política
revolucionária correta, a única atividade fisiológica para evitar a degeneração.
E então, de volta ao trabalho de estudo, escultura, esclarecimento e
demonstração do acerto das bases programáticas. A propósito, nada impede que os
companheiros que são portadores de mal‑entendidos de nossa doutrina participem
do trabalho de esclarecimento, de esculpir os aspectos que exigem maior clareza.
Um processo que também guarda o segredo para obter uma resposta correta às
ordens, e também à falta de ordens, quando o camarada precisa agir sem poder
discuti‑las com os órgãos do partido.
50. Antecipação da sociedade futura
Um partido, portanto, existe na medida em que defende não apenas a perspectiva de um futuro comunista, mas também uma doutrina (teorização e sistematização das características peculiares, interesses coletivos e tarefas históricas e imediatas da classe) e um método de operação (ou seja, atividade política e organização da luta). Para nós, o partido sempre foi uma síntese de uma escola de pensamento e um método de ação.
Tudo isso independentemente do tamanho que o partido tenha em um determinado momento histórico, seja em número de membros ou em extensão geográfica.
«Mesmo aceitando as dimensões restritas do partido, devemos compreender que estamos preparando o verdadeiro partido, sólido e eficiente ao mesmo tempo, para o período importante em que as infâmias do tecido social contemporâneo obrigarão as massas insurgentes a retornar à vanguarda da história; um ressurgimento que poderá fracassar mais uma vez se não houver um partido; um partido que seja compacto e poderoso, em vez de inflado em números, o órgão indispensável da revolução. Por mais dolorosas que sejam as contradições desse período, elas podem ser superadas tirando as lições dialéticas das amargas decepções de tempos passados e sinalizando corajosamente os perigos sobre os quais a esquerda alertou e denunciou à medida que apareciam, juntamente com todas as formas insidiosas nas quais a sinistra infecção oportunista se revela repetidamente» (“Supplementary Theses on the Historical Task, the Action and the Structure of the World Communist Party”, 1966).
Como conclusão, não se deve pensar que o partido se assemelha a uma unidade tradicional do exército, na qual cada comportamento e declaração é visto com suspeita e sujeito a controles rigorosos. Tampouco o partido é “um palanque cercado por muros intransponíveis”, desconfiado da contaminação externa, que na realidade não pode ser evitada, a não ser pela sucessão de camaradas de mil origens e de gerações com diferentes formações e experiências. Na realidade, o trabalho comum e o objetivo comum fazem com que os companheiros estejam ligados pela “consideração fraterna”; no partido há uma tendência a dar vida a um ambiente fortemente antiburguês, que, apesar do condicionamento devido à imersão nessa sociedade desumana, determina uma antecipação das características da futura sociedade comunista. O partido como “antecipação da sociedade futura” é a síntese do que um militante sente e vive, enquanto oferece sua vida a essa grande agitação da história humana que fará com que a humanidade salte, no sentido de Engels, do reino da necessidade para o reino da liberdade.